Desde o século 17, a mídia jornalística tem mantido a população informada através dos veículos tradicionais que todos já conhecem: o impresso, a televisão e o rádio. Por muito tempo, mesmo com mudanças significativas na comunicação, essa estrutura midiática se manteve dominante. Entretanto, com o avanço da tecnologia, novas formas de consumo de informação foram popularizadas. Hoje, a necessidade de se fazer presente na internet interfere na maneira de se produzir, criar conteúdo, disseminar informações e conversar com o público. Segundo JC Rodrigues, mestre em comportamento do consumidor e professor na ESPM, “a adaptação dos veículos de comunicação à era digital é uma resposta necessária às mudanças nos hábitos de consumo. O público conectado busca conteúdos que sejam acessíveis, dinâmicos e personalizados, consumindo-os em plataformas que fazem parte de sua rotina, o que exigiu dos veículos pré-digitais serem mais ágeis, criativos e estratégicos, utilizando as plataformas não apenas como canais de distribuição, mas como espaços de interação e engajamento, em uma abordagem mais humanizada da comunicação”, relembra Rodrigues.
Essa mudança também reflete a convergência entre diferentes mídias, o que cria uma necessidade de se pensar em conteúdos adequados para circular em múltiplos formatos e dispositivos. Por exemplo, o trabalho bruto é postado em alguma rede, sofre cortes, edições e depois é distribuído de outras maneiras em outras plataformas, ampliando não só o alcance do veículo mas otimizando a distribuição da notícia. A ascensão do youtube em 2006 - primeira plataforma a disponibilizar a publicação de vídeos longos - gerou dúvidas sobre até onde a televisão resistiria a essa nova forma de consumo de entretenimento e informação.
Na verdade, o que aconteceu foi a adaptação a esse novo formato. Canais e programas clássicos da televisão notaram a necessidade de se fazerem presentes nas redes sociais, o que ocasionou a criação de perfis para publicar as programações televisivas na internet.

Um dos primeiros programas a se adaptar a esse novo formato no Brasil foi o “The Noite com Danilo Gentili”, atração noturna do SBT. O canal no youtube foi criado em 22 de janeiro de 2014, e desde então soma mais de 15 mil episódios - que estreiam primeiro na rede aberta e depois são publicados na plataforma - 5 bilhões de visualizações e 13 milhões de inscritos.

Quase 10 anos depois, canais já são criados com base nessa estrutura, sem a necessidade de ter uma grande emissora por trás da produção dos conteúdos. Esse foi o caso da “Cazé TV”, perfil no youtube especializado em transmissões esportivas como a Copa do Mundo, Olimpíadas e EuroCopa. Em entrevista ao Rio2C, Casimiro Miguel, dono da Cazé, comenta sobre esse formato: “É muita responsabilidade e jogar isso de graça pro público é muito maneiro. Nossa maior preocupação é tentar trazer todos esses conteúdos de forma gratuita pra galera, por que eu acho que tornar esses esportes acessíveis para todos é muito especial.

Para Rodrigues, um grande desafio para a reformulação dos veículos tradicionais são os hábitos de consumo de informação digital, marcados pelo imediatismo e pela fragmentação. “Considerando que o público não está mais limitado a horários fixos ou formatos rígidos; ele busca conteúdos sob demanda, acessíveis em qualquer lugar e a qualquer momento. A capacidade de atender a estas expectativas acaba por determinar quais veículos receberão atenção das pessoas e, consequentemente, sua relevância na sociedade. Por outro lado, há o desafio entre velocidade e veracidade (ou acuidade), principalmente quando falamos de hard news", diz.
Muitos veículos enfrentam o desafio de manter sua credibilidade em um ambiente saturado de desinformação e fontes não confiáveis. “A televisão, o rádio e o editorial precisam encontrar formas de se conectar com um público que valoriza a flexibilidade e a personalização, sem perder sua essência. A confiabilidade é o ativo que tais veículos podem (e devem) explorar, mesmo nesta transição para formatos de comunicação mais contemporâneos”, completa Rodrigues.
“A credibilidade e a verificação dos fatos são diferenciais que devem ser reforçados, enquanto as redes sociais podem ser usadas como aliadas para distribuir conteúdos e atrair novos públicos. A combinação de agilidade e qualidade é essencial para equilibrar a disputa pela atenção do público com a manutenção da essência jornalística”, afirma Rodrigues.
Uma estratégia adotada pelo G1 para contornar alguns obstáculos da internet citados por JC foi a criação do quadro “Fato ou Fake”, em que são esclarecidas notícias falsas através de vídeos curtos. Com esse formato o veículo atrai o público engajado nas redes sociais e desmente as principais fake news, sem perder a identidade e priorizando a informação entre os leitores.

Além disso, o consumo e a produção de conteúdo nas redes também enfrentam a fragmentação da audiência, a concorrência com plataformas digitais e serviços on-demand (disponibilizados e consumidos de acordo com a necessidade do usuário), a queda na receita publicitária tradicional e a necessidade de se adaptar a novos modelos de monetização.
A estudante de jornalismo na ESPM, Laura Loch, comenta sobre a produção de textos jornalísticos em um ambiente digital: “Desde que comecei a escrever para o Portal de Jornalismo da ESPM me adaptei muito bem à produção exclusivamente online, porém, acredito que o ambiente saturado de informações e a necessidade de manter o engajamento do público possam ser uma dificuldade geral do webjornal”.
Em relação às adversidades econômicas desse cenário, Rodrigues apresenta soluções viáveis para garantir a sustentabilidade financeira do jornalismo digital. “O modelo de assinatura digital é uma alternativa prática, mas apresenta desafios consideráveis. Ele pode limitar o acesso à informação, especialmente em contextos de desigualdade digital, onde nem todos têm condições de pagar por conteúdos de qualidade”. Para ele, uma abordagem híbrida, que combina conteúdos gratuitos e premium, seria ideal para equilibrar sustentabilidade e acesso, garantindo que o jornalismo continue a cumprir seu papel social.
Novas mudanças e o futuro da profissão
A reinvenção digital é inevitável e os veículos precisarão equilibrar a preservação de sua essência com a adaptação às novas demandas e tecnologias. O professor afirma que “não existe mais jornalismo tradicional e digital, existe jornalismo. O que se adapta a uma realidade social (advinda da tecnologia) e os que ficam para trás”.
Segundo levantamento do Google em parceria com a Ipsos, o Brasil está acima da média mundial no uso de inteligência artificial (IA) gerativa - 54% dos brasileiros declararam ter utilizado ferramentas desse tipo em 2024, enquanto a média global foi de 48%. Assim, a inteligência artificial, cada vez mais aperfeiçoada e consumida, pode alterar o quadro atual do jornalismo online e ocupar um espaço significativo nas produções futuras.

Rodrigues comenta que “a inteligência artificial pode transformar o jornalismo ao automatizar tarefas como redação de textos simples, análise de dados e personalização de conteúdos. Isso permite que os jornalistas se concentrem em reportagens mais complexas e investigativas. No entanto, a IA também levanta questões éticas, como o viés algorítmico e a transparência. O uso responsável da tecnologia será essencial para garantir que ela complemente, e não substitua, o trabalho humano”.