Uma história universal, como "Ainda Estou Aqui" ressoou além do Brasil

Como uma produção brasileira encontrou eco no cenário cinematográfico mundial, tocando plateias de diferentes culturas.
por
Eduarda Gonçalves Amaral
Emily de Matos
Luis Henrique Oliveira
|
21/03/2025 - 12h

Ainda estou aqui, filme brasileiro que mesmo após o fim da temporada de premiações continua conquistando o público e levando pessoas do mundo inteiro as salas de cinema, além do fato de ter se destacado em festivais e conquistado também a crítica especializada. O longa se tornou um símbolo do potencial do cinema brasileiro de conseguir dialogar com públicos diversos, rompendo barreiras culturais e ampliando sua presença no cenário global. Para entender o fenômeno e o grande alcance e impacto da obra, conversamos com Alexandre Almeida, crítico do site Omelete, e Kelvin Andrade, cineasta, que falaram sobre a obra e como ela refletiu no momento atual do audiovisual brasileiro. Como destaca um dos entrevistados, "o coração da obra, vamos chamar assim, é afeto, memória, resistência" — elementos universais que ajudaram a levar o filme a novos territórios e a sensibilizar diferentes culturas.

Elenco de “Ainda Estou Aqui” durante as filmagens
Elenco de “Ainda Estou Aqui” durante as filmagens. Foto: Reprodução/Instagram/@valentinaherszage

A adaptação cinematográfica dirigida por Walter Salles conquistou 39 prêmios e recebeu três indicações ao Oscar, levando pela primeira vez um filme brasileiro ao prêmio de Melhor Filme Internacional. Ainda Estou Aqui está sendo exibido em 25 países e no dia 18 de março de 2025 o longa arrecadou mundialmente US$36 milhões, conforme dados divulgados pelo site Collider. De acordo com o Box Office Mojo, nos Estados Unidos o filme teve uma arrecadação de US$ 6 milhões e alcançou a posição de terceiro filme com maior bilheteria mundial entre as produções brasileiras, ficando atrás de Minha mãe é uma peça 2 (2016), com US$ 39 milhões, e Tropa de Elite 2: O inimigo Agora é Outro (2010), com US$63 milhões.

Segundo Andrade, o longa-metragem teve uma grande expansão de salas em diversos países porque “o filme já vinha com o ‘burburinho’ gerado pela premiação em Veneza e por ser dirigido pelo Walter Salles, que é conhecido internacionalmente”. Além disso, destaca a estratégia da indústria cinematográfica e o investimento da Sony Classics ao expandir o filme ao público geral a partir da campanha do Oscar, que incluiu a indicação de Fernanda Torres como melhor atriz e de Ainda Estou Aqui como melhor filme.

“O festival de cinema é uma vitrine”, afirma Alexandre. “Festivais como Cannes, que é muito fechado para imprensa e para convidados, funcionam pelo glamour.” mas de acordo com o crítico, Cannes é importante para filmes que estão em busca de distribuição internacional. “Outros festivais por exemplo, Toronto é um evento aberto para o público e funciona como burburinho”

O crítico argumenta que a qualificação de um filme é moldada tanto pelo reconhecimento de festivais de cinema que premia filmes selecionados por júris qualificados quanto pela busca do público por validação externa. “A gente adora um rótulo, adoramos uma legitimação que não é propriamente a nossa, é de outra, de alguma esfera de fora que vai dizer para a gente que aquilo é bom para a gente poder ver.”

A película foi baseada na autobiografia de mesmo nome escrita por Marcelo Rubens Paiva, na qual conta sobre sua infância enquanto lidava com o exílio de seu pai na ditadura. Na trama, acompanhamos Eunice Paiva (Fernanda Torres), matriarca da família que vê sua vida mudar drasticamente após o desaparecimento de seu marido, Rubens Paiva (Selton Mello), enquanto luta pela verdade sobre seu paradeiro. 

“O aspecto principal é a família, é essa mãe. Se você for pegar todas as críticas e entrevistas, sempre se é falado da mãe, o relacionamento, a dor e o luto dela para segurar essa família. Além de ser uma situação que qualquer um pode se identificar, porque todo mundo pode pensar sobre estar com a sua família um dia e no outro um regime opressivo  vir e tirar o seu pai ou sua mãe e você nunca mais vê-los” explica Almeida sobre como a representação da  família foi o que gerou reconhecimento e comoção do grande público, elevando a fama do filme.

Kelvin ressalta que a forma como a ditadura foi abordada na obra também resultou na identificação do público, principalmente aqueles provenientes de países latino americanos que também enfrentaram governos autoritários como o Brasil. “Outros países da América Latina passaram por períodos de ditadura semelhantes a gente, e isso foi um ‘apelo’ muito forte internacionalmente, ainda mais para esses países em volta do nosso, que passaram por esses períodos horríveis. Acho que nesses países deve ter tido uma certa identificação por esse fato”.

A universalidade da história fez com que o público estrangeiro conseguisse compreender a narrativa e o que se passava no país durante os anos 1970, ajudando a propagar cada vez mais o filme. Alexandre Almeida explica que, quanto mais universal o filme é, mais chances de quebrar as barreiras entre culturas pela identificação. “O Parasita, por exemplo, que foi o último filme internacional realmente badalado no Oscar e nas premiações, é um filme sobre família e sobre questões sociais que não são só da Coreia do Sul. A mesma coisa acontece em Ainda Estou Aqui, a história da família Paiva também é muito universal para outros lugares. Em qualquer lugar do mundo você pode ter histórias em que a violência de uma ditadura tira o pai ou a mãe ou algum membro da família”.

Em um cenário cinematográfico cada vez mais globalizado, Ainda estou aqui se destacou não só pela sua narrativa sensível sobre a família Paiva, mas também pela sua veracidade sobre a realidade do Brasil, Andrade reforça que o que impulsiona as audiências internacionais é o jeito, que o filme retrata o período da ditadura no Brasil, e isso ressoa muito na sociedade, por gerar identificação e também a realidade da história do país. O filme conseguiu tocar o público com uma história que mesmo sendo brasileira, continua tendo uma linguagem universal, que reflete a originalidade e a identidade de um país que por muitas vezes é marginalizado em obras de grande alcance.

Essa autenticidade, aliada a uma abordagem inovadora e realista não é o único fenômeno nacional cinematográfico isolado. “Central do Brasil, Cidade de Deus e Que horas ela volta? A gente pode falar que não teve essa mesma expansão Internacional, mas para mim tem, independentemente dos números de bilheteria, tem uma relevância cultural bem semelhante e, esses filmes que citei não tiveram só o impacto nacional, mas Internacional também. Foram filmes que retratam outras realidades e momentos do Brasil e a relevância cultural indiscutível.” afirma Andrade. 

Marjorie Estiano e Isabél Zuaa como Ana e Clara, respectivamente, no filme “As Boas Maneiras”
Marjorie Estiano e Isabél Zuaa como Ana e Clara, respectivamente, no filme “As Boas Maneiras”. Foto: Divulgação/Reprodução/O Globo

O entrevistado também ressalta sobre nossa diversidade audiovisual, com o investimento em gêneros como terror e comédia que levaram as pessoas para a sala de cinema, usando de exemplo Lobo Atrás da Porta e Minha mãe é uma peça que são memoráveis. 

“Essas obras vão influenciar também outros filmes, já se tem os filmes de terror, tipo Boas Maneiras, então são filmes que vão influenciar culturalmente as obras e ter a atenção do público. É fácil a gente apontar a Tropa de Elite, Cidade de Deus, Central do Brasil como as grandes influências na cultura, sendo que eles na verdade são os nossos blockbusters”.