Com a pandemia, a depressão encontrou combustível para se alastrar na sociedade. Um estudo publicado na revista científica americana Jama (Journal of the American Medical Associatio), aponta que a doença cresceu três vezes na pandemia e é o principal fator de risco para o suicídio, ato que é a segunda causa de morte entre pessoas de 15 a 29 anos.
Percebe-se que muitos jovens têm dificuldade de falar sobre saúde mental com seus familiares. Mas não podemos colocar na conta da pandemia de Covid-19 mais de 350 milhões de pessoas no mundo que foram atingidas pela depressão mesmo antes da quarentena. No entanto, a família precisa se apoiar para, juntos, enfrentarem essa doença resistente. Depressão não é tristeza, nem frescura. Para falar a verdade, cuidar da depressão não é fácil. Um em cada três pacientes não melhora mesmo após inúmeras tentativas de tratamento.
No psiquismo humano, existem diversos mecanismos de defesa. "Em casos como depressão e problemáticas que envolvem a saúde mental dentro do âmbito familiar, os parentes acabam reagindo com negação ao problema. Tal comportamento interfere no sistema e no convívio familiar, diz a psicopedagoga e psicóloga Elizabetty Monteiro
Para a estudante Maria Luiza Costa (18), que sofre desde antes da pandemia com transtornos psicológicos, foi muito difícil ter a aceitação da família, mesmo com pessoas próximas diagnosticadas com o problema. “Minha mãe e minha avó já tiveram depressão, mas quando fui diagnosticada, elas minimizaram a situação. Aquela teoria de ‘você é jovem, você só estuda, você tem tudo’. [...] mas era como se eu sentisse um vazio sem fim”.
Elizabetty Monteiro ressalta ainda que outro fator muito recorrente entre as famílias, é que além dos parentes negarem, eles relacionam a doença à fé, “A religião sempre foi um impedimento na ciência. As famílias que possuem fanatismo religioso, acabam se agarrando em sua fé e atrapalhando o tratamento. Ciência com fé não se mistura pois a ciência tem o papel de diagnosticar e a fé de acolher”, diz.
Na história da humanidade, a saúde mental sempre foi uma questão em segundo plano, pois determinadas características eram consideradas como possessão, de uma forma mística, sempre envolvendo medo e mistério. Nos dias de hoje, esse preconceito diminuiu decorrente da evolução da neurociência. Mas ainda continua enraizado em nossa sociedade.
Elizabetty também explica que a pandemia mexeu com questões históricas do homem, o que acabou gerando angústia e depressão à população. “O homem é um ser que necessita se situar no mundo, ter rotina e liberdade. A pandemia abalou essas questões, pois baniu a necessidade de sonhar e de estar sob controle da própria vida. Dessa forma, o homem foi castrado e acabou impotente”, analisa.
De acordo com pesquisa encomendada pelo Fórum Econômico Mundial, do Instituto Ipsos (Índice Primário de Sentimento do Consumidor), 53% dos brasileiros declararam que sua saúde mental piorou durante a pandemia. Uma média maior do que dos outros 30 países que participaram da pesquisa.
Para Maria Luiza a situação foi diferente, ela afirma que durante este período focou em fazer o tratamento com psicólogo e psiquiatra, o que a ajudou. Contudo, sua medicação aumentou: “[...] o que eu não estourei no início, está acontecendo agora. Mas acho que segurei bem a onda, no sentido de: prestar atenção no meu corpo, na minha saúde mental”
Mas essa não está sendo a realidade de todos os brasileiros, como ela relata em seu próprio seio familiar, “por serem pessoas mais antigas, acham que isso é tabu, que isso pode ser frescura. nela". A pesquisa da Ipsos consultou 21 mil pessoas, e em média, 45% da população dos países envolvidos esperam voltar à normalidade ainda este ano, já 41% acredita que levará mais tempo. Maria Luiza acredita que em um mundo pós pandemia a saúde mental será outra, “ Todo mundo vai sair com sequelas da pandemia, perdas. É muito difícil você ligar a televisão e ver mortes e mais mortes”
Rosimeire Peres, assistente social, já chegou a acompanhar mil famílias do território do Itaim Paulista de extrema vulnerabilidade social, quando trabalhou no SASF (Serviço de Assistência Social à Família). Ela explica que dentro do ambiente familiar às vezes os pais não conseguem ter esse entendimento da necessidade dos filhos, seja em relação ao atendimento psicológico ou educacional, e diz que isso se acentua em famílias fragilizadas socialmente.
Uma pesquisa feita pela revista médica Inglesa The Lancet aponta que brasileiros em situação de pobreza e com baixa escolaridade são mais suscetíveis a doenças como depressão. Rosimeire acompanhou essa realidade no local em que trabalhava, e ainda acrescenta que mesmo os membros saudáveis do seio familiar do enfermo podem influenciar no quadro clínico: “Quando a gente fala em famílias em situação de vulnerabilidade social, é bem complicado, a gente percebe que dentro desse núcleo familiar, a mãe ou o pai, muitas vezes eles não têm um discernimento sobre essas questões[...]”, diz Peres.
Esse desequilíbrio que leva à doenças psiquiátricas também causa outros tipos de dificuldades nos lares e podem agravar a patologia. Rosimeire acrescenta que a falta de reconhecimento pela família implica em desentendimentos sobre o que há com a criança ou o adolescente, levando os pais a pensarem que os filhos são preguiçosos ou “danados”, que por sua vez, pode levar à agressão corretiva: “A violência permeia vários aspectos. Começa com os xingamentos, às vezes os pais não tem paciência, xinga a criança, depois do xingamento começa um puxão de orelha, um beliscão, um tapinha na cabeça[...] Muitas vezes eles não percebem, né, acham que é uma correção”.