De 1964 a 1985, o Brasil estava sob regime militar e, por isso, havia forte repressão a qualquer movimentação política. Com isso em mente, em 1977, estudantes se organizaram para driblar os militares para que conseguissem realizar o III Encontro Nacional dos Estudantes (ENE), organizado pela UNE (União Nacional dos Estudantes), marcado para o dia 22 de setembro. O plano de fazer com as tropas acreditassem que o evento estaria acontecendo na USP foi bem sucedido por um tempo, mas assim que descobriram a manobra a infantaria tratou de ir ao local verdadeiro.
Ao encontrar os universitários reunidos diante do TUCA (Teatro da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), os militares começaram a dispersar as pessoas com extrema violência, aos que participavam do Ato restou passarem por uma “triagem”, para identificar seus antecedentes e serem ou não conduzidos ao Departamento de Ordem e Política e Social (DOPS). O ambiente passou de um ato de resistência para um centro de tortura e violência a céu aberto. Como relembra o então aluno e agora professor do curso de jornalismo na PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), Norval Baitello. “Entraram para quebrar mesmo”,afirmou em entrevista à AGEMT sobre as salas de aula e equipamentos destruídos pelos agentes.
A memória marcante do docente é compartilhada entre as demais pessoas presentes durante essa violação. Com o objetivo de evocar essas lembranças, a PUC-SP em parceria com o Prerrô (Grupo Prerrogativas) e o Washington Brazil Office realizou o “PUC pela democracia” nesta quinta-feira (22), há exatos 45 anos do desrespeito militar.
Uma apresentação do Coral do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terras) abriu o ato, mediado pelo jornalista Chico Pinheiro, enquanto a Bateria 22, do curso de direito, tocava em frente ao TUCA. Na presença de figuras importantes na luta pelo Estado Democrático de Direito, como ex-ministros, professores e estudantes da época da invasão, a PUC-SP declarou estar em “estado de vigilância permanente pela democracia”.
A maioria das pessoas que discursaram na cerimônia frisou a questão das prisões e perseguições do Regime Cívico Militar e, consequentemente, sofridas pelos militantes da instituição. O público prestou homenagem aos estudantes assassinados durante o período e demonstrou repulsa e resistência ao governo Bolsonaro e suas ações antidemocráticas.“As mesmas forças que tentaram invadir a PUC naquela época são as que ameaçam uma ditadura hoje. E nós não vamos aceitar isso”, declarou o jornalista José Arbex. No saguão do Tuca, estavam expostas fotografias da invasão de 1977, do fotojornalista Hélio Campos Mello.
Na ocasião, o jornalista Juca Kfouri afirmou estar emocionado, não só pelo ato ocorrido naquele mesmo lugar há 45 anos, mas também pelo apelo sentimental ao se lembrar da tia, Nadir Gouvêa Kfouri, então reitora da Pontifícia. Isso porque quando Erasmo Dias, o coronel responsável pelo batalhão invasor e, na época, Secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo, foi cumprimentar a professora, ela o deixou “com a mão no ar”, pois não daria sua mão a assassinos.
Outra notável personalidade da luta pelo fim da ditadura foi aclamada, a de Dom Paulo Evaristo Arns. “Quero dizer que, no dia da invasão, ela [Nadir Kfouri] foi a grande voz e esteve o tempo todo presente com dignidade excepcional. Deve ser modelo para todos nós”, afirmou a professora de direito Silvia Pimentel, também atuante durante o ocorrido em 1977. “A invasão foi, não apenas em função de movimentações nossas, mas relacionada à reitoria que a PUC tinha. Essa dupla [Dom Paulo e Nadir Kfouri] é o exemplo maior de toda uma vida”, completou.
Além de rememorar a invasão, outra temática do evento foi o cenário atual pelo qual a PUC-SP está passando. Há duas semanas, todo o corpo docente da universidade recebeu um salário com 10% a menos de seu valor integral. Unilateralmente, a Fundação São Paulo (FUNDASP), mantenedora da Pontifícia, computou 4,5 semanas mensais aos salários que eram calculados em cima de 5 semanas desde 1987 - tempo que o qualifica como Direito Adquirido dos professores.
A Associação dos Professores da PUC-SP classificou a medida de antidemocrática e contestou o corte. Em apoio, o Movimento Estudantil da PUC-SP realizou no dia 15 deste mês um ato em solidariedade à causa dos professores com a união não só dos Centros Acadêmicos e Entidades Estudantis, mas dos três setores da Universidade: estudantes, professores e funcionários. Na ação foi questionada a conduta da FUNDASP, além de defendida a saída dessa da gestão da PUC, junto à saída do Gestor Padre Rodolpho Perazzolo de seu posto.
Dentre os discursos do evento da manhã de 22 de setembro, uma carta redigida pelo Movimento Estudantil e lida por Camilo Mota, representante do Centro Acadêmico de Jornalismo Benevides Paixão, apresentou indignação diante de tais condutas antidemocráticas da FUNDASP. “A democracia não deve ser só dos portões pra fora”, afirma a carta.
Próximo ao final do evento, a organização foi informada de que viaturas da Polícia Militar estavam em frente ao TUCA. Os policiais teriam sido acionados por uma transeunte que afirmou que um dos quatro meninos negros que estavam vendendo balas na região estaria portando uma faca. Estes meninos foram abordados, e, durante a revista, a advogada Jaqueline Pereira se disse responsável pelos menores.
Quando questionada de sua profissão, ela se recusou a entregar ao agente sua carteira da OAB, um dos policiais responsáveis pelo enquadro retirou o documento bruscamente das mãos de Pereira, que, por sua vez, o acusou de ser racista. Durante toda a deliberação e discussão sobre o ocorrido, diversos professores presentes se inteiraram do assunto. Durante o conflito, os meninos ainda não tinham sido liberados e estavam em linha, com as mãos atrás das costas.
A polícia, não havendo encontrado a arma branca na posse de nenhum dos meninos, os liberou e, segundo fontes contaram à AGEMT, deu Voz de Prisão a Jaqueline Pereira, que, não querendo ir à delegacia de “camburão”, foi dentro de um carro de uma das testemunhas presentes durante a abordagem.