Política de drogas no Brasil ainda ignora desigualdades e contexto social

Modelo brasileiro segue baseado na punição, apesar de avanços pontuais
por
Larissa Pereira José
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09/06/2025 - 12h

A recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de descriminalizar o porte de maconha para uso pessoal representa um marco jurídico. Em junho de 2024, por maioria de votos, o STF fixou o limite de até 40 gramas ou seis plantas fêmeas para o porte individual. A medida retira a pena criminal e define sanções administrativas, como advertência e prestação de serviços.

"A decisão, embora significativa, está longe de reestruturar a política de drogas no Brasil. O país segue adotando uma abordagem repressiva, mesmo diante de experiências internacionais que priorizam saúde pública e direitos humanos", critica o professor Paulo Pereira, do curso de Relações Internacionais da PUC-SP, em entrevista à AGEMT. 

“O Brasil ainda está muito apegado a uma política de drogas conservadora, desconectada das pesquisas científicas e das práticas mais modernas no mundo”, afirmou o especialista. Ele observa que, em países como os Estados Unidos — origem do proibicionismo —, já há iniciativas estaduais de regulação da cannabis e até de uso terapêutico de psicodélicos. No Brasil, o modelo continua ancorado na criminalização e no controle social.

“O que temos é uma política construída ao longo do século XX, com forte marca repressiva, criminalizadora, racista e classista”, diz Pereira. Ele lembra que essa estrutura penal recai, com frequência, sobre jovens negros e moradores de periferias, ainda que boa parte dos casos envolva pequenas quantidades de droga. O impacto da atual legislação é mensurável. Dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública revelam que, em 2023, 30% da população carcerária estava presa por delitos relacionados à Lei de Drogas. O número reforça as críticas ao encarceramento em massa e à seletividade penal.

Ao mesmo tempo em que o STF avançou com a descriminalização parcial da maconha, o Congresso Nacional tramitou em sentido oposto. A PEC 45/2023, aprovada no Senado em abril de 2024, pretende criminalizar o porte de qualquer droga, independentemente da quantidade. Caso seja aprovada na Câmara, especialistas temem que a proposta torne inócua a decisão do STF e intensifique o encarceramento.

Para o professor, uma política eficaz exige diagnóstico social e territorial. “A melhor forma de elaborar políticas públicas sobre drogas é entender os contextos específicos do uso, os tipos de substância, e as limitações socioeconômicas de cada grupo. A repressão generalizada só perpetua desigualdades”, afirma.

A comparação com outros países reforça esse argumento. Portugal, por exemplo, adotou um modelo de descriminalização em 2001, com foco na redução de danos e reinserção social. Já Canadá e Uruguai legalizaram o uso recreativo da cannabis, criando mecanismos de controle e arrecadação. As estratégias variam, mas têm em comum o afastamento do modelo puramente penal. No Brasil, o tema ainda enfrenta barreiras culturais.

Segundo pesquisa realizada pelo PoderData, em junho de 2024, 50% dos brasileiros apoiam a descriminalização da maconha, enquanto 45% se declaram contra. A divisão reflete o caráter conservador de parte da sociedade e a força de discursos que associam drogas à violência e à marginalidade. Para Pereira, mudar esse cenário exige enfrentamento político e social. “É um desafio de longo prazo. Nossa sociedade foi moldada por uma visão punitiva, e romper com ela depende de informação, escuta e compromisso com os direitos humanos. A transformação não será rápida, mas é necessária”, acrescenta. 

Enquanto, o Judiciário avança e o Legislativo recua, a política de drogas no Brasil segue marcada por contradições. No centro do debate está uma pergunta urgente: o país continuará punindo o consumo ou buscará soluções baseadas em cuidado, educação e justiça social?