“Eu nasci no bairro mais perigoso de Belém do Pará, Guamá, aqui é um lugar em que as pessoas acham que a gente não sabe nada. Ninguém olha de verdade para o Norte. Eu tive um sonho e graças a Deus pude realizar. Meu sonho era fazer uma olimpíada, eu fiz uma olimpíada! Tive um sonho de fazer uma Copa do Mundo, eu fiz uma copa do mundo. Eu tinha como maior sonho ganhar um Vladimir Herzog, e depois de bater na trave duas vezes, realizei esse sonho” Tarso Sarraf, fotojornalista de 45 anos, ganhador da 43° edição do Vladimir Herzog, narra sua carreira em entrevista para a Agemt.
Sarraf ganhou o prêmio em 2021 na categoria fotografia, com seu trabalho cobrindo a covid nas extremidades da Amazônia, “Paradoxo amazônico: 66% dos piores municípios do Brasil estão na Amazônia”, matéria do jornal O liberal.
O profissional teve seu primeiro contato com a fotografia aos 14 anos. Ele conta que desde pequeno tinha um sentido aguçado para o gênero jornalístico, porém nunca correu atrás de trabalhar em um jornal de fato. Em 2006 junto com a paternidade veio seu primeiro convívio com o mundo corriqueiro da fotografia informativa no Diário do Pará. Lembra-se bem, que sua primeira cobertura foi fotografando um incêndio, novidade dupla para ele, já que também não tinha experiência com máquinas fotográficas da Canon, ponto que cita com certo humor, pois hoje usa com quase exclusividade câmeras da marca.
Em 2011 começou sua carreira no jornal O liberal, do grupo Globo. Sete anos depois, em 2018, Tarso cita que vivía um ano de muitas mudanças, saiu do liberal e viajou rumo a Rússia, para fotografar a copa do mundo. Após isso, Sarraf cita com orgulho e gratidão seu período de 1 ano fotografando para a agência internacional France Presse, oportunidade que lhe trouxe muitas experiências inesquecíveis. “Sendo sincero, nunca imaginei voltar para dentro de uma redação”, admite, quando conta sobre sua volta ao jornal O Liberal depois do tempo de colaboração com a agência internacional. Hoje em dia, Tarso continua no Liberal, agora sendo coordenador de audiovisual, cuidando das mídias físicas e digitais, além de coordenar fotógrafos, editores e estagiários. “Eu amo o que faço, não trabalho por dinheiro. Eu dou graças a Deus todos dos dias, pois vivo a profissão que amo. Eu gosto disso, gosto da adrenalina. Hoje tem site, rede social, hoje é tudo online, tem muito mais cobrança.
Prêmios
Tarso em suas redes, possui 14 prêmios, mas na entrevista, lembra-se que na verdade são 16. Dentro deles estão: Prêmio Abril 2011, prêmio Fiepa de melhor repórter fotográfico 2013 entre outros. “Sempre fui muito catita em prêmios, sempre entrei em prêmio. Não tenho medo do não. O não eu já tenho, só tenho que ir atrás do sim. Hoje já me centralizo no que eu quero.”
1- Lembra de qual foi seu primeiro prêmio?
Lembro bem, foi o prêmio da Veja. A Veja tinha um prêmio interno dela, troféu lindo, tenho ele até hoje na minha estante. Todo jornalista queria ter. Eu era fotografo da Veja, fiz um especial sobre menores que bebiam em festa, foi uma matéria muito grande. [..]Pra mim, foi magnífico.
2 - Qual foi o prêmio mais marcante para você?
Vladimir Herzog. Eu já ganhei vários prêmios, mas a repercussão que esse teve para mim, foi muito mais que todas[..] no site do prêmio, se for ver, está Sarraf, Daniel Nardin, Renato Tavares e Cleo Soares, mas quem são essas pessoas? Daniel porque é meu diretor, é coração do jornal. Renato diagramou a capa do jornal e Cleo é a repórter que escreveu a matéria. O prêmio é de fotografia? É, só que o conjunto da obra são várias pessoas. Todos os prêmios que me inscrevo boto o nome da equipe toda, ao nível de botar até o motorista.
Da Amazônia direto para Vladimir Herzog
“Quando eu tirei foto da Copa eu achei que aquilo era o auge da minha profissão. Quando eu fui para Rússia, foram 22 brasileiros e eu fui o único do Norte que foi credenciado. Mas aí eu te digo, o ápice da minha profissão mudou com a covid. Se pegar minha profissão em 2020 para baixo eu tenho mais publicações de 2020 para frente” Tarso, teve grande reconhecimento após suas produções durante a pandemia, mas, enfatiza que seu objetivo nunca foi ganhar prêmios. “A gente precisava dar informação pro mundo”
Tarso, em 2020 no ápice da pandemia, quando ainda não tinha perspectiva de vacinação, escolheu retratar a doença no arquipélago de Marajó, um dos piores IDH (índice de desenvolvimento humano) do Brasil, passou quase um mês no local, registrando histórias de vida e morte. Sarraf foi fotografar covid, um tempo depois dele mesmo ficar em estado grave por conta da doença. “No começo da covid eu estava em casa. Primeiro caso de caso em Belém foi 18 de março de 2020, desde aquele momento eu me isolei por causa dos meus pais. Acredito que peguei covid de ifood. Quase bati as botas, fiquei muito mal por sinal, mas graças a Deus melhorei”
O trabalho do fotógrafo, rendeu matéria para a realização de uma série nos principais jornais de Belém, todas as imagens foram de sua autoria. A série “A covid-19 no Marajó” foi dividida em três partes, cada uma focada em uma cidade: Breves, Melgaço e Portel.
1 - Como foi a decisão de fotografar covid em terras amazônicas?
Estava vendo material fotográfico dos meus amigos, do mundo todo, quando fiquei bem da covid, coloquei na minha cabeça que ia fotografar a pandemia. Fotografei um cemitério, depois os comércios fechados, outro dia fotografei dentro de um necrotério. No fim de semana, já fiquei agoniado com a mesmice. Comecei a pesquisar, as imagens no mundo todo eram de hospital ou cemitério, pessoas chorando, morrendo [..]. Já conhecia um pouco a região de Melgaço, fiz a primeira pauta para France-presse e o editor de fotografia do Brasil ficou: “que isso Tarso? Fotos de covid no meio da Amazônia?” Cara, eles piraram”
“Foram dois dias de tempestade para chegar em Melgaço.” Tarso narra as dificuldades para chegar no arquipélago. “Estava na Amazônia, o navio que sai de Belém seis horas da tarde, chega seis horas da manhã em breves, doze horas de viagem. Depois de breves pega uma lancha para Melgaço. [..]” Ele prossegue falando da situação da cidade ao chegar: “A gente está falando de comunidades, quando eu ia com a equipe de saúde, não entendia o que estava acontecendo, uma cidade que parece que não existe. A Galera não estava recebendo auxílio nem nada.”
2- Como sua família reagiu a esse projeto?
Minha mãe quase morre, falei que ia fotografar covid, já tinha comprado a passagem, mas não falei que ia viajar. Fui para breves na cara e na coragem. Cheguei no meio da cidade, não tinha carro, me lembro que quem me levou para a cidade foi o vigia do aeroporto, fui com ele de moto. O avião só levava carga, viajei em um avião de carga. Minha mãe me ligava todo dia, e só eu sei, que eu não dizia muita coisa para ela, preservei muito ela, poucas vezes eu colocava foto minha. A france-presse, me deu todo o aparato e roupa especial.
3 - Onde você dormia e descansava?
Minha mãe pensava que eu estava dormindo em hotel. Dormi em porto, em navio, no chão, em porta de hospital. Ao ponto que me emociono, porque as pessoas não têm ideia do que a gente passa, a foto é linda e maravilhosa, mas não sabe o trabalho por trás. Vi um amigo meu falando isso (Marcos Nunes), como a gente tem que se valorizar. As pessoas não têm ideia do que passamos, eu te falo, passei um couro muito grande.
Os desafios intrapessoais em fotografar uma pandemia
Tarso cita também, os desafios de seguir um trabalho tão delicado e em um momento de calamidade: “Naquele momento não sabia se covid pegava de novo. Falo isso como um depoimento, uma coisa que não falo para todo mundo, porque acho que é proposito de Deus. A gente tem um presidente que dizia que era uma gripezinha, eu vi, várias pessoas morrendo na minha frente.”
Sarraf foi questionado sobre a questão do medo me cobrir casos de covid tão de perto, supreendentemente, ele alega que teve que procurar terapia para sentir novamente medo da doença, após de certa forma “acostumar-se” com o ambiente médico: “Teve um momento que tive que fazer terapia, para entender que covid dava medo. Eu não estava mais com medo, de tão normal, de tanto que entrei em hospital, cemitério, enfim, tive que entender que precisava ter medo.”
1 -Como era sua abordagem para chegar até as pessoas que você fotografava? Pessoas estas que estavam passando por um momento tão desagradável?
Assim, todo mundo fragilizado. Não tinha muita família na época, porque não podia. Quando vinha família, falava meus pêsames, contava do meu trabalho, alguns falavam não, outros sim, mas sempre com autorização. Não entrei em nenhum hospital sem autorização.
Sarraf adiciona ainda, sobre como era a relação com os profissionais para tirar uma boa fotografia: “Cemitério por exemplo, tu tens que ser amigo do coveiro, ele que passa as informações para ti. Me apresento, pego o contato, e ele me dizia quando tem enterro. Eu chegava sempre antes, ficava no meu cantinho”
2 - Como você lidou com seus sentimentos durante seu trabalho?
Eu soube de uma notícia que um amigo meu de infância tinha morrido de covid, para mim foi um baque. Me lembro que tive mais ou menos doze enterros, imagina, só aquelas músicas tristes de igreja. Assim, desabei, lembrei da situação do meu amigo. Mas aí tu tens que se repor, se repor para o trabalho.
O fotografo adiciona a entrevista, um dos casos que marcou sua passagem á Melgaço: “Logo no começo da covid, fiz um enterro, nesse dia, era um domingo, até hoje não esqueço, cheguei no cemitério, fiquei esperando. Chegou uma kombi, logo comecei a fotografar, perguntei se era homem ou mulher, o moço responsável me disse que era uma criança de oito anos. Eu tenho um filho de anos, eu tenho dois filhos um de oito e de quatorze. Eu não fotografei nada, parei naquele momento. Travei.
As fotografias
Tarso tirou em toda sua caminhada, fotos que carregam beleza e ao mesmo tempo elementos que nos fazem refletir. A foto abaixo ganhou medalha de ouro no prêmio “fotografe de 2021, Sarraf comenta: “Essa foto foi o menino dos olhos da france-presse. Foi em um dos meus últimos dias de trabalho em Melgaço. Esse momento era lockdown, era por volta de umas cinco e meia, seis horas da tarde, sabe quando a luz está caindo? No Pará é assim, do nada cai, ou é cinza ou preto, mas existe um negócio bem no meio que traz esse azulado. Estava tão escuro que não dava nem foco. Essa luz dentro da cabine é meu celular, eu joguei ele com a lanterna para dentro, para colocar essa luz, foi desespero mesmo. Clareou comecei a fotografar, olhei para máquina e falei “caraca que foto linda”. Quando ergui o olho de novo, acabou o azul, não tinha. “
“Cara, eu nunca tinha visto uma foto minha publicar tanto, Eu acho que se tiver umas 1000 publicação é pouco. Te digo francamente, fui agraciada numa coisa que nunca imaginei na minha vida, que é tá no livro da france-presse anual, só os magnatas que tão lá, ano passado teve três fotos minhas lá, essa inclusive." Uma das fotos que está incluída no livro é da primeira quilombola a ser vacinada: "Tive uma grande sorte na minha vida, de fotografar a primeira quilombola do brasil sendo vacinada".
Foto ganhadora do prêmio
“Essa foto foi capa do jornal, mas, originalmente a capa não era essa. Era a foto de uma criança metade de rosto para fora e metade o rosto dentro da água. Mais tarde depois da reunião de fechamento, era uma sexta-feira, o diretor (Daniel Nardin) me liga e fala que queria mudar a capa do jornal. A foto originalmente não era preta e branca.” Traso cita que se a foto fosse colorida, talvez não tivesse ganhado o prêmio. “Ele (diretor) quando viu, falou que a capa ia ganhar o prêmio. E no final, ganhamos o prêmio do Vladmir Herzog.
Novos projetos
“Uma das coisas mais surreais que eu já fiz, foi que de certa forma eu fiz dois partos, um da criança quando nasceu e no outro dois anos depois. Ela tinha 17 anos na época, estava com covid, era de menor, e precisava da autorização, eu esqueci da autorização, fui ao hospital novamente e encontrei ela e a avó, e dei a foto de presente.” Tarso cita foto que faz parte do projeto em que ele voltou para Marajó, para registrar as mesmas pessoas dois anos depois. A volta dele foi dia seis de maio de 2022, rendeu registros emocionantes.
Ele, fazendo jus à fama de catita em prêmios, colocou mais fotos para competir no prêmio Vladimir Herzog de 2022. Sarraf finaliza a entrevista com um recado para futuros jornalistas: "Acreditar em sonho é essencial, tem que persistir e correr atrás. Pior coisa que tem é quando você é funcionário de uma empresa de comunicação e espera ser pautado, hoje é você que tem que ir pautado para empresa. Sempre gostei de fazer pauta importante e faço até hoje."