A criação do Estado de Israel em novembro de 1947, após resolução da Organização das Nações Unidas, iniciou uma tensão na região. O último capítulo dessa história foi a escalada entre Israel e o grupo islâmico Hamas, retomada no dia 07 de outubro, e que já resultou em mais de 8 mil mortos entre palestinos e israelenses. Para entender a ofensiva dos últimos dias, a AGEMT preparou uma série especial de quatro reportagens sobre o conflito Palestina e Israel. Nesta segunda reportagem, você vai acompanhar o processo de expansão territorial israelense, a movimentação para a organização política de uma resistência palestina e as tentativas de acordos de paz na região.
Com o fim do primeiro conflito árabe-israelense, com o acordo de armistício entre Egito e Israel, em fevereiro de 1949, e depois em julho com o acordo entre Israel e os países árabes vizinhos, o controle da região conhecida como Faixa de Gaza ficou com sob ocupação dos egípcios e a Cisjordânia sob ocupação de forças militares da Jordânia.
O pesquisador Arturo Hartmann, doutor em Relações Internacionais pelo Programa de Pós-Graduação San Tiago Dantas (UNESP, Unicamp e PUC-SP) e membro do Centro Internacional de Estudos Árabes e Islâmicos da Universidade Federal de Sergipe, ressalta que esse controle feito por egípcios e jordanianos tinham finalidades distintas. “Havia uma diferença da perspectiva desses dois governos. A Jordânia ela quis anexar, ela pensava em controlar politicamente, administrativamente a Cisjordânia. Uma espécie de incorporação. [...] No Egito era diferente, o Egito nunca quis anexar Gaza, ou principalmente, não era esse o objetivo”, avalia o pesquisador.
Crise de Suez
O Canal de Suez tem 163 quilômetros que faz ligação entre o Mar Mediterrâneo e o Mar Vermelho foi construído entre 1859 e 1869, e tem importância estratégica por permitir que embarcações façam o trajeto entre Europa e Ásia sem contornar a África. Por conta da dívida externa, os egípcios venderam o Canal de Suez para a Grã-Bretanha, que instalou tropas britânicas na região em 1882.
Em julho de 1956, o presidente do Egito, Gamal Abdel Nasser, declarou lei marcial e decidiu nacionalizar a Companhia do Canal de Suez. A medida foi uma reação após Estados Unidos e Grã-Bretanha não financiarem a construção da Barragem de Aswan. O presidente egípcio acreditava que o pedágio recolhido iria financiar a construção em cinco anos. O temor do Reino Unido e da França era a interrupção do fornecimento de petróleo na Europa.
Com o apoio franco-britânico, o Estado de Israel declarou guerra ao Egito e, no dia 29 de outubro, promoveu uma violenta invasão na Península do Sinai. No mesmo período, França e Grã-Bretanha realizaram a tomada do Port-Said, na entrada do Canal de Suez. Apesar de ter conquistado o controle de Sinai, a crise terminou com a retirada de tropas israelenses, britânicas e francesas, depois de a União Soviética ameaçar França e Grã-Bretanha de um ataque nuclear.
O êxito da ação de Nasser estabeleceu a ideia do nacionalismo árabe - ou “arabismo” - na política árabe. O movimento tinha como ideal a união de países de maioria árabe-muçulmana, para fortalecer a cultura e a causa islâmica ante o Ocidente. O posicionamento de Israel confirmou a visão dos países vizinhos que identificavam o país como uma criação colonial. Dois anos mais tarde da Crise Suez, a queda da monarquia iraquiana - apoiada pelos britânicos - mostrou a força do nacionalismo árabe.
Organização política para resistência
Em 28 de maio de 1964, mais de 300 membros representantes dos países da região - integrantes da Liga Árabe - realizaram o 1º Conselho Nacional Palestino, tido como uma espécie de parlamento palestino no exílio. Das deliberações deste Conselho surgiu a Organização para a Libertação Palestina (OLP). Nos crachás dos delegados que fundaram a OLP estava a palavra “Sanaud”, que significa “voltaremos” em árabe.
A ideia da Organização para a Libertação Palestina era unificar diversas camadas da sociedade palestina. Na sua estrutura estão representados além da sociedade civil (estudantes, mulheres e trabalhadores) todos os partidos políticos palestinos, dentre eles: Al Fatah (Movimento de Libertação Nacional da Palestina); Frente Popular para a Libertação da Palestina; Frente Democrática para a Libertação da Palestina; Frente de Libertação da Palestina; União Democrática Palestina; Partido Popular Palestino - ex-Partido Comunista Palestino; As-As’Iqa; Frente de Libertação Árabe; Frente de Libertação Popular da Palestina e Frente Árabe Palestina.
O primeiro a comandar a OLP foi o advogado libanês Ahmad Shuqueire. Considerado moderado e hábil politicamente, tinha confiança dos países árabes e havia sido secretário-geral da Liga das Nações Árabes entre 1950 e 1956. Shuqueire permaneceu à frente da OLP até dezembro de 1967, após a derrota dos países árabes na chamada Guerra dos Seis Dias.
“O Nasser (presidente do Egito) se utilizava da resistência Palestina para proveitos próprios. Ele tentava, nessa negociação tensa que ele tinha, transformar em uma frente contra Israel mas que ele podia tanto incentivar, quanto segurar, quando fosse da vontade dele. Outra coisa que simbolicamente era muito importante o Nasser estar ligado à OLP, (era) como se fosse um braço da causa árabe do pan-arabismo dele. Só que em 1968, e tem a ver com a guerra dos seis dias, os palestinos tomam a OLP. A OLP deixa de ser mais controlada pelo Nasser”, analisa Hartmann.
Fundado em 1959, o Al Fatah - acrônimo para Harakat al-Tahrir al-Watani al-Filastini ou Movimento de Libertação Nacional da Palestina - é o principal partido palestino e surgiu com a linha política de resistência armada, da negação da existência de um Estado sionista de Israel e defesa da volta da Palestina histórica, com um só território e sem divisões. O Fatah tem atuação determinante nas ações políticas da OLP a partir de 1968, quando Yasser Arafat, um dos fundadores do Fatah, assumiu o comando após a saída de Shuqueire. Além de Arafat, Mahmoud Abbas, atual presidente da Autoridade Nacional Palestina (ANP), também esteve na fundação do Fatah, e sucedeu Arafat à frente da OLP, em outubro de 2004.
Guerra dos Seis Dias
Em maio de 1967, tropas militares da Síria e da Jordânia passaram a movimentar tropas regulares na fronteira com Israel, ao sul. Com a pressão dos aliados, Abdel Nasser mobilizou tropas egípcias na fronteira ao norte de Israel, na Península do Sinai. O presidente egípcio ordenou, também, a saída de tropas da Organização das Nações Unidas, que estavam lá desde a Crise de Suez, em 1956. Já próximo do final do mês, Nasser instituiu um bloqueio a Israel no Estreito de Tiran, que dava acesso ao golfo de Aqaba, fechando uma importante rota de acesso ao mercado asiático e afetando o recebimento de petróleo do então principal fornecedor israelense, o Irã.
Após as movimentações militares, no dia 05 de junho, por ordens do primeiro-ministro Levi Eshkol, Israel deu início a Mitzvá Moked - Operação Foco - com a destruição de 300 dos 340 aviões de combate do governo egípcio em cerca de menos de duas horas. A ofensiva isralense seguiu com a ocupação das cidades de Rafah, na Faixa de Gaza, El Arish, no Egito, e da Península do Sinai.
As forças militares israelenses também entraram nas cidades de Gaza, Qalqilya e Ramallah, além de cercar a cidade de Jerusalém, no segundo dia de guerra. No dia 07 de junho, Israel tomou o controle de Jerusalém Oriental, que estava sob poder da Jordânia, e chegou ao Estreito de Tiran. Ao longo do conflito as tropas israelense também avançaram sobre os territórios de da Judeia, Jericó, Nablus, Hebrom e as Colinas de Golã, que estavam sob controle da Síria. A derrota árabe foi um duro golpe no movimento nacionalista árabe Abdel Nasser.
A ONU propôs um cessar-fogo imediato ainda no dia 07 de junho, mas só foi concretizado no dia 10, com a assinatura de Jordânia, Egito e Síria. O resultado da Guerra dos Seis Dias foi uma expansão territorial israelense, que triplicou o tamanho com relação ao território estipulado pela ONU no acordo de partilha. A Guerra deixou cerca de 11 mil mortos do lado do Egito, pelo menos seis mil jordanianos e mil sírios. Do lado de Israel, ao menos 700 pessoas morreram e outros seis mil foram feitos prisioneiros. Outros 300 mil palestinos foram forçados a deixar suas casas.
Para Isabela Agostinelli, doutora em Relações Internacionais pelo Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas na área de concentração da Paz, Defesa e Segurança Internacional, e integrante do Grupo de Estudos sobre Conflitos Internacionais da PUC-SP, a postura dos agentes internacionais no pós-guerra dos Seis Dias, com relação a Israel, é importante para entender a expansão da ocupação israelense. “Temos duas posturas, a diplomática e a material. A postura diplomática dos países, principalmente daqueles que concordam com a divisão da ONU, de 1947, de divisão do território entre Israel e Palestina, a Palestina sendo composta pela Cisjordânia e a Faixa de Gaza. [...] Mas em termos materiais, o que a gente vê é a expansão dos territórios israelenses, na Cisjordânia principalmente, e quanto a isso a comunidade internacional está calada.”, explica Agostinelli.
“É tudo quase como se fosse um pequeno teatro. Apenas declarações de apoio a essa resolução da ONU, mas ao mesmo tempo não se fala quase nada sobre a expansão dos assentamentos israelenses na Cisjordânia” - Isabela Agostinelli, doutora em Relações Internacionais com estudos na área de concentração da Paz, Defesa e Segurança Internacional
Dois dias depois do cessar-fogo, o então primeiro-ministro, Levi Eshkol, ao falar sobre a vitória israelense no Knesset - parlamento de Israel - disse que “a existência do Estado de Israel estava por um fio”, e reforçou a tese israelense de que um segundo holocausto havia sido evitado. No entanto, em um simpósio, em Tel Aviv, no clube Zavta, em março de 1972, o general Mattityahu Peled, chefe do comando logístico da Guerra dos Seis e membro do Estado-Maior de Israel, afirmou que esse argumento “não era nada mais que um blefe que nasceu durante a guerra e depois cresceu”.
O general Peled ainda publicou um artigo, em 24 de março, no jornal israelense Maariv, onde defendeu sua fala e disse que desde 1949, ninguém havia de fato “ameaçado a existência do Estado de Israel”. Também em entrevista ao Maariv, o general Haim Bar-Lev, que era vice-chefe do Estado Maior em 1967, declarou que Israel não havia sido “ameaçado de genocídio na véspera da guerra” e de que não tinham pensado em tal possibilidade. Um artigo intitulado “O Mito da Aniquilação e a Guerra dos Seis Dias”, publicado pelo pesquisador Joseph L. Ryan, em 1973, disponível nos arquivos da Universidade de Cambridge, mostra outras versões de membros do governo israelense na época, e que colocam em contradição o argumento apresentado por Eshkol.
“O desenho das fronteiras foi estabelecido em 1949, o que acontece em 1967 é o apagamento dessas fronteiras. [...] Quando Israel conquista esses territórios, é uma ocupação militar, mas sem os colonos. Os colonos vão sendo colocados aos poucos, é o tal dos assentamentos. Isso acontece até hoje. [...] É esse processo”, explica o pesquisador Arturo Hartmann sobre o resultado da Guerra dos Seis Dias.
Ecos da guerra
A derrota árabe na Guerra dos Seis Dias intensificou o descontentamento palestino na região e levou a criação de organizações fedayin - termo utilizado para definir militantes e guerrilheiros. Esses grupos intensificaram suas ações a partir de 1968, depois da derrota. Entre esses grupos, o principal é o Fatah, liderado pelo jovem Yasser Arafat, prometendo uma “libertação de toda a Palestina” utilizando-se da luta armada. Com ações bem sucedidas, a resistência sofreu pela dificuldade em estabelecer uma estratégia política e militar para confrontar as forças militares não apenas israelenses, mas também jordanianas, e até sírias.
“O dilema dos movimentos de resistência, é como se utilizar de um direito de resistência, pelos meios possíveis, e está implícito a resistência armada, mas ao mesmo tempo muito vaga. [...] Quais são esses meios possíveis? Quando você tem também uma lei humanitária que você não pode matar civis, você tem uma regra da guerra e em uma situação colonial você tem o direito à resistência, em uma situação de ocupação ilegal. No caso dos palestinos, eles têm um momento na década de 70 que sim eles têm uma luta armada.” - Arturo Hartmann, doutor em Relações Internacionais pelo Programa de Pós-Graduação San Tiago Dantas (UNESP, Unicamp e PUC-SP)
Mesmo com a dificuldade, em novembro de 1971, a Organização Setembro Negro, que teve como principal líder Ali Hassan Salameh, assassinou Wasfi al-Tal, então primeiro-ministro da Jordânia. No ano seguinte, em 1972, o mesmo grupo realizou uma ação que ficou conhecida como “Massacre de Munique”. Durante as olimpíadas de Munique, na Alemanha, a organização invadiu a Vila Olímpica e pretendia sequestrar membros da delegação israelense para negociar a soltura de mais de 200 presos palestinos. A ação vitimou 11 membros da delegação israelense, sendo seis treinadores e cinco atletas. Além deles, cinco integrantes do Setembro Negro e um policial da Alemanha Ocidental também morreram.
Camp David e o Sinai
Apesar das tensões crescentes na década de 70, o cenário político no Oriente Médio contou com uma surpresa. Em 1977, dez anos após a Guerra dos Seis Dias, o então presidente do Egito, Anwar Sadat, visitou a cidade de Jerusalém. A visita foi considerada um marco para a história do Oriente Médio, e contou com discurso de Sadat no Knesset, o parlamento israelense.
Por conta da atitude, Sadat passou a ser alvo de críticas por parte dos demais países árabes, até então aliados contra o Estado de Israel. No entanto, a visita abriu caminho para um encontro entre Anwar Sadat e Menachem Begin, então primeiro-ministro de Israel, em setembro de 1978. O encontro aconteceu em Camp David, base militar e casa de campo, no estado de Maryland, nos Estados Unidos, foi mediado pelo então presidente dos Estados Unidos, Jimmy Carter, e ficou marcado por ter sido o primeiro entre um líder de um Estado árabe e de Israel.
Anwar Sadat e Menechem Begin dividiram o Prêmio Nobel da Paz de 1978 pelos esforços nas negociações.
Antes do encontro foi definido que as duas partes apresentariam uma proposta para a formulação de um acordo de paz. As tratativas tiveram como base a Resolução 242 da Organização das Nações Unidas (ONU), que em novembro de 1967, havia considerado inadmissível a aquisição de território por meio de guerra - como havia feito Israel ao final da Guerra dos Seis Dias. A resolução afirmava, também, a necessidade de se trabalhar pela paz “justa e duradoura na qual cada Estado na região possa viver em segurança”.
De um lado, Sadat colocou nas negociações as demandas do Egito e de países árabes, como indenizações pelo uso das terras ocupadas, o retorno dos refugiados para a Cisjordânia, a retirada dos militares israelenses de acordo com as fronteiras anteriores ao conflito de 1967 - incluindo a devolução do Sinai, e que Israel permitisse a Palestina formar sua própria nação e ter controle sobre Jerusalém Oriental. Já Begin defendia a manutenção dos territórios ocupados sob a alegação de que a devolução representava um risco à segurança interna.
Os acordos foram finalizados apenas em março de 1979, em Washington. O primeiro firmou a paz entre Israel e Egito e a recuperação do Sinai - o que aconteceu em 1982. O segundo estabeleceu bases para a negociação do estabelecimento de um Estado autônomo nos territórios da Cisjordânia e da Faixa da Gaza. O primeiro, vingou e tornou diplomática a relação entre Egito e Israel, e até Egito e os Estados Unidos. No entanto, o segundo, que tratava sobre os palestinos, não foi aplicado.
Para o Egito, o acordo rendeu uma suspensão da Liga Árabe, que trocou sua sede do Cairo para Tunis. Yasser Arafat, presidente da OLP, chegou a afirmar que mesmo com a assinatura, a paz não iria durar. Em 1981, em um ataque reivindicado pelo grupo Jihad Islâmica, o presidente Anwar Sadat foi morto a tiros durante o desfile de celebração da travessia do Canal de Suez durante a Guerra de 1973.
Intifada das pedras
Apesar de ser traduzida como “revolta”, o termo mais próximo do árabe para intifada é se livrar de algo ou alguém através de um movimento de agitação. Em dezembro de 1987 teve início o primeiro levante árabe. Completados 20 anos da ocupação israelense, mais de 2000 colonos armados ocuparam parte do território de Gaza, deixando o restante do território ocupado pelos palestinos densamente povoado.
No dia 08 de dezembro, um caminhão israelense bateu em um outro caminhão que transportava trabalhadores palestinos do campo de refugiados de Jabalya. Quatro pessoas morreram e dez ficaram feridas. A interpretação palestina é de que o acidente na verdade seria uma resposta a morte de um judeu em Gaza.
A Primeira Intifada também é conhecida como “guerra das pedras” já que no dia seguinte os palestinos foram às ruas em protesto, queimando pneus e atirando pedras e coquetel molotov contra forças policiais israelenses. Em Jabalya, uma patrulha do exército de Israel matou um jovem de 17 anos e feriu outro de 16. O movimento foi se disseminando entre a sociedade palestina, além dos jovens, comerciantes e mulheres se uniram à resistência, adotando táticas de boicote.
Em julho de 1988, a Jordânia renunciou ao controle da Cisjordânia, corroborando com a pressão palestina no território. No mesmo ano, quatro meses mais tarde, a OLP aprovou a proclamação de um Estado palestino independente. Com quase um ano, a Primeira Intifada já tinha mais de 11 mil feridos e cerca de 300 palestinos mortos. Durante todo o processo, as forças israelenses se utilizavam de prisões em massa, espancamentos e torturas para reprimir a organização palestina. Foi no contexto da Primeira Intifada que surgiu o grupo radical Hamas.
“A agenda da Primeira Intifada, de alguma forma, dá um sinal de que não vai se aceitar a ocupação israelense. [...] Mas, em um certo sentido, era quase um reconhecimento de Israel. Porque a revolta ela foi forte, tinha uma coordenação, mas ela dá o sinal de que ela aceitaria a solução de dois estados, quando a OLP, na figura do Arafat, reconhece o Estado de Israel", diz Hartmann.
Ainda em 1988, Yasser Arafat surpreendeu ao condenar o terrorismo e reconhecer o direito de existir do Estado de Israel, o que abriu caminho para negociações de paz. O líder do Partido Trabalhista israelense, Yitzhak Rabin - ex-general do exército israelense e considerado um herói nacional pela Guerra dos Seis Dias - assumiu o governo de Israel em 1992, com o compromisso de iniciar processos de paz. Uma das ações foi o congelamento da criação de assentamentos em territórios ocupados.
De acordo com dados da ONG israelense B'Tselem, ao longo de toda a Primeira Intifada, morreram cerca de 1.200 palestinos e 179 israelenses.
Ao vivo para o mundo
Na Conferência de Madri, em 1991, um vislumbre de um processo de paz foi iniciado. No ano seguinte, em Oslo, na Noruega, os termos para esse acordo foram elaborados. Com os acenos de Yasser Arafat e Yitzhak Rabin, mais uma vez os Estados Unidos, agora com Bill Clinton como presidente, mediaram um novo acordo, este, diretamente entre palestinos e israelenses.
Em 13 de setembro de 1993, ao vivo pela televisão, o mundo assistiu a um aperto de mão entre Arafat e Rabin, no jardim da Casa Branca, residência oficial do presidente dos Estados Unidos. Após três décadas de conflito, o representante da OLP e o primeiro-ministro israelense se mostraram dispostos a negociar um acordo de paz. “Nós que lutamos contra vocês, palestinos, lhe dizemos hoje com voz clara e forte: basta de sangue e de lágrimas. Basta.”, disse o primeiro-ministro Rabin.
No chamado “Oslo I”, Israel reconheceu a Organização pela Libertação da Palestina (OLP) como representante do povo palestino, com sede administrativa na cidade de Ramallah, na Cisjordânia. Do outro lado, a OLP passou a reconhecer o direito da existência do Estado de Israel. O acordo também condenou a violência como método de negociação para a paz entre os dois Estados. Como parte das negociações, foi criada a Autoridade Nacional Palestina (ANP), que de forma interina seria o governo palestino em parte da Cisjordânia e na Faixa de Gaza. O primeiro presidente da ANP foi justamente Yasser Arafat.
O acordo previa ações escalonadas até a criação de um estado palestino independente no prazo de até cinco anos. Nas negociações estavam, também, a saída de Israel do sul do Líbano e o status de Jerusalém. A cidade, sagrada para árabes e judeus, seria dividida - como estabeleceu a ONU em 1947 - com a parte Oriental como capital palestina e a Ocidental, de Israel. Em 1993, quando o acordo foi assinado, cerca de 110 mil colonos judeus viviam na Cisjordânia e em Jerusalém oriental. Segundo a ONU, em 2023, já passam de 700 mil o número de colonos nos assentamentos em território palestino.
Para o professor Arturo Hartmann, os acordos impuseram aos movimentos palestinos um dilema do que fazer. “Os acordos de Oslo, com a criação da Autoridade, colocam um dilema para a resistência e para os grupos da Palestina em geral. É o caminho da diplomacia e de uma negociação com o teu colonizador, o teu ocupante, Israel. Isso de alguma forma perpassa esse século todo”, analisa.
Como consequência do acordo, a ANP começou a ser responsável por serviços básicos como saúde, educação e segurança nos territórios de Gaza e de parte da Cisjordânia. Ainda sim, 60% da Cisjordânia ainda permaneceu sob total controle israelense.
As tratativas pela paz renderam o Prêmio Nobel da Paz de 1994 para o presidente da ANP, Yasser Arafat, ao primeiro-ministro de Israel, Yitzhak Rabin, e ao chanceler israelense Shimon Peres.
Tensão e fracasso
Na análise de Isabela Agostinelli, os acordos não produziram o resultado esperado. “Foi a primeira vez que israelenses e palestinos sentaram na mesa de negociação para tentar dar alguma solução para a questão palestina. Desde o começo os acordos de Oslo foram um fracasso, porque não resultaram em qualquer momento em paz, tão pouco em autonomia palestina, quem dirá a criação de um Estado palestino, que é a reivindicação desde o começo da questão”, avalia.
Em Israel, a oposição nacionalista era contrária aos acordos. Nome forte da oposição era Benjamin Netanyahu, líder do Likud. Os nacionalistas classificavam Rabin como traidor da pátria pelos acordos assinados. O mesmo Rabin, em 1984, foi ministro da Defesa de Israel em um governo de coalizão com o Likud. Na Primeira Intifada, foi questionado por órgão internacionais pela chamada “política quebra ossos”. Pelas ordens, às tropas de ocupação israelense poderiam quebrar os ossos das mãos de palestinos condenados por atirarem pedras contra soldados israelenses.
Em setembro de 1995, um novo acordo - “Oslo II” - foi assinado, este tratava especificamente do futuro dos territórios da Faixa de Gaza e da Cisjordânia. No mesmo ano, em 04 de novembro, o primeiro-ministro Rabin discursou pela paz para 100 mil pessoas. “O caminho pela paz é preferível ao caminho da guerra”, disse o premiê israelense. No dia seguinte, enquanto se dirigia para o carro oficial, Yitzhak Rabin foi morto a tiros pelo estudante israelense Igal Amir, militante da extrema-direita. O assassino foi preso no local do crime e posteriormente condenado à prisão perpétua. Foi Yasser Arafat, presidente da ANP, o primeiro a manifestar suas condolências pela morte do líder isralense.
Após a morte de Rabin, Shimon Peres assumiu como primeiro-ministro de forma interina e reafirmando as intenções de negociações para a paz. Em 1996, Benjamin Netanyahu foi eleito com o mesmo discurso, no entanto, congelou as tratativas em 1997, ao aprovar a instalação de novos assentamentos israelenses no território de Jerusalém Oriental.
“Muitos acham que talvez de religião, de disputa entre muçulmanos e judeus, e não é nada disso. Na verdade, é uma questão relacionada à terra. E uma questão relacionada à terra por meio da colonização. Então, o enquadramento da questão precisa ser entendido [...] A questão Palestina, ela é desde o início e, estruturalmente, uma questão colonial”, analisa Agostinelli ao explicar o enquadramento dado ao conflito por parte do mundo.
Na próxima reportagem vamos falar sobre o papel do Hamas, do surgimento até o ataque no início de outubro, e também do grupo Hezbollah, responsável pela resistência no território do sul do Líbano. Além dos dois grupos, vamos entender como a Segunda Intifada, nos anos 2000, mostra a complexidade das negociações para paz no conflito atual.