Os riscos ocultos da exposição de crianças às telas

Uso precoce e exagerado de dispositivos digitais afeta cognição, saúde mental e desenvolvimento socioemocional da geração alpha
por
manuela schenk scussiato
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14/11/2025 - 12h

Por Manuela Schenk

 

Aos 13 anos, Pedro caminhava pela escola com os ombros arqueados, como quem tentava carregar um mundo silencioso sobre as costas. Ninguém dizia, mas todos percebiam que algo nele parecia sempre à beira de um colapso. Seus olhos escuros, antes inquietos e curiosos, haviam se tornado janelas ansiosas, sempre alertas, como se esperassem uma tempestade prestes a acontecer. A família descrevia Pedro como um menino inteligente, carinhoso e imaginativo. Desde muito pequeno, ele adorava desenhar e inventar histórias. Mas, nos últimos anos, o caderno de desenho acumulava poeira, e o lápis, antes companheiro inseparável, havia sido substituído pela tela brilhante de um celular que ficava sempre ao alcance de sua mão.

A porta de entrada para esse novo mundo foi inocente: pequenos vídeos engraçados enviados por primos, jogos simples recomendados por colegas e a curiosidade própria da idade. O que começou como diversão logo se tornou hábito. E o hábito, em pouco tempo, virou dependência. Aos dez anos, Pedro já mantinha perfis em diferentes plataformas, algumas usadas em segredo, longe dos olhos atentos dos pais. Ali, aprendeu a buscar curtidas como quem busca ar para respirar, a seguir tendências para não se sentir excluído e a acompanhar influenciadores que ditavam padrões impossíveis para um garoto de sua idade.

Com o passar dos meses, o menino começou a perceber que seu humor oscilava na mesma velocidade das notificações do celular. Dias em que um vídeo seu tinha mais visualizações eram dias em que ele andava com o peito estufado. Quando o engajamento caía, o silêncio das redes ecoava dentro dele como uma acusação. A escola foi a primeira a sentir o impacto. Pedro, que participava com entusiasmo das aulas e conversava com todos, agora evitava interações. Durante o recreio, preferia um canto isolado onde pudesse deslizar o dedo pela tela. Seus amigos reclamavam da ausência; ele respondia com um sorriso constrangido, incapaz de explicar.

Aos poucos, a ansiedade foi se instalando de forma definitiva. À noite, Pedro demorava a dormir, revendo mentalmente os comentários que recebera, se perguntando se havia dito algo errado, imaginando cenários que nunca aconteceriam. As mãos suavam sempre que uma notificação surgia. O coração acelerava sem motivo aparente. A mãe, Ana Paula, também mudou sua rotina ao perceber o comportamento do filho. Começou a sentar-se ao lado dele durante as refeições, tentando puxar conversa, mas Pedro respondia de forma automática, com o olhar preso ao mundo que cabia em uma tela de cinco polegadas. Ela apontou que ele sempre parecia distante, com tristeza, como se estivesse em outro planeta, até em conversas informais com a psicopedagoga da escola.

A estopim aconteceu numa tarde de domingo, quando Pedro, ao publicar uma foto, recebeu comentários maldosos de colegas que zombavam de sua aparência. Ele entrou em pânico, chorou por horas, trancado no quarto, e recusou-se a sair de casa nos dias seguintes. Foi nesse momento que a família percebeu que precisava intervir. Com apoio escolar e orientação profissional, Pedro começou a reduzir gradualmente o tempo de exposição às redes. O processo foi lento e cheio de recaídas. Ele reaprendeu a olhar o mundo ao redor, a conversar olhando nos olhos, a caminhar pelos corredores sem sentir que estava sendo avaliado. Mas o caminho para recuperar a leveza da infância ainda era longo.

A história de Pedro ilustra um fenômeno crescente: a presença precoce e intensa de crianças e pré-adolescentes nas redes sociais. Pesquisadores e educadores têm observado que, nessa faixa etária, o cérebro ainda está em desenvolvimento e particularmente vulnerável aos estímulos constantes de notificações, comparações e validação digital.

Um dos principais efeitos negativos é a ansiedade, desencadeada pela pressão de estar sempre disponível, sempre atual, sempre perfeito. A lógica das curtidas e dos seguidores pode distorcer a autoestima de quem ainda está construindo sua identidade, fazendo com que o valor pessoal pareça depender da aprovação alheia. Outro ponto preocupante é a alteração no ciclo de sono, já que muitos jovens passam horas conectados à noite. A luz azul das telas interfere no ritmo natural do corpo, e o hábito de checar mensagens antes de dormir intensifica a sensação de alerta, prejudicando não apenas o descanso, mas também o rendimento escolar e a capacidade de concentração.

A comparação constante também pode impactar a percepção de realidade. Crianças e pré-adolescentes tendem a acreditar que a vida perfeita apresentada nas redes é verdadeira, o que as leva a sentir-se inadequadas, inferiores ou excluídas. Esse tipo de comparação precoce pode estimular inseguranças duradouras.

Além disso, a hiper-exposição abre espaço para riscos como cyberbullying, conteúdos inadequados e contato com desconhecidos. Especialistas insistem na importância do acompanhamento ativo dos responsáveis, conversas abertas e limites bem definidos. Mais do que restringir, o objetivo é ensinar sobre equilíbrio, sobre autocuidado e sobre a compreensão de que o mundo real é o lugar onde os laços, as memórias e as identidades se formam de verdade.