“Nós estamos do jeito errado na terra”

Evento no Tucarena traz como pauta a nova era geológica, o Antropoceno, e futuras projeções sobre o meio ambiente
por
Beatriz Brascioli
Maria Fernanda Muller
Rayssa Paulino
|
25/03/2024 - 12h

No dia 13 de março aconteceu no Tucarena o evento “Pública 13 anos: O jornalismo na linha de frente da democracia”, em comemoração aos treze anos da Agência Pública, essa que desde 2011 é a primeira agência de jornalismo sem fins lucrativos no Brasil. O encontro reuniu jornalistas, intelectuais e estudantes para debater assuntos como desinformação e populismo digital, cobertura de governos de uma forma equilibrada e por fim o colapso climático e o Antropoceno. 

Ao longo do dia, a palestra contou com três mesas, com tópicos de grande relevância, e a última do dia tinha como tema “Colapso Climático e o Antropoceno”, com nomes importantes para o assunto, como o indígena Ailton Krenak, o climatologista, Carlos Nobre, e a repórter ambientalista do valor econômico, Daniela Chiaretti. O debate teve como mediadora Giovana Girardi, jornalista e chefe de na cobertura socioambiental da Agência.

O debate teve reflexões sobre a emergência e o esgotamento global. No decorrer da palestra, houve reflexões sobre a ascensão de governos extremistas e autoritários e como eles crescem por meio das eleições, de uma forma democrática, desafiando diariamente a luta pelas causas ambiental. Além da questão não ser uma pauta política e nem que elege candidatos.  

Para Krenak, a UNESCO e ONU são órgãos incoerentes quando se trata de meio ambiente e que “são superestruturas autoritárias que suportam a marcha do capitalismo no planeta comendo o corpo da terra”, afirma o ativista. Ainda compartilhou, indignado, quando estava em um comitê com a UNESCO para delimitar reservas de biosfera, e no dia seguinte o mesmo órgão estava patrocinando uma reunião em Paris sobre como iriam explorar outras reservas para a mineração.  

Quem é Ailton Krenak?

Ailton Alves Lacerda Krenak é um ambientalista, filósofo, poeta e escritor brasileiro. Original de Minas Gerais, Ailton nasceu em 29 de setembro de 1953 no município de Itabirinha, região do Médio Rio Doce, onde morou até o final de sua adolescência. Mudou-se para o Paraná com sua família, onde foi alfabetizado e posteriormente se tornou jornalista e produtor gráfico. Em 2023 tornou-se o primeiro indígena a ocupar uma cadeira na Academia Brasileira de Letras (ABL), eleito com 23 votos.

Ailton, que nasceu e cresceu no povoado indígena Krenak, acompanhou desde sempre as grandes devastações ecológicas causadas pela extração de minérios. Acompanhar tão de perto essa situação o motivou a participar de projetos que pudessem proteger o meio ambiente e hoje ele se tornou um dos grandes líderes da sua comunidade.

Durante a década de 80, Krenak passou a direcionar seu estudo e participar cada vez mais ativamente de causas indígenas. Fundou a organização não governamental (ONG) Núcleo de Cultura Indígena e teve grande influência na reformulação da mais recente Constituição Federal. Protagonizou uma cena emblemática durante a Assembleia Nacional Constituinte de 1987, em forma de protesto pintou seu rosto com tinta preta de jenipapo.

"O ovo indígena tem regado com sangue cada hectare dos 8 milhões de quilômetros quadrados do Brasil. Os senhores são testemunhas disso”. Criticou as violências sofridas pelos povos originários, principalmente as que beneficiam economicamente alguns grupos, ao passo que sua face era coberta por um pigmento que em sua tribo é usado para simbolizar o luto. Esse momento foi essencial para a redemocratização do país, sendo, no ano seguinte (1988), adicionado um capítulo na Constituição que engloba os direitos indígenas e garantem que os ferimentos dos mesmos possam ser julgados.

Sua obra A vida não é útil traz uma visão de como a sociedade brasileira se estruturou com todos os reflexos deixados pela colonização europeia tanto no âmbito social quanto no ambiental. Ressalta que a exploração dos recursos naturais da Terra está diretamente ligada à invisibilidade que os negros e  povos originários estão acometidos. O livro é um compilado de entrevistas e palestras que o autor deu ao longo de 2019 e 2020, então aborda também questões do Covid-19 onde Ailton se opõe ao discurso capitalista de que a economia não deveria parar.

Krenak expressa uma opinião contrária a biólogos e alguns economistas. Para ele não existe uma era e sim um fragmento curto que eventualmente pode fazer a humanidade desaparecer da terra, assim como o ser humano já está fazendo com outros organismos que vieram antes. As pessoas usam erroneamente o pretexto de estar num mundo que já está desaparecendo e por isso não se movimentam para tentar fazer de fato uma mudança efetiva. "Nós somos bem-vindos aqui, o que não é bem-vindo é o nosso modo de estar aqui. Nós estamos do jeito errado aqui na Terra."

Uma nova era geológica?

O Antropoceno, termo de Paul Crutzen, é um conceito que tem ganhado destaque significativo no âmbito acadêmico e científico nas últimas décadas. Originado da junção das palavras gregas "anthropos" (ser humano) e "kainos" (novo), o termo foi proposto para descrever uma nova época geológica na qual as atividades humanas se tornaram a principal força modificadora dos processos naturais da Terra. Sua adoção como uma unidade formal de tempo geológico ainda é objeto de debate entre os geocientistas, mas sua relevância transcende as fronteiras disciplinares, influenciando campos tão diversos quanto ecologia, sociologia, economia e ética. Em 1995 Paul Crutzen, um químico atmosférico que recebeu o Prêmio Nobel de Química por seu trabalho sobre a química da atmosfera, especialmente a formação e decomposição do ozônio. Além disso, eventualmente ficou conhecido por popularizar o termo "Antropoceno".

Estava em uma conferência e alguém mencionou o holoceno. De repente, pensei que esse termo era incorreto. O mundo tinha mudado muito. Eu disse não, estamos no antropoceno.”— Paul Crutzen

Uma das principais questões para definir esse evento é a noção de escala. Enquanto os processos geológicos “tradicionais” operam em escalas de tempo e espaço longos, e muitas vezes imperceptíveis em uma vida humana, as transformações associadas ao Antropoceno ocorrem em uma escala temporal e espacial significativamente mais curta. Fenômenos como a contaminação dos oceanos, o derretimento das calotas polares e a urbanização rápida são algumas das mudanças que ocorrem em escalas de tempo de décadas ou séculos, em contraste com os milhões de anos associados a eventos geológicos anteriores.

As atividades humanas não apenas moldam o ambiente natural, mas também são moldadas por ele, criando sistemas socioecológicos complexos e dinâmicos. Na ciência, sua aceitação como uma unidade de tempo geológico pode mudar nossa compreensão da história da Terra e ajudar na previsão e gestão de mudanças ambientais. No campo político e econômico, exige uma revisão dos modelos de desenvolvimento que dependem da exploração irrestrita dos recursos naturais. Eticamente, levanta questões sobre nossa responsabilidade para com o futuro do planeta e sua biodiversidade.