Moda sustentável cresce e pressiona indústria

Consumidores exigem práticas responsáveis e mercado responde com economia circular, inovação de materiais e inclusão social
por
Larissa Pereira
|
21/10/2025 - 12h

 

A moda sustentável deixou de ser nicho e passou a ocupar espaço central nas escolhas de consumo. A pesquisa de 2023 do Instituto Akatu em parceria com a consultoria GlobeScan mostrou que 87,5% dos brasileiros preferem comprar roupas de marcas que adotam práticas sustentáveis. A tendência se confirma em levantamento da Confederação Nacional da Indústria (CNI), que apontou que nove em cada dez consumidores se sentem desconfortáveis ao adquirir produtos que prejudicam o meio ambiente.

Esse movimento já se reflete no mercado. Segundo a consultoria Research and Markets, o setor de moda sustentável no Brasil foi avaliado em 200,7 milhões de dólares em 2022, com crescimento médio de 3,7% ao ano desde 2017. Projeções indicam que a moda circular, baseada em brechós, aluguel de roupas e reaproveitamento de tecidos, deve crescer entre 15% e 20% ao ano até 2030.

O impacto ambiental da moda, no entanto, continua elevado. Dados da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe) revelam que o país gera cerca de 4 milhões de toneladas de resíduos têxteis por ano, sendo que 85% desse volume acaba em aterros. Em escala global, a ONU Meio Ambiente estima que a moda é responsável por 10% das emissões de carbono e ocupa a posição de segundo maior poluidor de água doce. A produção anual chega a 80 bilhões de peças, mas menos de 1% desse total é reciclado.

Diversos projetos mostram caminhos de transformação. A rede Justa Trama reúne agricultores, fiadoras, tecelãs e costureiras em cinco estados na produção de algodão agroecológico cooperado, com renda distribuída de forma justa. Na Amazônia, iniciativas como Selvática, que reaproveita retalhos de estofados, e Yara Couro, que cria materiais a partir de pigmentos vegetais, demonstram o potencial da economia criativa aliada à preservação ambiental.

Entre as grandes redes do varejo brasileiro, C&A, Renner e Riachuelo começaram a adotar iniciativas relacionadas ao uso de algodão sustentável, coleções com fibras recicladas e programas de logística reversa. Essas medidas ainda representam uma fração pequena da produção total, mas indicam que a pressão dos consumidores começa a influenciar também o fast fashion.

Apesar dos avanços, trazer produtos sustentáveis para as lojas de departamento não é tarefa simples. Em entrevista exclusiva para a AGEMT, Luiz Gustavo Freitas da Rosa, dono e criador da marca sustentável Tairú, conta que a iniciativa nasceu em 2023 a partir do contato com um projeto experimental de calçados em Tyvek e de uma pesquisa sobre cânhamo, fibra natural com propriedades ambientais superiores ao algodão. “Desenvolvi protótipos, apresentei amostras na Europa e, ao retornar ao Brasil, lançamos uma primeira coleção com seis modelos de tênis e mais de 40 variações, além de camisetas em algodão orgânico e tingimento natural”, relata.

Luiz Gustavo aponta barreiras importantes: o cânhamo não pode ser cultivado legalmente no Brasil para uso têxtil, o que obriga a importação; fábricas nacionais nem sempre estão preparadas para materiais alternativos como couro vegetal à base de milho; e o algodão orgânico tem custo superior ao convencional, encurtando margens e alongando a cadeia produtiva. “Produzir de forma sustentável ainda é mais caro. Trabalhamos com pequenas tiragens, fornecedores especializados e processos que incluem inclusão social, o que eleva o preço final”, explica.

Sobre a competição com as grandes magazines, ele afirma que a estratégia da Tairú não é disputar preço, mas oferecer uma alternativa de valor: “O consumidor da nossa marca compra conforto, design e propósito; não apenas um produto barato.” Para furar a bolha dos consumidores já engajados, a Tairú se posiciona como marca de lifestyle urbano e investe em ativações culturais, collabs e na Casa Tairú, espaços que atraem público pela música e pela cultura e só depois revelam os atributos sustentáveis dos produtos.

Na comunicação, Luiz Gustavo destaca a transparência como prática contra o greenwashing: a marca revela a origem dos materiais, mostra quem produz as peças e admite limitações. Ele cita exemplos concretos, como fábricas compostas por mulheres, ecobags produzidas por ex-detentos e etiquetas fornecidas por cooperativas que empregam pessoas com deficiência. “Não romantizamos nem prometemos perfeição; mostramos passos concretos e os desafios que ainda temos”, afirma.

Segundo ele, o maior obstáculo é transformar a consciência em hábito de compra. Para que a sustentabilidade deixe de ser exceção e se torne regra, Luiz Gustavo defende investimento em comunicação clara e aumento da escala produtiva para reduzir preços, além de mudanças estruturais na cadeia têxtil.

O debate avança em escala internacional. O relatório Fashion Transparency Index 2024, da Fashion Revolution, mostrou que a maior parte das grandes marcas ainda não divulga informações completas sobre suas cadeias de fornecimento. Já o State of Fashion 2024, da McKinsey em parceria com o Business of Fashion, destaca que a pressão regulatória tende a tornar mais rígidos os critérios de produção e comercialização, principalmente na Europa e nos Estados Unidos.

A combinação de dados, iniciativas e mudanças de comportamento mostra que a moda sustentável não é apenas uma promessa. Ela se consolida como exigência de mercado e como caminho inevitável para reduzir o impacto de uma das indústrias mais poluentes do mundo.

Tags: