Por Thais Oliveira
Na tela do celular, o relógio marca meia-noite. O tempo passou e a culpa veio à tona, mas isso não a atrapalha de continuar rolando o Instagram por horas ou até mesmo de compartilhar vídeos do Tiktok com os amigos que estão dormindo. O dia começou por volta das 6h00min, logo após desligar o despertador pela terceira vez e a noite mal dormida levou Heloísa, uma advogada de 27 anos, que mora em um apartamento decorado com plantas e com cheiro de capim limão, ao questionamento de se deveria, ou não, levantar e ir ao trabalho.
O ciclo de consumo de conteúdo e a hiperconectividade impactam diretamente na qualidade do sono, relata o professor doutor Pedro Calabrez, especialista em Psicologia e Neurociências Aplicadas. Heloísa comenta que sente o vazio após passar horas nas redes sociais se perdendo em fotos e histórias alheias e deixando de viver a própria vida. Devido ao acesso em massa à Internet, os usuários sentem a pressão de estar sempre atualizados, recebendo durante o dia, múltiplas informações que interrompem a produção de melatonina e interferem nas horas de descanso, criando um ciclo vicioso que prolonga a insônia e afeta o bem-estar.
O destino de Heloísa estava predestinado, independente das poucas horas dormidas. Na mão, um café coado forte com um pedaço de pão francês, enquanto apoia o celular em sua perna para continuar assistindo os vídeos compartilhados e, responder rapidamente às mensagens do Whatsapp, pois era 7h00min da manhã e estava atrasada para o seu compromisso. Heloisa explicou que durante o trabalho no escritório o celular nunca estava em suas mãos e por isso não conseguiria responder tão rápido. Foi preciso confiar em sua palavra e aguardar por seis horas o seu retorno.
O avanço tecnológico trouxe muitos benefícios para o cotidiano, mas também, alguns desafios que passam despercebidos, como o uso do celular à noite. Nesses ambientes corporativos para troca de mensagens digitais as pessoas vivem em um mundo infinito, onde milhares de notícias surgem por segundo e impede o sono de jovens e adultos. O número de usuários que sofrem com a insônia vêm aumentando a cada década, principalmente depois da pandemia. Dados da Associação Brasileira do Sono (ABS) apontam cerca de 73 milhões de brasileiros nessas condições. São horas virando de um lado para o outro na cama sem entender o motivo da dificuldade de fechar os olhos e descansar.
Durante os dias que Heloísa trabalha em casa, o uso do celular é constante. Ao acordar, percebe que está na hora de bater o ponto, são 9h00min e ela não escovou os dentes. Pega o notebook e vai direto verificar os duzentos e-mails que chegaram de uma noite para outra, mas ao lado, coloca uma série para assistir no celular. Heloisa diz que isso ajuda a se concentrar melhor nas tarefas automáticas e assim, foram dois, três, quatro episódios de um dorama na Netflix e algumas horas de vídeos assistidos no Tik Tok.
A dependência por notificações instantâneas e a necessidade constante de estar conectado cria um ciclo vicioso que prejudica a saúde tanto física quanto mental. Ao mergulhar no universo digital antes de dormir ou de fazer uma tarefa importante, o cérebro recebe um sinal contraditório, confundindo o dia e a noite. As consequências vão além da falta de sono, afetando a capacidade de tomar decisões, a memória e até mesmo a imunidade. Para Heloísa, estes ambientes são uma bolha de comparação e de produtividade, parece que todos conseguem dormir cedo e acordar às cinco da manhã para correr 21km na rua. Esses conteúdos geram uma grande frustração e o sentimento de atraso na vida de quem se deita sem conseguir descansar. É como viver em um modo de alerta automático, impedindo o corpo de entrar em estado de relaxamento profundo e reparador.
Heloísa chega do trabalho antes do seu marido Luciano e adianta o jantar, porém apenas às 21h35min, depois de tomar banho e mexer um pouco mais no celular, pois sente que perdeu alguma notícia importante e precisa se informar novamente, tira o alho da geladeira, pega o arroz, coloca a panela no fogo e logo se distrai com uma notificação de mensagem de sua mãe perguntando como estão as coisas. Áudios vão e vem e nada de arroz no fogo.
A madrugada chega e as notificações continuam subindo na tela. Para Heloisa, que vive na correria do dia a dia, o seu momento de lazer é deitar e ficar por horas navegando até conseguir pegar no sono, entretanto, o inesperado acontece, a insônia bate na porta e a luz azul do celular ganha intensidade em meio a escuridão do quarto. Essa exposição emitida antes de dormir desregula o relógio biológico e aumenta os níveis de alerta no corpo, desencadeando problemas temporários e crônicos para a saúde.
De acordo com Calabrez, conforme o cérebro envelhece, a capacidade de atingir o sono profundo diminui. Recomenda que, para entrar em estado de sono profundo, é preciso evitar qualquer tipo de luz artificial, entre às dez da noite e às quatro da manhã. Essas luzes derrubam a produção natural da melatonina, hormônio produzido pela glândula pineal no cérebro que sinaliza ao corpo a hora de dormir, e a sua ausência gera a sensação de cansaço, indisposição e dificuldade em focar nas tarefas. Pessoas que usam dispositivos digitais à noite relatam um sono mais fragmentado e encaram a noite obscura sem ruído externo, mas com um grito insistente dentro de si, o que pode levar a um aumento de até 20% na sensação de sonolência diurna. Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), aproximadamente 45% da população mundial sofre de algum tipo de distúrbio do sono, e o uso excessivo do tempo de tela em celulares, notebooks e televisão à noite é o principal fator que contribui para o aumento desse número.
O uso da tecnologia na vida de Heloísa tem sido um grande desafio, desde que começou a trabalhar em casa. A ansiedade e o desânimo são sentimentos comuns no seu cotidiano e o seu principal refúgio está vinculado ao uso de aparelhos eletrônicos para relaxar e dormir, porém nem sempre ela descansa ou dorme profundamente. A luz azul continua pela madrugada diante dos olhos dela.