Famoso por suas icônicas luminárias japonesas e por abrigar a maior comunidade asiática do Brasil, o bairro da Liberdade, em São Paulo, atrai cerca de 20 mil visitantes todos os fins de semana, conforme dados da APECC (Associação Paulista dos Empreendedores do Circuito das Compras). Muitos, cativados pela culinária, produtos e atmosfera oriental que permeia as ruas, desconhecem a origem negra do bairro e pouco têm acesso a essa história quando caminham sob a região próxima ao centro da cidade. A conexão com a cultura asiática foi ainda mais fortalecida com a mudança do nome da estação de metrô que serve a região para “Japão-Liberdade”, uma iniciativa sancionada pelo então prefeito Bruno Covas (PSDB) em 2018.
“Você trocar o nome de ‘Liberdade’ para ‘Japão-Liberdade’ faz duas coisas, primeiro, mata uma parte da história importantíssima do país, e segundo, gera um conflito e um desconforto desnecessário entre dois povos que ajudaram tanto no crescimento do Brasil”, explica o empreendedor social Thiago Braziel, em entrevista a CartaCapital. “Dentro do bairro Liberdade não são só Japoneses que vivem, são pessoas da China, Coréia, Taiwan, que estão ali ajudando a construir o Brasil”, completa. A estética do bairro tal qual conhecemos hoje começou a se moldar em 1970, quando foram instaladas as primeiras famosas lanternas orientais, porém, séculos antes disso, o bairro era visto como periferia. Conhecido como “bairro da pólvora”, nome que fazia alusão a Casa da Pólvora, fundada em 1754. Na época, a população do bairro era majoritariamente indígena e de origem africana, com dois locais que chamavam atenção: o Pelourinho, atual 7 de Setembro, e o Largo da Forca, atual Praça da Sé, onde escravizados que tentassem fugir ou cometessem, à época, outros crimes dignos de pena de morte, eram açoitados no primeiro local e castigados ao segundo, até serem enforcados publicamente.
A teoria mais aceita para a origem do nome ‘Liberdade’ se deu em 1871 durante o Brasil colônia, na execução dos militares negros sentenciados por liderarem uma revolta que reivindicava acertos nos atrasos remuneratórios e exigia igualdade salarial entre soldados brasileiros e portugueses. Os líderes Joaquim Cotindiba e Francisco José das Chagas, conhecido como Chaguinhas, foram enviados de Santos, onde atuavam, até São Paulo, para serem enforcados publicamente no Largo da Forca. A prática de enforcamento público, comum à época, servia para dar exemplo e amedrontar possíveis revoltosos. A primeira execução a ser realizada foi a de Joaquim, que foi morto, porém na vez de Chaguinhas, a corda que o enforcaria arrebentou em duas tentativas. Os espectadores então começaram a gritar “Liberdade!”, clamando pela absolvição do condenado, porém, ele foi levado a uma terceira tentativa de enforcamento. Dessa vez com uma corda de couro, Chaguinhas foi enforcado, porém não morreu imediatamente, ele ainda apresentava sinais vitais mesmo pendurado pelo pescoço, até ser morto a pauladas.
“Atrás da porta que era a da cela de Chaguinhas as pessoas colocam pedidos, batem três vezes e acendem a vela no velário, um ritual feito há 201 anos. Francisco José das Chagas então é um herói de uma revolta nativista, ele é um mártir e um santo popular.”, afirma Wesley de Souza Vieira, pesquisador da USP, em entrevista ao Brasil de Fato.