Por Mariana Luccisano Coelho
Januário Garcia Filho nasceu em 1943 em Belo Horizonte, Minas Gerais e viveu sua primeira infância nas periferias da capital mineira com seus pais e seus três irmãos. A imagem sempre o despertou interesse e chamou sua atenção de um jeito que ele sempre dizia ser inexplicável. Antes mesmo de aprender a ler, se lembra de ter posto suas mãos em um exemplar da revista infantil O Tico-Tico e ter descoberto o passo a passo para fazer um projetor de imagens com uma pequena caixa de madeira. Ia ao cinema do bairro todas as manhãs posteriores às exibições e levava para casa as tiras de filmes que eram jogadas fora, projetando-as em sua casa em uma parede pintada de branco.
Aos 4 anos Januário perde seu pai e oito anos depois, sua mãe. Desamparado e sem norte, decide então sair sem rumo e chega ao Rio de Janeiro, aos 13 anos, onde passa a viver entre ruas e abrigos. Com 16, Januário foi levado ao Serviço de Amparo ao Menor (SAM) e aos 17 se voluntariou para servir a Tropa de Paraquedistas do Exército, completando em paralelo o ensino fundamental e médio. Foi nesse momento que tomou uma das suas mais importantes decisões: comprar sua primeira câmera fotográfica, uma Olympus, para fotografar seus colegas de quartel.
Os anos se passaram, Januário deixou o quartel, a vida traçou seus caminhos, ele sobreviveu de bicos e outras atividades e se casou com Ana Maria Felipe, que em 1970 o incentivou a resgatar o velho hábito da fotografia, mas, dessa vez, profissionalmente, com uma Pentax Spotimac II. É assim que Januário inicia sua preciosa e brilhante carreira foto-jornalística, fotografando para jornais alternativos da época e fazendo pequenos trabalhos para a grande imprensa, começando pelo jornal Tribuna da Imprensa e posteriormente ganhando as demais redações, passando pelo O Globo, Jornal do Brasil, O Dia, A Notícia, Revista JB e fazendo alguns trabalhos para a Editora Bloch.
A arte atravessa seu caminho na fotografia quando recebe o convite para participar da fundação Photo Galeria, organização voltada para venda de fotografia de arte. A experiencia foi enriquecedora e de uma importância inenarrável para Januário no aprimoramento de técnicas e estudos, alavancando sua carreira e consolidando seu trabalho. Decide então montar um estúdio e trabalhar com publicidade e se vê diante do racismo (escancarado, velado e institucional) ao exercer uma profissão fora dos setores reservados á negros pela sociedade da época. Depois de anos fotografando para publicidades e atendendo agencias pelo Rio de Janeiro, decide mudar seus rumos e procurar gravadoras para entrar no mercado de capas de discos.
Depois de árduas tentativas, por se tratar de um mercado extremamente nichado com fotógrafos já consolidados, consegue fotografar sua primeira capa para o grupo de rock O peso, que ficou muito emocionado e satisfeito, fazendo com que o mineiro recebesse elogios do diretor de arte e deslanchasse no meio. Foi então que surgiram trabalhos com grandes nomes da música popular brasileira como Tom Jobim, Caetano Veloso, Chico Buarque, Fagner, Belchior, Fafá de Belém, Leci Brandão, Raul Seixas e Edu Lobo.
Algumas das capas fotografadas por Januário. Reprodução G1.
Milton Nascimento, Chico Buarque e Januário. Reprodução Site Januário Garcia
O primeiro contato de Januário Garcia com a militância das causas negras foi em 1975, quando entrou para o Movimento Negro Carioca, a partir de um encontro no Centro de Estudos Afro-asiáticos na Universidade Candido Mendes, em Ipanema. Passou a fotografar as reuniões como um trabalho pessoal, mas essa documentação se tornou uma ferramenta importantíssima de participação na luta e na história do Movimento Negro Brasileiro.
Reunião da diretoria do IPCN – 1986. Reprodução Instagram Januário Garcia
O fotógrafo passou a participar ativamente de atos, reuniões e manifestações políticas registrando massivamente e concretizando a memória da luta negra brasileira nas décadas de 70 e 80. Em entrevista certa vez disse: “Na minha geração, ninguém vai poder falar que o negro não tem memória, porque vai ter. Eu vou fazer essa memória.” Esse é um dos maiores legados de Januário, eternizar cultura e vivencias negras, conhecido por “registrar a beleza de ser negro”.
Januário Garcia – Carnaval 1978. Foto por Mauricio Valladares.
Marcha da Falsa abolição
Marcha Zumbi está Vivo, Rio de Janeiro - 1983.
Outro marco de sua trajetória foi a fundação do Centro Brasileiro de Informação do Artista Negro (CIDAN), junto com a atriz Zezé Motta. Catalogou atores e atrizes negras por todo o Brasil, desbancando o discurso mentiroso e racista de que a ausência de personalidades afrodescendentes na televisão se dava por falta de profissionais.
Para o fotógrafo e entusiasta do fotojornalismo ativista Ricardo de Castro, personalidades como Januário Garcia são indispensáveis na luta antirracista no Brasil: “É preciso dar voz e eternizar movimentos de lutas negras no país onde a história do povo preto é invisibilizada desde sempre.”
No dia 1 de julho de 2021, Januário Garcia faleceu decorrente de complicações da Covid-19. O fotógrafo deixa um legado riquíssimo e de suma importância para história nacional. Um legado de luta, de beleza e arte que ressoa e ressoará por anos, servindo de inspiração e representatividade.