Fotografia de Evandro Teixeira no IMS-SP

Com entrada gratuita, a mostra reúne cerca de 160 imagens do fotojornalista brasileiro
por
Julia Rodrigues Siciliano Quartim Barbosa
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08/05/2023 - 12h

A exposição

Em cartaz até 30 de julho, a exposição “Evandro Teixeira, Chile, 1973” no Instituto Moreira Salles (IMS) de São Paulo, reforça a relevância da prática do fotojornalismo como ferramenta de fiscalização do poder e preservação da memória.

A mostra reúne imagens impactantes do Palácio de La Moneda bombardeado pelos militares chilenos, dos prisioneiros políticos no Estádio Nacional do Chile e o enterro do poeta Pablo Neruda. Além de objetos como máquinas fotográficas e crachás de imprensa, os registros chilenos acompanham parte do material produzido por Evandro durante a ditadura civil-militar brasileira.

Manifestações populares durante a ditadura militar brasileira
Manifestações populares durante a ditadura militar brasileira. Imagem: Isadora Taveira

Em entrevista para o site do IMS, Sergio Burgi, coordenador de fotografia do centro cultural, pontua: “Passadas cinco décadas, suas imagens sobre as ditaduras militares no Chile e no Brasil reafirmam claramente a importância da democracia e do respeito absoluto ao Estado de direito e à cidadania. São imagens que claramente desnudam o autoritarismo e permanecem denunciando, ainda nos dias de hoje, de forma clara e cristalina, os riscos das aventuras golpistas.”

Para a francesa Muriel Azerath, 45, que recentemente visitou o Instituto, a exposição oferece uma interpretação além dos fatos, com o devido impacto nas histórias. “Eu conheço os fatos, mas nunca tinha visto os registros de uma pessoa que estava lá durante a ditadura. É tudo muito forte, chocante.”

Estádio Nacional do Chile

Nos primeiros dias após o golpe, os presos políticos já somavam mais de cinco mil, contando com uma intensa perseguição a estrangeiros, especialmente aqueles que estavam no país há mais tempo, incluindo exilados brasileiros que haviam deixado o Brasil fugindo da tortura e da repressão militar.

Aparato militar chileno em 1973
Aparato militar chileno em 1973. Imagem: Isadora Taveira

Em 12 de setembro de 1973, um dia após a morte do presidente eleito Salvador Allende no palácio presidencial de La Moneda, Evandro embarcava rumo ao Chile, como correspondente do Jornal do Brasil. Entretanto, ele e cerca de 50 outros jornalistas permaneceram retidos em Las Cuevas, aguardando autorização para entrar no país até 20 de setembro. Dois dias depois, o fotógrafo seria levado pelas forças armadas ao Estádio Nacional do Chile, para averiguar a aparente “normalidade e civilidade” dos atos de retenção e triagem dos cidadãos aprisionados, em uma tentativa de encobrir violações aos direitos humanos.

Para a surpresa dos militares, Evandro já conhecia as arquibancadas, a tribuna de honra, as rampas de acesso aos vestiários e o subsolo. O jornalista já teria visitado o mesmo estádio em 1962, fotografando a Copa do Mundo de Futebol, enquanto ainda trabalhava para o Diário de Notícias.

Dessa forma, ele e alguns colegas conseguiram penetrar no subsolo, que abrigava cárceres lotados e insalubres, capturando cenas além do cerco estrategicamente posicionado para a chegada da imprensa. Dentro desse núcleo da mostra, uma fotografia chama a atenção: Ao fundo e em foco, um dos encarcerados corta o cabelo de seu companheiro de cela, a fim de torná-lo mais apresentável, ao mesmo tempo, dois militares parecem conversar, enquanto no primeiro plano um oficial, segurando uma arma, divide a cena.

Militares chilenos e encarcerados no Estádio Nacional do Chile em 1973, por Evandro Teixeira
Militares chilenos e encarcerados no Estádio Nacional do Chile em 1973, por Evandro Teixeira. Imagem: Isadora Taveira

Pablo Neruda

Um dia após sua chegada em Santiago, Evandro soube que Pablo Neruda estaria hospitalizado em uma das clínicas da cidade, mas não conseguiu registrar o escritor, que faleceu naquela mesma noite, em 23 de setembro de 1973. Ciente da morte, o fotógrafo retornou à clínica na manhã seguinte e, por uma entrada lateral, conseguiu acesso ao interior do prédio.

Dentro do hospital, Evandro se depara com o corpo de Neruda na maca. Dona Matilde, sua mulher, e seu cunhado sentados ao seu lado. O fotógrafo faz a foto e em seguida pede permissão à viúva, relembrando que conheceu o poeta anteriormente, em um encontro no Brasil com Jorge Amado. Além de permitir o registro, Matilde pede para que a acompanhe até La Chascona, casa em que vivia o casal e onde o corpo seria velado.

Militares chilenos e encarcerados no Estádio Nacional do Chile em 1973, por Evandro Teixeira
Fotografias do enterro de Pablo Neruda em 1973.
Imagem: Isadora Taveira

Evandro foi o único que registrou Neruda ainda na clínica, horas após seu falecimento. Em uma entrevista ao site do IMS, o fotojornalista relembra: "Dentro da clínica fiz a maca, fiz várias fotos, apavorado. Eu olhava em volta, pensava naquele mundo de fotógrafos em Santiago e dizia pra mim mesmo: não, não é possível, só eu aqui, só eu?”.

A partir do pedido da viúva, Evandro inicia um plano sequência em torno de 36 horas, documentando minuciosamente todas as etapas do velório e enterro do poeta, que contou com grande participação popular, incluindo intelectuais, ativistas e companheiros do partido comunista, simbolizando o primeiro grande ato contra o regime militar de Pinochet.

A exposição, inaugurada em 21 de março, permanece em cartaz no Instituto até 30 de julho, localizada na Avenida Paulista 2424, próxima às estações Paulista e Consolação do metrô. O centro cultural tem entrada gratuita e é aberto a visitação de terça a domingo e feriados, das 10h às 20h.