Entre o púlpito e o Planalto: como líderes religiosos reproduzem o negacionismo de Bolsonaro

Como o Presidente da República, muitas igrejas criticam a vacina, atacam a imprensa e fazem propaganda de curas milagrosas durante a pandemia
por
Esther Ursulino e Gabrielly Mendes
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09/08/2021 - 12h

 

Durante a pandemia do novo coronavírus, diversas autoridades políticas e religiosas utilizam sua influência para promover discursos que desinformam a população. O ataque à mídia e à ciência, somado a soluções simples para problemas complexos, levam os seguidores dessas lideranças a minimizarem a gravidade do vírus, e com isso, a arriscarem suas vidas. 

O bispo Edir Macedo, fundador da igreja Universal do Reino de Deus, disse que aqueles que tiverem ‘coronafé’ não serão infectados; Valdemiro Santiago, pastor da Igreja Mundial do Poder de Deus, vendeu feijões com suposto poder de cura pelo valor de 100 a mil reais; e Elenildo Pereira, padre da Canção Nova de Cachoeira Paulista, pregou contra a vacina ao descredibilizar os estudos que comprovam sua eficácia. 

Similarmente, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) minimiza a gravidade do coronavírus. Em março de 2020, durante um pronunciamento feito em rede nacional, chamou a Covid-19  de "gripezinha". O chefe do executivo, tal como o pastor Valdemiro, apresenta soluções ineficazes para o combate ao vírus, como a cloroquina e outros remédios do kit-covid. Ademais, faz declarações contrárias à vacinação que induzem a população a questionar a eficiência e segurança dos imunizantes. “Ninguém pode obrigar ninguém a tomar vacina. Eu não vou tomar. Eu já tive o vírus. Já tenho anticorpos. Para que tomar vacina de novo?”, disse durante um discurso em Porto Seguro – BA, em dezembro de 2020.

Além dos púlpitos e do Planalto, o negacionismo ganha espaço nos meios de comunicação aliados ao governo — dos quais muitos evangélicos são espectadores. De acordo com Gilberto Nascimento, jornalista e autor de “O Reino: A história de Edir Macedo e uma radiografia da Igreja Universal”, a Record, emissora de Macedo, passou a “defender com mais unhas e dentes a pauta desse movimento evangélico-conservador” após o impeachment de Dilma. Segundo Nascimento, o canal foi oferecido como palanque eleitoral para o futuro presidente em 2018, o que contribuiu para que fosse utilizado em defesa de interesses políticos.  

Como resultado, a cobertura jornalística teve que se adequar à postura bolsonarista, que minimiza a gravidade da pandemia. Para se contrapor à linha editorial "alarmista", a TV Record abordou as notícias relacionadas ao coronavírus de forma branda, e assim como o SBT, deu enfoque ao número de recuperados como quis o chefe da nação. A propagação do discurso da “gripezinha” rendeu privilégios a esses veículos. Segundo o site Nexo, em 2020 ambos receberam um grande repasse de verbas federais, com valores de 13,1 e 9,3 milhões respectivamente. 

Quantos dízimos valem uma vida? 

Sob o argumento de que a igreja é o “último refúgio para os desesperados”, líderes religiosos aliados a Bolsonaro insistem em manter as portas de seus templos abertas mesmo com risco à saúde dos fiéis. Em abril deste ano, quando o Brasil registrava mais de 1000 mortes diárias, o ministro Nunes Marques atendeu a uma liminar da Associação Nacional dos Juristas Evangélicos (Anajure) e proibiu que estados e municípios vetassem celebrações religiosas para conter a disseminação do vírus decisão que o STF derrubou. Segundo a associação, os decretos são inconstitucionais, pois violam o direito de liberdade religiosa. Contudo, para o jornalista Gilberto Nascimento, “a grande preocupação é ter a igreja fechada e a receita diminuir”. 

Devido ao isolamento social, os dízimos e ofertas, antes doados presencialmente, pararam de chegar aos cofres santos. Para contornar o problema, missionários sugeriram que os membros realizassem depósitos online. Entretanto, a Revista Piauí mostrou na matéria "Sem fiéis, sem dízimo, sem palanque", que a quantia recebida foi inferior ao esperado, o que causou prejuízo às instituições

O escritor de O reino, que cobre a área de religião há quarenta anos, aponta ainda que o discurso negacionista tem mais recepção em algumas denominações. Segundo ele, as que possuem a maior parte de seus fiéis provenientes da classe média e elite, como é o caso da Luterana, Metodista e Presbiteriana, são menos suscetíveis a discursos falaciosos. As pentecostais como a Batista e a Congregação atraem diferentes camadas sociais, apresentando narrativas diversificadas. Em contraposição, as neopentecostais atraem pessoas em situação de dificuldade extrema – seja na área financeira, social ou psicológica –, geralmente com pouca escolaridade e sem acesso à informação, o que as tornam dependentes das interpretações dos pastores.

“Não é uma verdade dizer que entre os evangélicos qualquer coisa que o pastor falar as pessoas vão seguir cegamente.  Vão ter pastores negacionistas e não negacionistas e aquilo que eles falarem nem todos vão cumprir. Mas em algumas igrejas neopentecostais isso acontece sim, as pessoas confiam piamente", afirma Gilberto. 

Persuadidos por discursos difundidos dentro de templos e reafirmados por autoridades como o presidente da república, muitos fiéis vêem a vacina com desconfiança e se recusam a serem imunizados. De acordo com pesquisa do Datafolha realizada em março de 2021, 14% dos 2.023 religiosos entrevistados não pretendem se vacinar contra a covid-19. O número, que representa os evangélicos, é superior ao de católicos ouvidos (6%). 

Magna Aparecida, membro da Congregação Cristã do Brasil, diz que notou discursos negacionistas entre religiosos de diferentes denominações. “Tenho colegas de caminhada que não querem tomar a vacina e justificam com aquele discurso de que ‘Deus cuida'''. Contudo, ela pondera: "temos que fazer a nossa parte, pois Deus criou a medicina, então temos que segui-la".