Como a Volkswagen colaborou com a ditadura militar

Montadora alemã denunciava trabalhadores “subversivos” para a polícia
por
Matheus Almeida
Anderson Santos
|
29/04/2024 - 12h

Em 2024 completamos 60 anos do início da Ditadura Militar Brasileira. Durante os 21 anos que permaneceu no poder, o governo praticou abusos de poder e crimes contra sua própria população. Porém a violência não foi apenas estatal, visto que existiram empresas que colaboraram com o regime ditatorial. Uma delas é a atual segunda maior montadora de carros no mundo, a Volkswagen. 

Durante os anos de repressão a empresa trabalhou em conjunto com os órgãos de segurança pública, mantendo um controle ideológico dos seus funcionários e denunciando aqueles que apresentam qualquer atividade considerada “subversiva”. Um exemplo foi a demissão do eletricista José Miguel, despedido por distribuir um jornal entre os trabalhadores, além disso suas informações pessoais foram entregues à polícia. Não só informações eram entregues como os empregados também, sendo permitido prisões ilegais dentro das fábricas. Henrich Plagge foi um deles. Preso dentro do local onde trabalhava, Plagge foi levado ao DOPS e ficou encarcerado por cerca de três meses, submetido a torturas. O verdadeiro paradeiro dele foi ocultado, no dia da prisão, um gerente da fábrica foi a casa de Henrich e contou para sua esposa, Neide, que ele havia viajado a trabalho. 

Os operários que tinham contato com sindicatos eram classificados como “indesejáveis” e colocados nas chamadas “Listas Negras”, documentos com nome e endereço dos observados. As pessoas presentes nessa lista eram proibidas de serem empregadas em outras empresas e principalmente cargos de gerência e chefia. Outras companhias também contribuíram com essa lista, porém foi a Volkswagen quem mais registrou funcionários, 73. 

Em 2015, dez centrais sindicais e outras entidades civis entraram com uma representação no Ministério Público contra a Volkswagen, com base em levantamentos feitos pela Comissão Nacional da Verdade, onde foi apontada coparticipação da empresa alemã em repressões realizadas durante o regime militar. O MP iniciou negociações para a assinatura de um Termo de Ajustamento de Conduta com a montadora em 2018, procurando um acordo para recompor danos causados às vítimas da repressão. Em 2020, mesmo com contradições, ambas as partes chegaram a um acordo com a empresa tendo que pagar R$36 milhões para ex-trabalhadores de suas fábricas que foram perseguidos durante o período. Isso livrou a Volkswagen de possíveis processos judiciais. 

O Ministério Público Federal (MPF) em 31 de março de 2021, divulgou o relatório final sobre a investigação da participação da Volkswagen na ditadura militar no Brasil (1964-1985), apontando que a montadora alemã se aliou de maneira autônoma ao regime e participou de diversos atos de repressão política. O relatório do MPF aponta que, apesar de não existirem provas que ligam a empresa alemã ao começo do Golpe, ela esteve presente no apoio a sua manutenção e obteve benefícios financeiros e de privação de direitos. Friedrich Schultz-Wenk, presidente da Volks em 1964, era ex-filiado ao partido nazista e demonstrava apoio aos militares em ações contra membros e apoiadores de partidos de esquerda.

Lucio Bellentani
Lúcio Bellentani, ex-funcionário da empresa - Foto: Lucas Lacaz Ruiz/Folhapress

Segundo o relatório, a Volkswagen por meio do seu Departamento de Segurança Industrial, delatava os seus trabalhadores aos órgãos de repressão do regime e prisões foram efetuadas dentro das fábricas. Lúcio Bellentani, ex-funcionário da Volks, declarou à Comissão da Verdade de São Paulo: “na hora em que cheguei à sala de segurança da Volkswagen, já começou a tortura, já comecei a apanhar ali, comecei a levar tapa, soco” 

Bellentani também disse em entrevista ao Brasil de Fato que ainda sofre com as consequências psicológicas. "Eu passei a ser uma testemunha viva do ocorrido dentro da fábrica. Eu fui preso lá, comecei a ser torturado lá. Foram 48 dias de pancadaria e tortura, não tinha dia nem hora. O problema é a sequela psicológica. Quem paga o pato é a minha esposa. Principalmente nesse período que estou dando bastante depoimento, tem noite que eu sonho que estou brigando". 

A Volkswagen também esteve presente em mobilizações para enfrentar as greves dos metalúrgicos que ocorreram entre 1979 e 1980 demonstrando, segundo o relatório, que ela "agiu para criminalizar as lideranças sindicais, colaborando com a polícia política para reprimir o movimento".