Depois de uma lacuna de quatro anos devido a pandemia de Covid-19, a Bienal do Livro finalmente ganhou uma nova edição. A feira literária que aconteceu entre os dias 02 e 10 de julho tinha como previsão receber 500 mil visitantes nos 65 mil m² de ocupação do Expo Center Norte.
Além de ter contado com 185 expositores, o evento também teve uma programação cultural de cerca de 1300 horas, distribuídas por mais de 800 atrações. E o que mais os leitores queriam eram os encontros diretos com os autores para conseguir o sonhado autógrafo. A organização preferiu distribuir senhas através de seu site que se esgotaram rapidamente. Mesmo assim, formaram-se imensas filas nas mesas dos escritores, com direito a aglomeração de pessoas tanto dentro quanto fora da Bienal.
O evento dividiu as atrações em oito espaços, trazendo programações multiculturais entrelaçadas com a literatura. A Arena Cultural, por exemplo, foi pensada para gerar contato do visitante com autores nacionais e internacionais. Entre os convidados estavam nomes como Abel Ferreira, técnico do Palmeiras, a jornalista Miriam Leitão, a empresária Nathalia Arcuri e o escritor Maurício de Souza.
Já o Cozinhando com Palavras apresentou o universo gastronômico com chefs, jornalistas e autores ligados ao ramo. O local permitiu aos visitantes interações por meio de palestras, mesas de autógrafos e, ainda, degustações de pratos preparados durante os bate-papos.
O Espaço Infantil, por sua vez, contou com programação para toda a família, com narrações de histórias, oficinas temáticas e atividades de curta duração. O ambiente foi marcado por debates relacionados à inclusão com foco no público infantil, como na mesa "Apresentação de Personagens Inclusivos - Dorinha e Luca'', personagens com deficiência criados por Maurício de Souza, e a “Roda de Leitura em Braille”.
Com curadoria da Câmara Brasileira do Livro (CBL) e do Sesc São Paulo, o Salão de Ideias foi planejado para promover discussões sobre questões de grande relevância social e cultural. Feminismo, política, empreendedorismo e literatura periférica foram alguns dos assuntos abordados nas palestras.
O Sesc contou com três espaços distintos no evento,além da curadoria do Salão de Ideias, dispôs do Auditório das Edições Sesc no qual apresentou discussões sobre temas como os
100 anos da Arte Moderna, racismo, games e sexualidade, e contou com nomes como Rita Von Hunty, Edney Silvestre e Eliete Negreiros. Já os Bibliosescs - Praça da História e Praça da Palavra- foram palcos para atividades como saraus, contação de histórias e apresentações musicais.
Cordel e Repente trouxe conteúdos relacionados ao universo da produção de cordéis e da xilogravura. O espaço teve intenso cronograma de apresentações musicais, declamação de cordéis, shows e outras atividades relativas ao tema.
O Papo de Mercado, com curadoria a cargo de Leonardo Neto, foi palco para bate-papos referentes ao âmbito editorial entrelaçados com tecnologia, sustentabilidade e adaptações do universo literário para o audiovisual. Mayra Lucas, Juliano Griebeler e Bruna Vieira foram personalidades que passaram pelo espaço.
O Pavilhão do convidado de honra deste ano, Portugal, foi cenário para interseções entre a cultura portuguesa e brasileira. Houve conversas sobre as particularidades de ambas as literaturas, espaço para bate-papos entre editores brasileiros e portugueses e diálogos sobre os 200 anos de Independência.
Apesar de tanta programação, há aqueles que vão, principalmente, para comprar livros como a coordenadora escolar Cláudia Rodrigues Figueredo, a antiga professora de literatura frequenta a Bienal há mais de dez anos e esse ano veio acompanhada da filha Giovanna (19) como maneira de incentivar a leitura desta. “Para mim é realmente emocionante estar de volta à Bienal”, declarou a docente referindo-se ao período de quatro anos sem o evento.
Há também aqueles que vão com o intuito de vender suas próprias obras, como a escritora Déa Henrique. A autora do livro infantil “Um Inesperado Kamba” explicou que seu livro surgiu de uma necessidade pessoal ao observar que seus filhos não conheciam histórias africanas. “Eu percebi a importância disso [literatura africana] para as crianças, principalmente para aquelas que têm afrodescendência. Porque elas não têm contato, então trazer esse universo da África para elas aqui no Brasil. Para mim e para as minhas crianças foi importante, então acredito que para outras também seja”, disse Déa.
A visão de Déa Henrique sobre a literatura como necessidade é compartilhada também por Vanda Franco Pedrosa. Para ela, é possível “enxergar nos livros o resultado do aprendizado humano, os livros nos mostram isso. Você abre um livro e se enxerga, enxerga o outro e o mundo em que ele está vivendo”. Ambas estavam emocionadas com a ocasião, Déa comentou que sua mãe mesmo de cadeira de rodas estava presente só para prestigiá-la, já Vanda acredita que “da onde eu venho uma professora chegar à Bienal é um evento, é um fato histórico”.
Juntam-se a esse time de escritoras da Bienal, Isabella Falce e Letícia Bartulihe. Falce, autora de “Intoxicada Por Um Relacionamento Abusivo”, livro com teor autobiográfico, disse que viu na escrita um processo terapêutico mesmo que “complicado” devido ao assunto retratado. Hoje, Isabella se diz muito orgulhosa por ter uma publicação sua. “Porque eu tenho ajudado tanta gente, tantas mulheres me procuram querendo saber se há vida após relacionamento abusivo[...] a gente precisa tirar uma força para entender a grandiosidade de uma mulher”. Já Bartulihe desenvolveu a escrita como hobby, com quinze anos ela divulgou digitalmente seu primeiro livro “sem pretensão nenhuma”, mas ao ver o número de leituras alcançadas resolveu levar seu trabalho ao papel impresso.
Não deixando de fora o contexto político desse ano e sua importância para a história brasileira, a Bienal proporcionou um universo multicultural, convidando grandes intelectuais para debater diversos temas.
Como exemplificação para tal, há o momento em que a historiadora e antropóloga Lilia Schwarcz discorreu sobre o imaginário europeu na construção da história do país, durante a mesa “Falamos de Quem Quando Falamos do Outro?”. Ao tocar nesse passado, Lilia ressaltou a necessidade de se fazer vigilância cidadã perante aos ataques à democracia feito no âmbito político, destacando ser imprescindível fazer desse ano um ano de oportunidade e mudança para o Brasil.
Em outra mesa sobre “Educação Política”, a advogada Gabriela Prioli defendeu a importância de fazer uma discussão política que considere a diversidade e que crie um diálogo inclusivo na sociedade. Gabriela salientou também a importância do público na construção do diálogo, reafirmando que a discussão é formada principalmente pelas pessoas que estão engajadas e que a partir disso “vão votar de maneira diferente [...] vão tornar a política diferente para que ela seja mais diversa e consequentemente melhor.”
Em consonância com essas falas, a jornalista Miriam Leitão, que foi ameaçada durante o governo Bolsonaro, enfatizou na mesa “Ser Jornalista No Brasil” como o poder público tem utilizado da desinformação nas redes para construir suas narrativas. A profissional de imprensa nomeou a estratégia como a “mentira que é divulgada como método”, tendo assim uma finalidade. Em seguida, Miriam acentuou a importância de se “olhar os pequenos detalhes nos grandes acontecimentos”, referindo-se às ameaças à democracia colocadas na esfera pública por meio das falas do presidente, sendo contundente ao dizer que “o maior risco é não se perceber o tamanho do risco”.
Além disso, o evento também trouxe pontos acerca do isolamento causado pela pandemia de covid-19. Na mesa " A Morte Faz Parte da Vida", a doutora Ana Cláudia Quintana, em conjunto com mais dois autores Ana Michelle e Renato Noguera discutiram sobre a importância dos cuidados paliativos, o preparo para morte e a forma de se enxergar o luto em diferentes culturas.
Além de autora, Ana Michelle também é paciente em tratamento, ela luta contra o câncer há mais de 10 anos, durante a mesa ela disse que viu as pessoas perderem o controle por causa do isolamento, uma sensação que já lhe era familiar antes da pandemia. Michele disse esperar que a pandemia tenha sido um despertar para as pessoas entenderem que o único tempo é o agora.
A próxima Bienal do Livro em São Paulo está prevista para 2024, a feira mais aguardada pelos leitores, recria o Brasil cultural que tanto almejamos ter.