17º Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo da Abraji

O maior evento de jornalismo investigativo da América Latina teve formato misto e abrangente com foco em temas atuais.
por
Maria Ferreira dos Santos
|
08/08/2022 - 12h

O Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo deste ano teve formato híbrido após dois anos remoto. O evento promovido pela Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) desde 2005, começou nesta quarta(03) e acabou hoje(07). 

Os primeiros dias de conferência foram gratuitos e online, as palestras transmitidas ficarão disponíveis até o dia 07 de setembro. Enquanto a programação dos demais dias aconteceu no campus da FAAP (Fundação Armando Alvares Penteado), localizado em Higienópolis, São Paulo, com entrada mediante compra de ingresso e sem qualquer transmissão virtual.

Segundo Cristina Zahar, diretora-executiva da Abraji, o fato de parte do evento ter sido feito via web e gratuitamente não afetou a qualidade do conteúdo, tampouco recebeu menos dedicação da diretoria. Na abertura do Congresso, a presidente da Associação, Natalia Mazotte, afirmou que vê nesse modelo uma “oportunidade imensa de incluir mais jornalistas e estudantes de todo Brasil”. Mazotte acrescentou que o seminário teria 100 atividades e mais de 250 palestrantes e mediadores.

 

Cristina Zahar,  diretora-executiva da Abraji, em conversa com o estudante Camilo Mota, participante do Projeto Repórter do Futuro, da Oboré. Foto: Maria Ferreira dos Santos
Cristina Zahar,  diretora-executiva da Abraji, em conversa com o repórter Camilo Mota. Foto: Maria Ferreira dos Santos

 

O estudante de jornalismo da UFRRJ (Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro) Jonathan Monteiro fez questão de participar do congresso e por isso veio do Rio Janeiro à São Paulo numa viagem de ônibus que durou seis horas. Quando questionado se a viagem valeu a pena, Jonathan hesitou ao dizer que sim, pois em determinada palestra na sexta-feira, alegou ser o único preto presente. “Agora no segundo dia [sábado, 06], a gente já vê mais pessoas pretas e pardas”, completou o universitário. As pautas da comunidade preta, inclusive, foram temas de painéis do evento.

As mesas proporcionadas dialogavam diretamente com as necessidades e os acontecimentos atuais. Com foco no panorama eleitoral, a violência contra jornalistas, a cobertura climática, ameaças à democracia, o cenário político de países da América Latina, a Guerra na Ucrânia, combate à desinformação e checagem de fatos.

Também aconteceram atividades que debatiam sobre o modo midiático de retratar pessoas de grupos sub-representados, como indígenas, pretos, mulheres e a comunidade LGBTQIAP+. Câe Vasconcellos, jornalista e autor do livro “Transresistência: pessoas trans no mercado de trabalho”, esteve presente no painel “A cobertura da pauta trans no Brasil” e comentou do seu desejo de ver mais histórias positivas de pessoas trans sendo compartilhadas e ganhando espaço no jornalismo.

Ademais, ao longo desses cinco dias foi lembrada a trajetória de Tim Lopes, repórter assassinado enquanto fazia uma reportagem sobre o abuso de poder no tráfico de drogas no Complexo do Alemão, Zona Norte do Rio de Janeiro. A criação da Abraji foi justamente uma resposta ao que aconteceu com Tim, por isso, a celebração dos vinte anos da instituição o homenageou, além de convidar sua família e colegas de profissão para compor os debates sobre os temas de seus trabalhos.

 

Jornalista Marcelo Moreira durante a palestra “20 anos da morte de Tim Lopes: o que mudou na cobertura das periferias?“ neste sábado (06) no 17° Congresso ABRAJI. Foto: Maria Ferreira dos Santos
Jornalista Marcelo Moreira durante a palestra “20 anos da morte de Tim Lopes: o que mudou na cobertura das periferias?“ neste sábado (06) no 17° Congresso Abraji. Foto: Maria Ferreira dos Santos

Em entrevista exclusiva, Fernando Molica, um dos fundadores da Abraji, declarou que estava achando o evento fantástico. ”A gente nunca imaginou que a ABRAJI teria essa dimensão”, Molica ainda brincou dizendo que “dá até vontade sair daqui e ser jornalista”. 

Infelizmente, Tim Lopes não é o único repórter a ser assassinado por conta da profissão, muito pelo contrário, vários convidados afirmaram que recebem ou já receberam ameaças, provando que esse cenário de retaliação à imprensa está longe de mudar. A última atração do sábado (06) foi “Dom Phillips e Bruno Pereira: como chegamos até aqui"; em seu início, houve a apresentação de diversos nomes de jornalistas que faleceram nos últimos doze meses, sendo que muitos têm como causa da morte a mesma que Dom, Bruno e Tim: o desejo de mostrar aquilo que querem esconder.

Por ter uma magnitude internacional, diversos convidados eram de outros países como é o caso de Mattia Fossati, jornalista italiano e autor do livro “Narcos Carioca:  Una Storia di Mafie e Favelas”. Fossati se sentiu honrado pelo convite e confessou que até ficou nervoso para sua palestra, entretanto reforçou a importância da ocasião.  “Porque estamos passando por um ataque muito forte contra a liberdade de imprensa, é fundamental estar aqui”, explicou.

Fossati participou de uma mesa presencial, bem como o salvadorenho Carlos Dada, fundador e diretor do site de notícias El Faro, Jennifer Ortiz, fundadora do Nicaragua Investiga, Ben Welsh, editor do Departamento de Dados e Gráficos do Los Angeles Times e Haley Willis, jornalista do New York Times.

 

Ben Welsh, editor do Departamento de Dados e Gráficos do Los Angeles Times, e Natalia Mazotte, presidente da Abraji neste sábado (06) durante palestra. Foto: Maria Ferreira dos Santos.
Ben Welsh, editor do Departamento de Dados e Gráficos do Los Angeles Times, e Natalia Mazotte, presidente da Abraji neste sábado (06) durante palestra. Foto: Maria Ferreira dos Santos.

Já a versão online contou com a participação dos noruegueses Natalie Remøe Hansen, Erlend Ofte Arntsen, Kristoffer Kumar, autores da reportagem que deu origem ao documentário O Golpista do Tinder (Netflix); a peruana Paola Ugaz e as mexicanas Maria Teresa Montaño Delgado e Gabriela Martinez participaram da mesa “Ameaças a mulheres jornalistas na América Latina”;  o francês Laurent Richard, diretor do Projeto Pegasus, da Forbidden Stories, que revelou a espionagem de ativistas e jornalistas por governos; as ucranianas Katerina Sergatskova e Sevgil Musayeva, que estão cobrindo a guerra. E Julia Angwin, estadunidense fundadora da The Markup, criada para investigar o uso dos algoritmos na sociedade; o engenheiro Christopher Bouzy, do Bot Sentinel, focado no combate à desinformação.

”Imprensa livre é livre de ataques” é a frase que passa antes de começar as transmissões online do 17° Congresso de Jornalismo Investigativo”. Foto: Maria Ferreira dos Santos.
”Imprensa livre é livre de ataques” é a frase que passa antes de começar as transmissões online do 17° Congresso de Jornalismo Investigativo”. Foto: Maria Ferreira dos Santos.

Tanto nos chats das transmissões quanto nos espaços da FAAP, foi possível observar a forte presença de estudantes de jornalismo. Isso é fundamental, segundo o Coordenador do Núcleo Investigativo da CNN Brasil, José Brito, pois o congresso proporciona o conhecimento da existência de “técnicas e ferramentas que podem ser implantadas no dia a dia [do jornalismo investigativo]  vai ajudar” a formar esses futuros profissionais.

Com exclusividade aos repórteres Camilo Mota e Maria Ferreira dos Santos, a jornalista do UOL Juliana Dal Piva aconselhou aos profissionais em pré-serviço para não terem pressa de trabalhar. “Aproveitem muito esse momento para estudar porque vai chegar a hora montar a mão na massa”, esclareceu Dal Piva.

O conselho de Juliana aos estudantes de jornalismo junta-se com as dicas dadas pela Adriana Farias em sua conta no instagram @jornalismoinvestigativo9. Ambas as profissionais estavam como palestrantes na conferência, Farias disse que foi uma honra ter recebido o convite para participar, pois para ela esse é o congresso mais importante da área e, consequentemente, o mais esperado.