
Nos últimos anos, a figura do influenciador digital - pessoas que produzem conteúdos sobre determinado tema em redes sociais, como o Instagram ou YouTube, muitas vezes conquistando fãs que seguem seu trabalho e publicações - se popularizou na Internet, ganhando cada vez mais espaço. A maior parte dos influenciadores populares é branca, enquanto os negros, minoria.
A atriz, youtuber e podcaster Patrícia Rammos, dona do canal “Um abadá para cada dia”, faz parte desse grupo de influenciadores negros. Baiana de nascimento, ela começou sua carreira no teatro. “Durante anos pensei, erroneamente, que não tinha tanto espaço nesse meio porque fazia parte do campo de trabalho altamente competitivo”, conta, em entrevista por e-mail.
A influenciadora comenta que ser negra foi um entrave para conseguir papéis, tendo sido esse o impulso final para se tornar produtora cultural, seguindo na carreira de influencer, poderia produzir os próprios trabalhos, “sem esperar pelos convites”.
A criação do canal veio após a mudança de Rammos para a Califórnia, nos Estados Unidos: “Quando me mudei para os EUA, percebi que poderia fazer tudo que eu estava a fim através da internet e decidi criar meu canal”. Ela não se restringiu apenas a discutir questões raciais, buscando compartilhar leituras, séries, filmes etc. com protagonistas negros. “O meu trabalho é o meu veículo mais potente de expressão”, afirma.
Rammos não busca “ensinar” seu público como influenciadora: “É um trabalho de identificação. Que as pessoas me vejam como uma parceira, não como uma professora. Essa tarefa eu deixo para outros influenciadores altamente capacitados que, inclusive, sigo”, afirma. Ela utiliza suas plataformas como meio de comunicação entre ela e o público: “É uma troca, onde transformo e sou transformada, empodero e sou empoderada. Compartilho coisas e depois eles vêm me contar o que acharam, se concordam... Saber que, pelo menos, uma pessoa se sente mais forte a partir do que expresso, me deixa feliz demais!”.
Ela acrescenta que acredita ter o impacto como objetivo seria “muito pretensioso” de sua parte, mas que “seria hipócrita se dissesse que, quando isso acontece, não fico contente”. Refletindo as próprias experiências, enfatiza que seu trabalho “é fazer que as pessoas entendam, por exemplo, que racismo não é só chamar o coleguinha de macaco, mas invisibilizá-lo também. Por isso, falo sobre compartilhar e consumir o que nos contempla. Essa é a minha ideia. Nos mostrar possíveis e visíveis, sem ter que pedir licença e/ou desculpa para existir.”
Rammos segue dizendo que a inserção de negros como influenciadores é “tímida e algumas vezes equivocada”, e que “ainda assim, os autodenominados antirracistas acham que é nossa obrigação aceitar qualquer convite e/ou trabalhar sem remuneração. É quando todos se acham nossos salvadores e que só o fato de nos "dar" visibilidade, já é pra nos sentirmos felizes e agradecidos”, mas ressalta que “o bom é que a gente tem se fortalecido através da gente mesmo também. E esse movimento é visto inevitavelmente. Cada um encontrando o seu pequeno quilombo. Um empurrando o outro, se juntando a outros, com ideias e movimentos parecidos aos seus.”
Apesar dos dados divulgados pelo IBGE, em 2018, indicarem que negros são maioria nas universidades públicas do país (50,3%), auxiliados por ações afirmativas, a população negra segue sub-representada, já que corresponde a 55,8% dos brasileiros. No ambiente profissional, negros são minoria em cargos de chefia, ocupando somente 10% dos altos postos.
Constitucionais desde agosto de 2012, as cotas raciais são ações afirmativas que alavancaram o número de negros e pardos e pretos nas faculdades. Desde os anos 2000, quando a primeira cota para estudantes de escolas públicas foi aplicada pela UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), até 2017, o número de negros e pardos que concluíram a graduação saltou de 2,2% para 18,3%.

“Eu creio que as cotas raciais sejam uma reparação histórica, uma espécie de pedido de desculpas. Uma hora não vai ter mais o que reparar, mas esse dia ainda não chegou”, afirma Rayan Garcia, estudante negro da UFF (Universidade Federal Fluminense) que fez uso de cotas sociais para passar em duas universidades federais.
Garcia diz que preferiu não fazer uso de cotas sociais por conta das comissões de heteroidentificação, que, de acordo com ele, “servem pra faculdade decidir se você é negro ou não”. Em entrevista à AGEMT, o estudante relata que diversos amigos com características étnico raciais negras não foram aceitos por tais comissões. “É a única coisa negativa que eu vejo em cotas raciais. É muito arbitrário, chega a ser racista, por isso eu optei por usar a cota social.”
Para Garcia, as cotas são um importante projeto de inclusão social, que expõem um grande problema no sistema educacional do país. “Fica escrachado que a educação básica não é boa e que um aluno que estuda custeado pelo governo precisa de cotas pra conseguir ingressar em uma faculdade, principalmente as federais.”
O jovem ressalta que já esteve dos dois lados, pois antes de passar na prova de ingresso do colégio federal “Pedro II”, ele estudava em um colégio privado.
“Tenho a visão dos dois lados e posso dizer que é totalmente diferente. Enquanto os colégios privados são completamente focados em concurso e passar alunos nos vestibulares, dentro da escola pública você tem outra vivência, uma pegada mais dinâmica, com aulas que seguem mais os princípios do Paulo Freire. Mas não é uma dinâmica pra passar no ENEM, sabe?”
Na perspectiva da Professora Samara Carvalho, a ampliação de políticas afirmativas que possibilitam o ingresso mais democrático de negros em instituições de ensino superior é um dos meios de “diminuir o abismo social que existe entre brancos e negros no que diz a respeito do acesso à universidade”.
Mestra em Ciências Sociais pela UNESP (Universidade Estadual Paulista), Carvalho compreende a imprescindibilidade das cotas raciais nas universidades brasileiras, argumentando que em uma estrutura social como a do Brasil, o acesso a educação de qualidade ainda é um privilégio.

“Outra questão importante, ao meu ver, é de que quando você muda o público frequentador da universidade pública, que concentra a maior parte das pesquisas no país, você muda aquilo que é pesquisado. Não é apenas o acesso, mas é o repensar tudo o que a universidade estuda e como ela devolve isso para a comunidade”, explica a professora para a AGEMT.
Carvalho ressalta que as cotas são fundamentais para além dos limites universitários, sendo uma política transitória e que deve ser adotada em outros setores da sociedade.
De acordo com dados divulgados pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), no segundo trimestre de 2020, a população negra foi a mais afetada pela pandemia de COVID-19. A taxa de desemprego entre negros foi 71,2% maior do que entre brancos, sendo essa a maior diferença da série histórica do Instituto, desde 2012.
Em setembro desse ano, o Magazine Luiza anunciou um processo seletivo exclusivo de treinamento e admissão de trainees negros, buscando uma maior diversidade racial na ocupação de cargos de liderança da empresa. A divulgação do programa repercutiu na internet, principalmente no ambiente das redes sociais, em que muitos consideraram a ação como uma prática de racismo reverso.
No entanto, Carvalho rebate esses comentários, afirmando que “não existe racismo reverso. O racismo é estrutural. O branco é visto como demarcador de status quo. Se ele é o demarcador, a questão racial não faz parte do entendimento dessas pessoas, então não faz sentido falar em racismo reverso”.
“Quando as pessoas criticam essa iniciativa do Magazine Luiza, afirmando ser racismo reverso, elas não estão tendo uma dimensão coletiva do problema que é o racismo e do nosso histórico colonial escravagista”, acrescenta a Mestra.
Carvalho complementa sua explicação, afirmando que as políticas afirmativas são transitórias, pois o objetivo dos atos é, em um intervalo de uma geração (aproximadamente 30 anos, segundo a Mestra), dar para um grupo a possibilidade de igualdade e melhoria de vida.
“As cotas não ferem o princípio da igualdade, porque a base do direito é promover, por meio da lei, condições de equidade. Se as pessoas competem de forma desigual, cabe ao sistema jurídico possibilitar estratégias para que as pessoas consigam ter o mesmo acesso”.
As batalhas de rimas são um movimento cultural, que consiste em duelos em que mestres de cerimônia se enfrentam através do improviso (rimas feitas na hora), ganhando quem tiver a melhor criatividade. No Brasil já se destacaram diversos MC’s através das batalhas de improviso, como Emicida, Projota, Orochi. Esse também é um caminho para jovens periféricos negros acharem um rumo para a vida e para a própria autoestima, muito por esse movimento ser proveniente da cultura negra, esses jovens se identificam e passam a entender o próprio valor.
Para Vitor Nascimento Souza, 18, conhecido como SETE MC que trabalha como ajudante em uma gráfica, as batalhas de rima o influenciaram muito em sua autoestima como um jovem negro: “Eu não sei o que eu seria sem as batalhas de rima. Antes eu era só mais uma pessoa normal, mais um jovem negro. Com certeza as batalhas elevaram a minha autoestima, elevaram meu caráter, minha rapidez para passar por qualquer situação.”
SETE conheceu as batalhas por um meio não muito convencional, através de uma igreja. “Quando eu era menor, cheguei a ver algumas batalhas pelo ‘YouTube’, mas a primeira que fui foi em uma igreja. Lá foi minha primeira batalha, a batalha do ‘In time’ e de lá eu nunca parei”.