Tribunal Permanente dos Povos julga Jair Bolsonaro por supostos crimes contra a humanidade.

A primeira sessão de julgamento traz relatos e dados sufocantes quanto à realidade de enfermeiros na linha de frente contra a pandemia e quanto às vidas que poderiam ter sido salvas.
por
Artur dos Santos
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24/05/2022 - 12h

 

Nesta terça feira, 24/05, foi sediada no Salão Nobre da Faculdade de Direito da USP no Largo São Francisco, a primeira de duas sessões do Tribunal Permanente dos Povos que, além de contar com um júri internacional, tem como objetivo o julgamento de Jair Bolsonaro por crimes contra a humanidade.

 

Criado em 1966, o Tribunal Permanente dos Povos (TPP) teve em sua primeira sessão o julgamento dos crimes cometidos pelos Estados Unidos durante a Guerra do Vietnã. Sediado em Roma, este também já teve outras duas sessões realizadas no Brasil que trataram de crimes cometidos durante a Ditadura Militar e crimes ambientais no Cerrado, esta última no ano passado. É um tribunal de caráter opinativo que durante dois dias, acusará Jair Bolsonaro de supostos crimes contra a humanidade, porém sem a aplicação de penas.

 

A sessão desta terça feira teve como Júri 12 personalidades internacionais e, como acusadoras, três entidades que representaram a população indígena, a população negra e profissionais da saúde - três classes particularmente afetadas pela pandemia do Coronavírus.

 

Shirley Morales, presidente da Federação Nacional dos Enfermeiros, foi representante dos profissionais de saúde presentes na sessão. Afirmou, em seu discurso, que “enfermeiros foram jogados nos hospitais sem formação e sem conhecimento” e que foram impedidos de tirarem folga durante os meses mais pesados da pandemia. Também relatou que dentro dos hospitais era realizada uma “hierarquização da vida” e acrescentou que quando chegaram as vacinas, os trabalhadores já invisibilizados, dos quais 70% são mulheres, não foram imunizados.

 

Além disto, disse emocionada, que o que se via nos corredores de hospitais eram cenas de guerra, cenas de uma política que presou por assassinar a população. Contou de colegas de trabalho que se suicidaram durante os turnos e que o governo tentou omitir quem estava morrendo dentro dos hospitais. Concluiu dizendo que o medo os assolou, mas não os paralisou.

 

Em conversa com a Agência Maurício Tragtenberg (AGEMT), Morales diz que tratar do julgamento dos crimes de Bolsonaro contra a humanidade no Tribunal Permanente dos Povos é necessário, pois “nós, enquanto população, precisamos que a exposição desses atos venha a prevenir futuras repetições de atitudes como as deste governo federal”.

 

Jurema Werneck foi outra oradora na sessão. Representando a Anistia Internacional Brasileira e a população negra do Brasil, abriu seu discurso dizendo que “mortes evitáveis têm culpas atribuíveis”. Revelou que no primeiro ano de pandemia, o Brasil teve um excesso de 305 mil mortes e que, por observação ao que acontecia no mundo, já havia a compreensão do que deveria ser feito no país.

 

Disse que com uma política de distanciamento social eficiente, 40% da contaminação no país cairia e que 120 mil vidas poderiam ter sido salvas. Nos primeiros quatro meses da pandemia no Brasil, segundo Werneck, 20.642 pessoas morreram em unidades de atendimento pré-hospitalar. Para a representante da Anistia Social (além de única pessoa negra admitida a falar durante a CPI da Covid), o “governo federal ainda deve muito e ainda há vidas a serem salvas".

 

Após o término da sessão, quando entrevistada pela AGEMT, Werneck comentou que tratar sobre estas questões representa uma pressão política que, estrategicamente, é o início do processo de responsabilização do governo federal pelas mortes evitáveis durante a pandemia. Para ela, essa etapa representa a esperança de que a repercussão dessas injúrias feitas contra o povo brasileiro cheguem às instâncias jurídicas capazes de penalizar as pessoas culpadas.