Os dois cigarros de Lula

Os caminhos cruzados de Claúdio Silva e do ex-presidente, operários que firmaram sua história em fumaça e luta.
por
Gabriela Costa
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19/11/2020 - 12h

“Minha história não é muito interessante, você não quer pedir para outra pessoa?”, me pergunta meu tio, Cláudio Silva de Souza (57 anos) – ou Claudinho, como ele é chamado – quando pedi que contasse como conseguiu ganhar dois cigarros do ex-presidente Lula. Na verdade, o que ele não sabia é que não existe história boa ou ruim, o que a torna interessante é sua narrativa. 

Em 1992, Ângela Guadagnin era candidata à prefeitura de São José dos Campos pelo PT (Partido dos Trabalhadores) e Lula foi até a cidade para apoiar a futura prefeita. Mesmo tendo perdido a eleição de 1989 para presidente, ele ainda era um dos nomes mais influentes de oposição no país e o seu partido ganhava cada vez mais destaque.  

Meu tio conta que pelo Vale do Paraíba, região no interior do estado de São Paulo, muitos candidatos fortes do PT começaram a aparecer e Lula veio demonstrar apoio a cada um deles. Foi ao comício da Ângela fazer um discurso e Claudinho estava lá com sua filha, que tinha apenas alguns anos de idade. “Eu levava a Maiara no colo para todo lado, já fomos até num show da Rita Lee juntos”, diz.  

Quando Lula terminou sua fala, desceu do palanque e meu tio estava ali, bem pertinho de onde ele passava. “Eu pedi um autografo, mas aí estava o problema: eu não tinha levado papel. O Lula tirou a caneta do bolso e eu falei para escrever na mão da Maiara. Fiquei tão nervoso que nem me lembrei de pedir para ele escrever na camiseta e depois, quando a gente chegou em casa, ela teve que lavar as mãos”, conta. 

Depois de autografar a mão da minha prima, Claudinho decidiu se aproveitar dele um pouco mais. Vendo que o político tirava um cigarro do bolso, ele brincou: “Opa, me dá um cigarro aí!” e ficou surpreso porque “não é que ele deu mesmo? Tirou dois da caixinha e me entregou. Peguei um e acendi, ao mesmo tempo em que ele acendia o dele. Fumamos juntos”, finaliza. 

Hoje em dia, o Lula já não fuma mais, depois de um câncer na laringe, em 2011, e meu tio também parou, mas ele nunca se esqueceu do gosto. “O segundo cigarro eu queria guardar, mas não resisti. Demorei mais de mês pra poder fumar, porque pensei ‘vou guardar né?’, mas ele era tão gostoso. Eu parei de fumar, mas eu nunca fumei um cigarro tão bom. Era diferente, acho que não era nacional, não. Vinha numa caixinha, eram pequenos e pretos”, ele recorda. 

“Tá vendo só? Se você tivesse guardado o outro cigarro, agora tinha um para mostrar, mas você não se segurou!”, observa minha tia, Sônia, dando risada durante a nossa conversa que, vinda de uma boa família mineira, foi acompanhada de cafézinho e pão de queijo. Claudinho nasceu em Itamonte, uma cidadezinha no sul de Minas Gerais, mas saiu de lá com poucos meses de vida e veio para São José dos Campos, de onde nunca mais saiu. 

Meu pai conta que a vida não era muito fácil: depois de se mudar para o Vale do Paraíba, a família morou em várias casas diferentes, porque não tinham dinheiro para pagar o aluguel, então esperavam vencer o primeiro mês e depois saíam. Claudinho confirma essa história: “A gente era despejado mesmo, com o oficial de justiça batendo na porta. Era uma situação muito difícil, eu tinha muito dó da minha mãe.” 

“Sabe aquelas histórias que você ouve na televisão, sobre um jogador de futebol, por exemplo, que ele era bem pobre, passava fome? Então, a nossa é igual”, meu tio resume. Hoje em dia, a situação melhorou e Claudinho conseguiu se aposentar, no primeiro governo Lula, por tempo de contribuição.  

“Eu era peão de fábrica mesmo”, ele conta. Começou a trabalhar com 14 anos, no SENAI, e sempre em empresas que fabricavam válvulas para as indústrias de petróleo. O último lugar em que esteve empregado foi a Cameron Schlumberger, onde fazia a manutenção desses produtos. “Eu rodei o Brasil inteiro, indo nas plataformas da Petrobras, principalmente. Não era o que eu queria ter feito na vida, mas eu adorava trabalhar lá.” 

Cláudio Silva e Luiz Inácio Lula da Silva possuem mais algumas semelhanças na vida do que apenas o sobrenome: ambos são os sétimos filhos e tiveram que sair de sua cidade natal para buscar melhores condições. Começaram a trabalhar cedo, inclusive da mesma maneira: mecânica no SENAI. “Ele foi peão de fábrica também, como eu. Acho que por isso ele é uma inspiração. Foi de peão de fábrica a presidente”, Claudinho aponta. 

Entre altos e baixos, ele acredita que muito do que conquistou foi por causa das políticas trabalhistas implementadas por Lula, não só como presidente. “Ele ajudou a fazer a Constituição de 1988 também. Acho que, entre tantas coisas, ele significava direitos, principalmente trabalhistas”, Claudinho lembra.  

Hoje, quase 30 anos depois do episódio, meu tio ainda se lamenta de não ter guardado o segundo cigarro e de ter lavado as mãos da minha prima, mas diz que, mesmo sem provas concretas, a história é verdadeira: “Se tivesse internet na época, era só tirar uma foto e todo mundo ia acreditar”. Quem sabe, da próxima vez, ele não se lembra de levar um papel quando for pedir um autografo? 

      

Uma fotografia em preto e branco de meu tio Claúdio sorrindo atrás de uma parede de tijolos
Meu tio Claudinho. Foto: Gabriela Costa

 

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