O lado escuro da moda

“É fácil criticar a Shein e não o sistema na qual está inserida”
por
Isabela Lago, Ramon de Paschoa e Tabitha Ramalho
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06/04/2021 - 12h

A indústria da moda é considerada a 2ª mais poluente, por conta das fibras têxteis, como o poliéster que é derivado do petróleo e do algodão produzido com fertilizantes. Impactam em grande emissão de gás carbônico, alto gasto de água e poluição dos mares e oceanos. Com o surgimento do Fast Fashion, a produção de roupas foi acelerada, passando a ter 52 coleções anualmente, essas tendências permitem que o consumidor compre roupas de outono mesmo estando na primavera.

"A moda de uma hora pra outra virou 180º” diz a influencer do app “TikTok” Bruna Zanesco, já que a pandemia fez com que algumas peças de roupa voltassem à tona como por exemplo o tie dye, técnica de tingimento em tecidos, ele foi de esquecido para amado e esquecido de novo”.

A utilização da mão de obra escrava, vinda, principalmente, dos membros dos Tigres Asiáticos, como Bangladesh e Vietnã, é presente em muitas lojas, por sua mão de obra barata.

O aumento do consumo de roupas é originado pela moda rápida, preços baratos, peças diferentes, a compra de “preciso” passa a ser “quero”, motivada pelo impulso de estar acompanhando as novas tendências ao invés de comprar por necessidade. Com a prática iniciada em 1970, o conceito de moda rápida surgiu após a proibição do comércio de petróleo nos Estados Unidos e em alguns países europeus, isso fez com que as empresas têxteis pensassem em uma nova estratégia para sair da crise e conseguirem escoar a produção.

Em março de 2020 a pandemia de Covid-19 causou quarentena e lockdown em quase todos os países, mas o mercado da moda se manteve, as compras online cresceram no Brasil. Segundo o Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic), que realizou estudos e fez pesquisas comparando o público e a procura por compras onlines, houve um aumento que passou de  39%, em 2018, para 70%, em 2020.

A influencer Zanesco conta que a marca Shein forneceu tendências e colocou tudo em seu site por um preço barato, “as pessoas vão comprar mesmo porque elas querem estar na moda”. Essa transição no mercado fez com que as lojas acompanhassem as tendências e quem pegou mais rápido e barato teve uma ascensão maior.

Assim como Bruna, Maria Eduarda Mazurega, estudante de moda da Faculdade Santa Marcelina em São Paulo, diz que muitas pessoas estão comprando na Shein e algumas blogueiras estão ajudando nisso, “uma das questões é que os produtos são baratos mas não são duráveis (...) A Shein produz muita coisa. De onde essas peças vêm e da onde são fabricadas? Quantas pessoas por trás delas não estão sofrendo e quanto elas ganham para produzir?”.

Para a jornalista, Iara Vidal, esse consumo na pandemia é um enigma, “o que as pessoas fazem com roupa nova dentro de casa?”. Sobre as questões das vendas e produções em massa, ela diz que é muito simples atacar a Shein e esquecer do mercado no qual está inclusa. “Não sei porque as pessoas escolhem essa ou aquela se todas estão inseridas em um sistema que está errado”.

Vidal faz parte do movimento Fashion Revolution desde 2017, em 2018 tornou-se representante em Brasília. “A minha questão é política, eu levei o Fashion Revolution para dentro do Congresso Nacional, para discutir as políticas públicas.”

Iara Vidal, representante do movimento Fast Revolution (Foto: acervo pessoal).
Iara Vidal, representante do movimento Fast Revolution (Foto: acervo pessoal).

 

O movimento surgiu logo após a queda do edifício Rana Plaza, Bangladesh - um dos principais países onde a mão de obra é voltada para a produção têxtil -, em 24 de abril de 2013, causando mais de mil mortes. O prédio possuía uma fábrica ilegal de producação que abasteceria, na época, marcas como PriMark e H&M entre outras lojas do Grupo Benetton.

A catástrofe chamou a atenção mundial e marcou o Dia da Revolução da Moda. Na semana do dia 24 de abril acontecem palestras de conscientização sobre a moda, ambiente e ética, com o principal objetivo: a busca pela transparência do modo de produção, alertar sobre as condições precárias que os trabalhadores vivem e o questionamento "quem fez as minhas roupas?"

Uma nova pergunta foi levantada pelo movimento “do que são feitas minhas roupas”?. Iara explica que a fibra do poliéster é a mais utilizada, sendo uma das principais agressores ao bioma marinho, “todas as vezes que lavamos uma roupa que é de poliéster, ela solta algum microplástico”, o algodão, sendo a segunda mais utilizada, é responsável por quase ⅕ do uso de agrotóxicos do mundo, principalmente o algodão transgênico.

 “Se a gente não sabe quem fez e do que é feito as nossas roupas, não terá mudança”, ressalta Vidal, que acrescenta que é preciso pensar no impacto no ambiente e na vida do trabalhador, sobretudo, a trabalhadora, sabendo que a mão de obra feminina representa cerca de 80%.

Fábrica de roupas em Daca, Bangladesh (Foto: Tareq Salahuddin/Wikimedia Commons)
Fábrica de roupas em Daca, Bangladesh (Foto: Tareq Salahuddin/Wikimedia Commons)

Tema levantado por Iara, a moda sustentável, métodos e processos de produção que não são prejudiciais ao meio ambiente, a jornalista diz que se angustia ver toda semana surgir uma nova marca com esse ideal. “Aí eu pergunto pra vocês, o que é moda sustentável? As pessoas precisam de seu sustento, mas todas estão inseridas no meio capitalista, mesmo a moda plus size, a-gênero”. 

Tanto Bruna como Maria Eduarda dizem que a moda sustentável existe, mas logo afirmam que é um produto caro e acaba sendo menos acessível para pessoas de baixa renda. “Seria um caminho ideal se toda a cadeia de produção entrasse na mesma pegada”, diz Bruna.

Apesar das alternativas sustentáveis e das propostas de visibilidade no processo de produção serem pautas amplamente populares entre ativistas da moda, a possibilidade de um fim da moda rápida ainda é distante.

Projetos de mobilização sobre moda rápida levantadas por coletivos como o Fashion Revolution e debates sobre o consumo de roupas, cada vez mais em alta nas redes que a incentivam como Instagram, TikTok e Facebook, são movimentações relevantes para que haja conscientização. Representante da geração mais jovem, Duda afirma que vê muita gente mudando e se utilizando mais de brechós e peças duradouras. 

Giorgio Armani propõe para Women's Wear Daily que a diminuição do ritmo de tendências seria a última saída para a moda. No entanto, o estilista está inserido numa cadeia de produção de grife, que não se sustenta em larga escala como a fast fashion. Sobre o fim dela, Bruna Zanesco afirma: "A fast fashion não acaba, mas tem que ser mais consciente”.

“Por que precisamos de uma revolução na moda?”. Gráfico: Fashion Revolution
“Por que precisamos de uma revolução na moda?”. (Gráfico: Fashion Revolution)

 

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