A importância do fotojornalismo durante a crise do Coronavírus

Durante a 42ª Semana de Jornalismo, profissionais ressaltam tensão e cautela ao fazerem seus registros.
por
Georgia Barcarolo e Lara Guzzardi
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24/09/2020 - 12h

 

“As pessoas perderam a renda, não conseguiram pagar o aluguel, ainda mais em época de pandemia”, diz Ina sobre esta foto. (Divulgação: Ina Henrique Dias)

“O 4º Poder na Era 4.0” é o tema da 42ª Semana de Jornalismo, que acontece dos dias 21 a 25 de setembro. Organizada pelo Centro Acadêmico Benevides Paixão, a atividade reúne profissionais da área da comunicação para debater o papel da mídia nesse período de pandemia. O evento, transmitido online, é aberto ao público.

Na mesa de terça-feira à noite (22), a discussão girou em torno da importância do fotojornalismo durante a crise do Coronavírus. Contando com a presença de Yan Boechat (BAND), Ana Carolina Fernandes (Everyday Brasil) e Ina Henrique Dias (Afrometria), sob o título “Do documental ao artístico: O papel fundamental do fotojornalismo na pandemia”, abriu com uma indagação: em que medida a expressão, de caráter subjetivo, informa?

Ina Henrique Dias abriu a mesa falando sobre sua trajetória na fotografia e sobre os desafios de ser uma mulher periférica no meio jornalístico. Ina começou a fotografar em 2012 por hobby. Posteriormente, fez um curso técnico em fotografia no SENAC e partiu para a fotografia documental. “A fotografia de rua e a documental são os estilos que mais me atraem, pois se você perde um instante a cena muda, temos que mudar o foco sempre, e isso para um fotógrafo de rua é essencial e estimulante”, afirma. 

As últimas fotos que registrou são de moradores de rua no centro de São Paulo durante o “novo normal”, termo utilizado para explicar as mudanças incorporadas no cotidiano oriundas da pandemia. Segundo a fotógrafa, o trabalho documental foi feito de forma cautelosa. “Tentei ser o mais discreta possível. Não expor demais a pessoa porque ela já está exposta.”

 

Foto da primeira série sobre a pandemia do coronavírus no Rio: "O Silêncio ao Redor". 29.03.2020, Praia de Ipanema, Rio de Janeiro. (Divulgação: Ana Carolina Fernandes)

Exposição e hostilidade foram temas recorrentes na mesa. Os três convidados concordam ao afirmar que a pandemia e as crises econômica, política e ambiental geram esse medo na população, e documentar mesmo estando na era da comunicação se torna difícil quando há essa barreira. 

Ana Carolina Fernandes é formada em Fotografia pela Escola de Artes Visuais do Parque Lage e já passou pelas redações do Jornal do Brasil, Agência Estado e Folha de S. Paulo. Depois que saiu da Folha começou a fotografar de forma mais poética, em preto e branco, e teve várias imagens publicadas. Durante o debate, a fotógrafa falou sobre a agressão que sofreu recentemente enquanto fotografava vendedores sem máscara no Ceasa e sobre situações delicadas, como enterros, em que as pessoas perceberam que estavam sendo fotografadas e reagiram mal. 

As fotos dela costumam ser voltadas para pautas sociais como a causa ambiental, o racismo, as religiões afro-brasileiras, a população periférica e as travestis. Hoje conseguiu encontrar uma maneira de conciliar seus projetos pessoais como fotodocumentarista e de atuar como fotojornalista na linha de frente em manifestações. Fez diversas fotos desde que a pandemia começou e recentemente lançou uma série chamada “O Silêncio Ao Redor” com fotografias que mostram vários lugares vazios em decorrência da quarentena. 

Irmãos Thiago Firmino e Tandy Firmino, Rio de Janeiro, Abril/2020. (Divulgação: Ana Carolina Fernandes)

Ana tem visitado regiões periféricas e registrado diversos momentos de solidariedade no combate ao coronavírus. Acompanhou os irmãos Thiago e Tandy Firmino, fotógrafos, guias turísticos e produtores na Favela Santa Marta, em sua iniciativa de comprar os equipamentos  de sanitização por conta própria e ajudar os moradores a higienizar a favela. “A única coisa bonita dessa pandemia é ver as pessoas se mobilizando”, comenta ela.

Quando o COVID-19 chegou ao Brasil, Yan Boechat se preparou para cobrir o período complicado que se instalaria em pouco tempo. Passou a ir às ruas diariamente após o primeiro óbito confirmado para achar histórias. Focou nas fotos de mortes em casa, situação que mostra um Brasil desassistido, e acompanhou o serviço de remoção de corpos.

100 mil mortos. A ONG Rio de Paz soltou mil balões vermelhos e fixou cem cruzes pela memória dos mais de 100 mil mortos pela COVID-19 no Brasil. Amanhecendo na Praia de Copacabana. Rio de Janeiro, 08.08.2020. (Divulgação: Ana Carolina Fernandes)

Repórter com 20 anos de experiência e passagens por veículos de imprensa como IstoÉ, Gazeta Mercantil, Valor Econômico, Boechat já esteve em zona de guerra e fez vários paralelos entre um cenário de pandemia e de guerra. Segundo o jornalista, houve facilidade das pessoas ao conceder uma entrevista em ambas as situações. “As pessoas tentam dar algum sentido para a morte nessas situações dramáticas e ficam muito abertas para contar suas experiências. Acabam vendo em nós jornalistas alguém que poderia dar voz aquela tragédia.” 

Ele acredita que a pandemia é só mais uma catástrofe como tantas no Brasil, talvez até menos violenta do que o genocídio da juventude negra nas periferias. Quando perguntado sobre o que seria mais difícil, cobrir uma pandemia ou uma guerra, Boechat afirmou que “são dois processos de trabalho diferentes, mas alguns elementos se aproximam um pouco. Em geral, você vai ver que as pessoas que têm mais recursos e mais contatos conseguem passar por isso mais tranquilo. A desigualdade social tem uma marca profunda.”

Os três fotojornalistas possuem a habilidade de ultrapassar os limites da arte e da reportagem, mesclando conceitos e registrando momentos históricos. Suas fotos não só dão visibilidade a tópicos que precisam ser iluminados, como também ajudam quem precisa de voz, já que por trás das câmeras esses fotógrafos são ativistas extremamente conscientes e sensíveis ao mundo que os cerca.

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