Ele disse que eu tinha "cor de cocô”, conta universitária

Lorrane de Santana Cruz, 19 anos , reconta sua primeira lembrança racista, vivida precocemente, aos 7, no primeiro ano do fundamental
por
Lídia Rodrigues de Castro Alves
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23/06/2022 - 12h

“Eu não entendia, por muito tempo não gostei de ser chamada de negra, eu dizia que era marrom escura, mesmo não querendo ser”, afirma Santana ao contar sobre a visão que tinha da sua cor de pele. O Brasil carrega na história, profundas marcas de sua colonização, mesmo com mais da metade da população brasileira se declarando “não branca”, a dificuldade do autoconhecimento e reconhecimento da pessoa preta na sociedade é presente no país que matou e continua matando um cidadão preto a cada 23 minutos, dado que é apresentado por pesquisa feita pelo G1. O racismo brasileiro é estrutural e a segregação começa cedo.

Na linha de frente do combate a discriminação, os coletivos antirracistas ganham força no âmbito social e acolhem os que são marginalizados pela branquitude. A estudante relata que logo após o massacre na escola de Suzano, em que dois atiradores, ex-alunos, mataram cinco discentes e dois funcionários, sentiu a necessidade de criar um grupo para combater o bullying, porém ao desenvolver o projeto, pensou no racismo e assim foi criado um coletivo “para aproximar as pessoas pretas do colégio, para contarem suas vivências e angústias”, e até que “foi bastante gente” exclama Santana. Muitos professores se animaram com a iniciativa, que deu espaço a relatos de alunos que eram abordados pela polícia na volta da escola, docentes que presenciavam situações de racismo com seus discípulos dentro de mercados e outros casos.

O preconceito racial, vem acompanhado do elitismo e da visão de superioridade do criminoso. Na infância, a estudante tinha o sonho de ser estilista e ao contar a uma professora, ouviu que poderia no máximo ser costureira, “ser estilista era para filho de rico”. A estereotipização das funções do corpo preto marca presença no mercado de trabalho. Pesquisas realizadas pelo IBGE, apontam que dentro da exclusão e desigualdade entre as mulheres, as negras são as mais afetadas, mais da metade delas são desclassificadas sem justificativas plausíveis nos processos seletivos. O machismo torna-se ainda pior, com um toque de racismo dos contratantes.

 O racismo muitas vezes é velado pelos que praticam e não compreendido pelas vítimas, assim como aconteceu com Lorrane, na sua primeira experiencia em memória. “Na época eu não entendia, eu não queria ser marrom escura, mas eu era. Não tinha o que fazer”, a entrevistada conta que imediatamente após sofrer a injuria do parceiro de classe, desabafou para a professora que afirmou que a aluna tinha que ter orgulho da cor de sua pele. Fala que marcou o início da compreensão da estudante, “depois de um tempo eu vi, que a pele é linda, eles que são babacas”.

Porém, o entendimento social não é o suficiente para tranquilizar quem sofre racismo, Santana diz ter alguns medos, odeia ir em lojas ou mercados com mochila, porque sempre acha “que vão colocar alguma coisa lá dentro, vão me incriminar”, quando sai na rua no frio, usando touca e blusa deixa o cabelo para fora, “para identificarem que sou mulher, já que homens negros morrem mais”. A estatística que a fala da entrevistada apresenta é chocante, civis do sexo masculino representam 80% dos homicídios no Brasil, tem mais que o dobro de chances de serem assassinados em relação aos homens brancos, índice que cresce rapidamente desde 2019, segundo CNN.

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