COP-26 decepciona e metas climáticas soam distantes

O evento realizado em Glasgow, na Escócia, prometia medidas mais assertivas contra o aquecimento global, mas deixa a desejar. Discursos trazem à tona condições de países que já sofrem com as mudanças climáticas.
por
João Curi
Anna Cecilia Nunes
Matheus Marcolino
Sônia Xavier
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18/11/2021 - 12h

Por Anna Cecilia Nunes, João Curi, Matheus Marcolino e Sonia Xavier

No dia 13 de novembro foi encerrada a COP-26, com previsão inédita da redução gradativa de subsídios aos combustíveis fósseis e do uso de carvão. A conferência foi sediada em Glasgow, na Escócia, e marcou a finalização do livro de regras do Acordo de Paris com a aprovação do artigo 6º, referente ao mercado de carbono.

Com quase 200 países signatários, o documento sofreu críticas quanto às reivindicações não atendidas de países em desenvolvimento, que clamam por justiça climática e recursos financeiros para ações preventivas. “As mudanças climáticas e o aumento do nível do mar são riscos mortais e existenciais”, discursou Simon Kofe, ministro de Tuvalu, em vídeo gravado de dentro do mar. “Estamos afundando, mas o mesmo está acontecendo com todos. E não importa se sentimos os efeitos hoje, como Tuvalu, ou daqui a 100 anos. Todos vamos sentir os efeitos mortais dessa crise global um dia”.

Ministro Simon Kofe, de Tuvalu, grava discurso para COP-26 de dentro do mar. (Reprodução/Governo de Tuvalu/Redes sociais)
Ministro Simon Kofe, de Tuvalu, grava discurso para COP-26 de dentro do mar. (Reprodução/Governo de Tuvalu/Redes sociais)

O relatório definiu o compromisso de “reduzir o uso de carvão e subsídios aos combustíveis fósseis”, após pedido de última hora da delegação indiana, com apoio da China e dos Estados Unidos, para substituir o termo “eliminar”, sugerido inicialmente. “Os textos aprovados são um compromisso”, disse o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres. “Eles refletem os interesses, condições, contradições e o estado das vontades políticas”.

 

Acordo de Paris

No dia 12 de dezembro de 2015, em reunião composta por quase 200 países, foi aprovado  o Acordo de Paris. O tratado substituiu o Protocolo de Kyoto, em razão de estar mais alinhado aos desejos das novas ideologias e nações. 

“O Protocolo de Kyoto tinha uma aplicação mais restrita, sendo aplicável aos países considerados desenvolvidos em 1997, e não tendo instrumentos de revisão que permitissem lidar com transformações no cenário econômico internacional”, explica Pedro Silva, pesquisador e doutorando em Relações Internacionais da PUC-Rio. “Isso excluiu, por exemplo, a China, que teve um intenso processo de industrialização e desenvolvimento, das obrigações relativas ao protocolo”.

Silva também afirma que o documento anterior considerava apenas a limitação do efeito estufa, ao passo que o Acordo de Paris tem por objetivo principal impedir a aceleração do aquecimento global, além da vantagem de ser aplicado a todos os países.

De acordo com um comunicado da OMM (Organização Meteorológica Mundial), publicado no início de 2021, os últimos seis anos foram os mais quentes da história da humanidade desde o início da “era industrial”, em 1880. Só no ano passado, o planeta registrou um aumento de 1,2ºC.

O tratado, em vigor desde 2016, estabelece medidas para o combate às mudanças climáticas; entre elas, limitar o aumento de temperatura global a 1,5ºC, aumentar o uso de fontes alternativas de energia, utilizar tecnologia limpa nas indústrias e diminuir os índices de desmatamento.

 

Mercado de carbono

O artigo 6º do Acordo de Paris se refere ao carbono como uma forma simples de nomear os gases que contribuem para o aquecimento global - já que o CO2, ou gás carbônico, é o mais comum desse tipo.

Tudo funciona como um mercado: existe a compra e venda de “créditos de carbono”, de acordo com a taxa de emissão de cada país. Aqueles que mais cortarem a emissão de CO2 terão direito a mais créditos e, consecutivamente, podem vendê-los por dinheiro real. Esta é uma estratégia para envolver mais o mercado, de forma a impulsionar as medidas climáticas.

Pedro Silva reforça a importância do envolvimento de empresários neste processo, mas teme que o financeiro se sobreponha ao ambiental e que a novidade não seja efetiva. “Isso [mercado de carbono] é defendido como mecanismo válido de política ambiental, mas, no fim, não viabiliza nem estimula nenhuma redução nos níveis de emissão de gases poluentes. Apenas tenta precificar as emissões”.

 

Maiores emissores de CO2

Os Estados Unidos e a China são os países com o maior acúmulo de emissões de gases de efeito estufa no mundo, considerando o período de 1850 a 2021, seguidos por Rússia, Brasil e Indonésia. Nos dois últimos, a maior parte das emissões vêm do desmatamento e do uso do solo para a agropecuária, ao contrário dos três primeiros colocados, que têm os combustíveis fósseis como principal fonte.

Em 2019, segundo análise do Grupo Rhodium, a China emitiu cerca de 2,5 vezes mais gases de efeito estufa do que os Estados Unidos. Em termos equivalentes de CO2, a gigante asiática emitiu 14,1 bilhões de toneladas métricas no ano analisado, o que equivale a um quarto das emissões totais do mundo.

Apesar da China ser atualmente o maior emissor, nenhum país lançou mais gases de efeito estufa na atmosfera do que o gigante capitalista Estados Unidos.  Isso se torna importante devido às emissões liberadas há centenas de anos, que contribuem para o aquecimento global ainda nos tempos atuais.

Mesmo sendo um país enorme com 1.4 bilhão de habitantes, as emissões per capita chinesas (10,1 toneladas) ainda foram menores, se comparadas às americanas (17,6 toneladas), em parte pela diferença no estilo de vida entre as nações. Os estadunidenses ganham mais dinheiro, possuem mais carros que consomem gasolina e voam mais do que o cidadão chinês médio, segundo o Relatório de Transparência Climática de 2021.

Gráfico da BBC indicando os países com maior acúmulo de emissões de 1850 a 2021
(Reprodução/BBC)

Os combustíveis fósseis representam 87% da matriz energética da China:  60 % carvão, 20% petróleo e 7% gás natural. Nos Estados Unidos, 80% da sua matriz depende também desses combustíveis, cerca de 33% vêm do petróleo, 36% do gás natural e 11% do carvão, de acordo com dados da Enerdata, empresa independente de pesquisa de energia.

A China hoje é a maior consumidora e produtora de carvão mundial. Não à toa o país pressionou por uma mudança-chave no texto final da COP 26.

 

Ainda há muito a ser feito

Os países signatários do Acordo de Paris se comprometeram a estabelecer Contribuições Nacionais Determinadas (NDC, na sigla em inglês), definindo metas para reduzir as emissões de gases de efeito estufa até 2030. Enquanto o principal objetivo é estabilizar o aquecimento global em uma temperatura “muito abaixo” dos 2ºC, as expectativas atuais chegam a 2,7ºC, em comparação com níveis pré-industriais.

Gráfico "Quanto pode piorar?", da BBC. Emissões e aquecimento global esperado até 2100, segundo dados da Climate Action Tracker.
(Reprodução/BBC)

“O problema é que nós temos uma lacuna de emissões entre uma carta de boas intenções dos governos, e o que é submetido por cada país na prática”, alerta a cientista e professora Joana Portugal, em entrevista à ONU News. “Nós estamos caminhando numa forma muito lenta, com passos de caracol, quando deveríamos estar pegando o trem-bala japonês”.

Em referência ao “Relatório sobre as Lacunas de Emissões 2021”, publicado pelas Nações Unidas em outubro deste ano, a coautora revela que foram avaliadas as metas e os compromissos firmados pelo grupo de países do G20, e que “nenhum deles têm metas ambiciosas e compatíveis com o Acordo de Paris”.

Com a Conferência do Clima em Glasgow, 124 delegações - 123 países mais a União Europeia - apresentaram novas metas para os próximos anos. Embora alguns países não tenham reforçado suas ambições, como México, Brasil, Austrália, Indonésia e Rússia, os demais membros do G20 submeteram NDC’s mais expressivas, segundo dados da Climate Action Tracker (CAT).

Das lacunas aos avanços históricos nas negociações climáticas, a aprovação unânime do documento não correspondeu à notável decepção de representantes com o texto final.

Ativistas também manifestaram duras críticas à conferência.

“A #COP26 acabou. Aqui está um breve resumo: Blah, blah, blah”, publicou Greta Thunberg em suas redes sociais. “Mas o verdadeiro trabalho continua fora desses corredores. E nunca vamos desistir, nunca”.