Como um “mico” em uma cobertura de novela virou pauta, 20 anos depois

De jornalista para jornalista: a história de uma cobertura atrapalhada
por
Nina de la Vega
|
26/11/2020 - 12h

“Tem certeza que essa história dá?”, meu pai pergunta, em referência à validade da narrativa a seguir como material noticioso. Eu digo que dá. Não é bem uma matéria de capa; é o tipo de soft news tão soft que talvez fosse passível de desembocar na página “Grandes manchetes do jornalismo brasileiro”. Mas é news, mínima que seja. Então, em frente.

A história é contada por Jefferson Alves de Lima, 45, editor de livros, a maioria deles sobre música. Mas ela não é sobre o editor. É sobre o Jefferson de 25 anos, repórter e fotógrafo – “essa última parte é importante”, diz – para o portal iG, e que, em novembro de 2000, dois anos antes do nascimento de sua primeira filha, que agora registra a história, era escalado para cobrir a estreia de uma novela.

“Novela da Record, com a Patrícia de Sabrit” é a primeira definição: uma breve pesquisa mostra o nome “Vidas Cruzadas”. A cobertura se daria acompanhando as gravações, que naquele mês ocorriam em um resort na Ilha de Santo Aleixo, em Recife (PE).

Parênteses: procurando o nome exato do lugar, encontramos uma nota da Folha de S, Paulo escrita na época – e, meu pai diz, durante a estadia da imprensa no local de filmagens, onde a história dessa reportagem se desenrola – que afirma que a ilha tem “fama de assombrada”. Diziam os rumores sobre uma arara que, no ano da nota, ainda morava ali, conversava com o espírito do falecido dono da ilha: um empresário que se suicidara em 1983, por “motivos financeiros”, e que trocava prosa com a ave em vida.

Prossegue a história principal: a imprensa, “entre fotógrafos e repórteres, umas 16 pessoas”, estava hospedada no tal resort com toda a equipe da novela – elenco, produção, direção etc. Ali permaneceram por quatro dias: no último, foi exibido o trailer da novela para a imprensa, em um auditório, com um espelho d’água na frente, “fundo até”.

É nesse dia em específico que, após tanta contextualização, a história de fato começa. 

No dia da exibição, a agenda dessas 16 pessoas mencionadas estava livre na parte da manhã, então foram à praia. As coisas começaram a acontecer no fim da tarde: o trailer é exibido, todos saem do auditório, e, é bom reiterar, meu pai estava fazendo texto e foto para a matéria do iG.

Digo isso porque a próxima ação da imprensa no local foi fotografar o elenco da novela de frente. Meu pai no meio. Ele começou a fazer as fotos e foi andando de costas, para conseguir tirar mais. “Quanto mais eles iam andando pra frente, mais eu ia andando pra trás”, diz.

É nessa hora que eu espero que o leitor se lembre de um detalhe de quatro parágrafos atrás. Na frente do auditório...

“Até que eu senti que o chão acabou...”

O espelho d’água. “Fundo, até”.

Risos do meu pai, 20 anos depois, interrompem o depoimento. Ele retoma.

“...e tomei um caldo!”

E mais risos. No presente e no passado: ele conta que, na hora, “a gargalhada foi geral” (e depois, logicamente, o socorro). Mas a única coisa da história que realmente sobrou foi o “mico”: a câmera que meu pai carregava, em si, não sofreu danos. Foram só a trapalhada de um jovem repórter, algumas boas risadas, e uma pauta para outra jovem repórter.

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