'Nosso marco é ancestral, sempre estivemos aqui' protestam indígenas contra tese do Marco Temporal.
por
Vitor Simas
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26/04/2024 - 12h

Na quinta-feira (25), uma marcha indígena tomou conta da Esplanada dos Ministérios, em Brasília. 

Povos de diversas etnias no Brasil fizeram com que todos ouvissem seus cantos e vissem seus cocares, demandando a demarcação das terras de seus territórios. Sob o lema "Nosso Marco é Ancestral: Sempre Estivemos Aqui!", a manifestação foi uma resposta à tese do Marco Temporal, que contesta a existência de terras tradicionalmente ocupadas por indígenas antes da promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988.

 

mulheres indígenas se preparando para a marcha - Foto: Vitor Simas
Mulheres indígenas se preparando para a marcha em Brasília - Foto: Vitor Simas 

Demarcação

Cerca de 200 povos, representados inclusive por mulheres e crianças, partiram do Acampamento Terra Livre (ATL), localizado no gramado do Eixo Cultural Ibero-Americano, antiga Funarte, em uma mobilização organizada pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) ao encontro das lideranças originárias com o presidente Lula, que na semana do dia 19 de abril, data alusiva à resistência dos Povos Indígenas, assinou decreto de homologação de apenas 2 das 14 Terras Indígenas, que havia prometido demarcar. 

Além do apoio da Apib, a mobilização recebeu o respaldo de três grandes movimentos sociais: o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), a Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (CONAQ) e o Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS).  "A luta pela terra não é só dos povos indígenas", afirmou Dinamam Tuxá, coordenador-executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).

 "O que estamos pedindo é o direito ao acesso à terra e ao território, não só dos povos indígenas, mas também de outros segmentos que fazem essa luta. Essa marcha marca um momento histórico dessa união de forças que lutam pela vida, que são todos os movimentos sociais que estão lutando e militando em favor da vida".

Eleições 

As lideranças indígenas ainda aguardam a confirmação de reuniões com grandes autoridades políticas, como o ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, e o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF) e Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A expectativa é que se possa discutir a cota de candidaturas indígenas nas eleições.

Os povos originários ocupam cerca de 13% do território nacional, com 724 áreas definidas como territórios indígenas. Além disso, esses povos somam aproximadamente 900 mil pessoas, reúnem 305 etnias diferentes e falam mais de 274 línguas. Contudo a quantidade de representantes indígenas na política ainda é muito pequena. Apenas em 2018, foi eleita a primeira mulher indígena no Congresso nacional, a deputada federal Joênia Wapichana (Rede-RR). 

Recentemente, já sob o atual governo do presidente Lula, houve a criação do Ministério dos Povos Indígenas, o que representa um passo importante na inclusão da pauta indigenista na discussão política do país. Classificado como algo “inédito e histórico”, a pasta tem como ministra Sônia Guajajara, eleita deputada federal pelo PSOL e primeira indígena na história a ocupar um ministério.

Desafios

Segundo dados da (Apib), houve um aumento alarmante de 44% nas invasões de terras indígenas e de 21% nos casos de violência contra essas comunidades em 2023.  Desta forma a demarcação das terras indígenas é fundamental para os povos indígenas por diversos motivos:

  • Proteção contra invasões e pressões externas: Os povos indígenas enfrentam constantes ameaças, como a exploração ilegal de recursos naturais por garimpeiros e madeireiros. A demarcação é fundamental para garantir a segurança territorial e a integridade das comunidades.
  • Redução da violência: O aumento alarmante nas invasões de terras indígenas e nos casos de violência contra essas comunidades evidencia a necessidade urgente de demarcação para proteger os direitos humanos e a segurança dos povos indígenas.
  • Preservação da cultura e identidade: As terras indígenas são espaços onde as comunidades mantêm suas tradições, línguas e práticas culturais. A demarcação é essencial para garantir a continuidade dessas culturas ancestrais e a transmissão de conhecimentos para as futuras gerações.
  • Conservação da biodiversidade: Muitas áreas indígenas abrigam ecossistemas ricos e diversos. A preservação dessas terras contribui para a proteção da biodiversidade e dos serviços ecossistêmicos essenciais para o equilíbrio ambiental e a sustentabilidade.
  • Respeito aos direitos indígenas: A demarcação das terras é um direito garantido pela Constituição brasileira e por tratados internacionais. Negar ou retardar esse processo é uma violação dos direitos humanos e da autodeterminação dos povos indígenas.

Em resumo, a demarcação das terras indígenas não apenas protege os direitos e a segurança das comunidades, mas também desempenha um papel fundamental na preservação da cultura, da biodiversidade e do meio de vida dos povos indígenas.

A aprovação da Lei nº 14.701/2023, lei do Marco Temporal, portanto, é um alerta vermelho à negociação da vida dos Povos Indígenas. Desde sua promulgação já foram registrados pelo menos  9 assassinatos de lideranças indígenas e mais de 23 conflitos territoriais. 

Enquanto não for declarada inconstitucional pelo STF, a mencionada lei permanecerá em vigor, gerando preocupação e insegurança para os povos indígenas do Brasil.

No Dia dos Povos Indígenas, ela debate sua história e as lutas de seus ancestrais
por
Luísa Ayres
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19/04/2024 - 12h
jaci
Jaci mostra sempre em suas redes sociais os eventos e festividades de seu povo / Reprodução: @jaci.martins_

Jaci Guarani é uma mulher, indígena, estudante bolsista e mãe de quase meia dúzia de filhos. Ela vem da etnia Guarani, e atua como militante das causas indígenas no estado de São Paulo. O nome de seu povo significa guerreiro, e talvez ela nunca tenha precisado ser tão guerreira quanto nos últimos anos. 

Segundo pesquisadores do Instituto Socioambiental (ISA), apenas no Mato Grosso do Sul, mais de 530 indígenas de sua etnia foram assassinados nos últimos 16 anos. Somado a isso, as invasões, a poluição ambiental, o estupro e a pedofilia a que são submetidos os indígenas, levam a pauta da demarcação de terras a ser uma das mais urgentes para os povos – não só pelo direito ao espaço, mas pelo direito à vida. 

Além disso, entre 2000 e 2020, houve um aumento de 167% nos números de feminicídio de mulheres indígenas, segundo o Instituto Igarapé.  

“A gente tá vendo que os não indígenas estão desmatando a Mata Atlântica, o pulmão aqui de São Paulo”, desabafa Jaci Guarani. Mesmo assim, nada parece ser forte o suficiente para abater a ancestralidade da neta de indígenas nômades, que saíram lá da fronteira do Uruguai. A caminhada foi longa, mas ainda não acabou. 

Akângatu

Jaci conta que seu avô ficou internado por 7 anos na Santa Casa. Nesse tempo, aprendeu a escrever e começou a anotar suas lembranças e ensinamentos em um diário, guardado por um Instituto que já não existe mais. Quer dizer, não existe mais no papel, mas resiste no coração de Jaci, que não só guarda histórias, mas as constrói. Afinal, neta da primeira mulher cacique do Brasil, ela garante que para seu povo “não existe só o homem”. “Se eu sou essa mulher que luta pela tekoa (aldeia), é porque essa mulher veio primeiro pra me inspirar”, garante ela. 

Apesar de todo o racismo, preconceito e machismo que enfrentou em sua vida, aprendeu na dor a força que tem a união. Foi contra a exclusão de tantas crianças indígenas que a avó de Jaci lutou pelo ensino regular dentro das aldeias, direito conquistado posteriormente em 2002. Apesar da educação euro centrada, a língua materna é de ensino obrigatório para as crianças de cada  tekoa. No seu caso, seu tronco linguístico é o Tupi, o que permite uma maior identificação entre os povos. 

“É preciso ter a língua materna e o ensinamento cultural voltado para a natureza, plantio e rituais ancestrais”, pontua Jaci, em um tom de preocupação, como o de quem não pode mais deixar que as lembranças e lutas de seu avô sejam novamente perdidos em papéis brancos, tão brancos quanto a pele daqueles que os silencia. A esses, talvez, tenha faltado o que para Jaci Gurani jamais faltou: “A gente aprende o respeito a todos os tipos de vida, o amor, o zelar, o estar cuidando”, conta, relembrando que aprender não e se limita a contas matemáticas e verbos de línguas estrangeiras. 

Além da educação, sua avó cacique também foi peça fundamental na conquista de postos de saúde para as aldeias, o que só aconteceu em 2005, apesar dos primeiros centros básicos de saúde no país terem sido criados por volta do ano de 1918. Não surpreende que as primeiras assistências, preocupações e direitos jamais sejam dados em primeiro lugar aos que já estavam aqui antes.  

aldeia
Casas na tekoa de Jaci, localizada próxima ao Pico do Jaraguá, em São Paulo / Reprodução: Jaci Guarani


Mãe Natureza

Jaci é mãe de 5 crianças. Ainda assim, para que pudesse tomar qualquer tipo de anticoncepcional, precisava da autorização de seu marido e de sua avó, que jamais concordou com essa ideia de pedir a ela permissão. “O corpo é dela, a decisão é dela. Não quero mais nenhuma mulher precisando de assinatura minha para não engravidar”, disse a cacique para todas as outras indígenas de sua tekoa naquela ocasião. 

Se para poucas decisões precisava da aprovação da avó, não a teve em uma de suas mais importantes. Jaci saiu da aldeia para casar-se com um não indígena. E quase deixou que a aldeia também saísse dela. 

“Eu não gosto que você vá para a aldeia ou que fale em idioma indígena”, dizia seu ex marido. Assim foi também com o nome de uma das filhas do casal, Taquá. Para ele, nada agradava ter uma descendente batizada com as  águas e ervas sagradas da floresta, abençoadas pelas divindades. Por isso, Jaci lutou muito pelo nome dessa criança. Não o de papel e documentos. O de alma. 

Outra parte da aldeia Guarani no Jaraguá. Para eles, é fundamental que as crianças brinquem e não reproduzam os vícios da internet e dos jogos / Reprodução: Jaci Guarani. 

Jaci conta que na hora que nasce uma criança indígena, um espírito vem à terra. O nome desse espírito, no entanto, só é sussurrado nos ouvidos do cacique cerca de 5 anos depois, se a criança ainda estiver viva, já que não se sabe se ela ainda estará feliz na terra ou se subirá antes aos céus. Esse nome, em todo caso, será o seu novo dali por diante. 

Pelo nome de suas filhas e pelo seu próprio, Jaci largou mão de seu  casamento e voltou à sua aldeia. Sem as repressões da sogra, sem as ofensas vindas do ex marido, apenas com a doçura daquilo que seu nome sempre significou. “Mel”. 

Nascida na região do pico do Jaraguá, terra demarcada em 1988, Jaci vive em uma aldeia de cerca de 1,7 hectares. Que deveria ser bem maior. 

O parque e as construções ao redor de sua casa, ameaçam a cada dia mais o seu povo. Para ela,  isso decorre de toda uma história de desprezo, violência e invasão, já naturalizados em nossa sociedade. 

“Nunca se falaram dos povos indígenas, nunca passamos na televisão”, protesta, chamando atenção também para o silenciamento e apagamento dessa luta.  

Tempo

Apesar disso, Jaci decidiu mostrar sua verdadeira face para quem quisesse olhar. E a quem não, paciência. A mesma enorme paciência que ela teve para acreditar que conseguiria se formar na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, a PUC, uma universidade das mais elitistas do país. 

Aqui, começa sua história com o Pindorama, programa de bolsas de estudo fornecidas a estudantes indígenas - mediante prova e obtenção de nota como em qualquer outro processo seletivo. Isso, 11 anos antes das cotas para estudantes indígenas serem de fato sancionadas no país. 

Ainda assim, como para qualquer outro estudante bolsista, estar lá dentro não significa pertencer, ser aceito ou visto da mesma forma pelos outros alunos. Guarani guerreira, batalhou muito, mas essa não foi uma das lutas, dentre tantas outras, que pode vencer naquele momento. 

“Você não tem tempo para estar aqui”, ouviu da sua professora. Falar de tempo para Jaci, porém, é complicado. Para ela, isso é coisa de gente branca. Gente essa que manda e desmanda nas universidades – que acha que sabe do tempo de cada um.  

Como quem já não se preocupava mais com tempo nenhum a perder, afinal já tinha perdido muita coisa nessa vida só por ser quem realmente era, Jaci desceu as rampas da universidade em lágrimas depois de escrever sua carta de desligamento da graduação. Naquele dia, não perdeu só tempo. Perdeu chances, perdeu suas forças e sua esperança. 

“Eu passo muito preconceito aqui na PUC. Eu ando pintada e o racismo já começa dentro do ônibus”, desabafou. Afinal, a trajetória de sua aldeia até sua universidade, não era dolorosa só pela longa viagem. 

Jaci está falando do tempo da mulher indígena, ainda que esteja sendo contado nos relógios do sistema capitalista, que só marcam as horas de des(matar) e exterminar. Esse não é o tempo da colheita, nem o tempo da fertilidade, tampouco o  tempo dos rituais e pedidos atendidos. Porque se fosse, Jaci saberia muito bem. E esse tempo, teria de sobra. 

Ainda assim, voltou a estudar nesse mesmo lugar anos mais tarde. Como se o tempo a tivesse dado forças para tentar de novo. Recebeu uma ligação de um dos padres da mantenedora da universidade que leu sua carta com todos os motivos que a fizeram desistir de estudar. E pela primeira vez na história, tornou-se uma estudante indígena aceita de volta no Programa Pindorama. Isso porque, dentre tantas centenas de indígenas que desistem da universidade, nenhum pode, pelo regulamento, voltar a estudar com sua bolsa depois da desistência. 

Segundo o Inep, as mulheres indígenas representam apenas 0,5% dos estudantes universitários. 

Mesmo assim, Jaci voltou. Como quem ressurge das cinzas, mas ainda sente as feridas arderem em fogo. Fogo vermelho como tinta de pau-brasil. 

Felizmente, a doçura que Jaci carrega no significado de seu nome não amargou. Quem sabe, dessa vez, Jaci consiga contar o tempo, ou melhor, contar ao tempo que ele é só uma abstração, porque tudo muda e a natureza muda junto. E que para isso, não existe tempo, existe união, amor e fé. Existe muita reza, muita força e muita festa. Existe um caderninho de memórias eterno de seu avô que o tempo jamais poderá apagar. E toda uma história que nem o tempo é capaz de mensurar. 

Se guarani significa guerreiro, Jaci é canto de guerra, disfarçado de amor, doçura e paz. 

Não falemos de tempo para Jaci. Falemos de Jaci em todo o tempo, para todo o mundo. 

Para que um dos povos mais antigos desse continente, com ainda cerca de 51.000 sobreviventes de todos os massacres e extermínios a que foram submetidos no Brasil, no Paraguai, na Bolívia e na Argentina, continuem fazendo da Terra um lugar melhor para se estar. Que tudo seja aldeia e que a aldeia a tudo resista! 

Nhanderu tenondeguiae

Jaikuaa nhanderekorã'i

Ãyreve jareko'i aguã

Ãyreveve hareko'i aguã

Ãyreve ãyreve. 

(Todas sabedorias que mantemos vem do nosso pai supremo e assim mantemos até hoje, e assim mantemos até hoje). 

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Jaci ressalta a importância das tradições e rituais de seu povo com orgulho / Reprodução: Jaci Guarani
Fala de Ailton Krenak foi destaque durante 13 aniversário da Pública
por
Kimberlly Ramos
Victória Rodrigues
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25/03/2024 - 12h

A Agência Pública completou 13 anos no último dia 13 de março. Em comemoração, organizou um evento na PUC SP, para debater “Condições Climáticas e o Antropoceno”, entre outros temas mais do que necessários. A celebração contou com a presença do ativista e escritor Ailton Krenak, o climatologista Carlos Nobre e a jornalista Daniela Chiaretti. Durante a conversa, Krenak trouxe uma importante reflexão, em que enfatiza o fato de as mudanças climáticas recentes afetarem principalmente os mais pobres. Confira no link

Referência nacional no jornalismo independente celebrou seu aniversário no Tucarena
por
Philipe Mor
Rafael Rizzo
Vitor Bonets
Arthur Rocha
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25/03/2024 - 12h

No último dia 13 de março, a Agência Pública comemorou seu 13 aniversário. O evento ocorreu no Tucarena e contou com a presença de personagens ilustres do cenário socioambiental e político. Giovana Girardi foi a responsável por mediar a mesa de debate, que tinha como convidados: Carlos Nobre, cientista ambiental; Daniela Chiaretti, jornalista de meio ambiente do jornal O Valor Econômico e Ailton Krenak, o mais novo imortal da Academia Brasileira de Letras.

O tema central da palestra foi o colapso climático e o antropoceno. Além disso, foram esclarecidas pautas importantes como o racismo climático, a desumanização social e a extinção de várias espécies. A conversa também buscou associar o jornalismo como ferramenta democrática e relacionar os impactos climáticos nesse tipo de modelo político. Confira tudo o que aconteceu nesse dia no YouTube

 

Em comemoração aos 13 anos da Agência Pública, o Tucarena recebe Ailton Krenak, Carlos Nobre e Daniela Chiaretti para discutir o "Colapso climático e Antropoceno"
por
Bianca Abreu
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25/03/2024 - 12h

O ativista indígena Ailton Krenak, o climatologista Carlos Nobre e a jornalista especial de meio ambiente do jornal Valor Econômico, Daniela Chiaretti, explicam como a crise ambiental e a política se entrelaçam. Além disso, chamam a atenção para o quanto é importante que todos, enquanto cidadãos, reflitam sobre suas próprias decisões em relação a essa pauta, que, segundo eles, é tão urgente. Confira a cobertura pelo TikTok. Direção: @biancao.producoes/ @brasilandiana
Áudio e imagens: @tvpucsp / @brasilandiana

 

O ‘desastre’ de Mariana tem cunho etnocida e ainda impacta a vida dos indígenas Krenak fazendo com que muitos costumes sejam modificados
por
Victória da Silva
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03/10/2023 - 12h

 

O rompimento da barragem do Fundão no município de Mariana (MG) aconteceu no dia 5 de novembro de 2015, sendo considerado o maior desastre ambiental da história do Brasil por muitos especialistas do meio ambiente. Contudo, para o povo Krenak o ocorrido ultrapassa os limites de ‘desastre’ e se configura como mais um episódio de luta dos indígenas no Brasil.

De acordo com a Secretaria de Estado de Meio-Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (SEMAD), os rejeitos devastaram o Distrito de Bento Rodrigues e conduziram-se em 55 km até o Rio Gualaxo, afluente do Rio do Carmo que é afluente do Rio Doce.

Área coberta de lama e rejeitos com algumas partes da natureza sem destroços e aparecendo árvores
Foto: Gustavo Basso / Reprodução InfoEscola

Geovani Krenak, líder indígena e vereador da cidade de Resplendor em MG, declara que o intitulado “desastre” deveria na realidade ser retratado como crime, já que foi por negligência da empresa Samarco, subsidiária da Vale, que a barragem cedeu. “É bom olhar os termos utilizados pra gente não reforçar a ideia de desastre, uma coisa mais no âmbito natural, nesse caso foi crime. Um crime premeditado, digamos assim”, afirmou.

Leonardo Alves da Cunha, professor de sociologia do IFSP campus São Miguel Paulista, fala sobre a relação do indígena com a natureza, a qual também se difere de acordo com cada povo. Também orientador do núcleo de estudos afro-brasileiros e indígenas da instituição, afirma que existe para os Krenak, uma ligação cosmológica, de ancestralidade e fixação no território: “A gente poderia chamar de conexão com a natureza no sentido de que eles não a pensam como um depósito de recursos, que pode ser o tempo inteiro utilizado para tirar o que quiser.” 

Para a ativista indígena e diretora escolar municipal, Ludimila Krenak, o impacto do crime foi avassalador em todos os âmbitos. A pedagoga pontua que eles tiveram que criar muitas adaptações, como consumir água mineral em garrafas de plástico e necessitar de caminhões pipa: “Depois da contaminação do Watu, nós passamos a ter inúmeras dificuldades para fazer nossos rituais culturais, pois o rio era nossa fonte de alimentos, água, lazer, esportes, onde colhíamos nossas ervas medicinais, ensinávamos as crianças a nadar e a pescar. Perdemos isso tudo”.

"Watu" como é chamado por Ludimila, diz respeito ao Rio Doce que para os Krenak é como um ancestral. Leonardo, ao explicar sobre essa relação, ressalta as falas de Ailton Krenak, em que o escritor discute a existência de muitas humanidades diferentes e a mais próxima dos indígenas tem uma relação muito íntima com as paisagens naturais, considerando-as realmente seres vivos.

Segundo a diretora, "Difícil é encontrar alguma forma que esse crime não me atinja". Aprender a nadar para os Krenak não é apenas nadar como para os não-indígenas. Ela afirma que fazer isso é criar um vínculo eterno com Watu, relatando que aprendeu a nadar no rio juntamente com todos os seus familiares, mas suas 3 filhas não conseguirão seguir a tradição.

"O Watu não conhece minhas duas meninas mais novas, a primeira foi batizada nele, as outras nem isso puderam. As ervas que o rio nos oferecia para dar o primeiro chá e o primeiro banho nos recém nascidos não podemos utilizar mais, isso me fere diariamente, uma ligação espiritual que não existirá com as novas gerações", completa.

O vereador, Geovani, disse também que os Krenak estão exigindo ações referentes à água do Rio Doce e reivindicado minimamente condições de vida no vale. Ele declara com indignação: “O crime aconteceu em 2015, acontece hoje e vai continuar acontecendo durante muito tempo”.

A respeito de tratar esse tema em aula e questionar os alunos sobre como resolver o problema, Alves completa: “Perderam vidas, propriedades, a maneira como viviam coletivamente, seus bens, tanto suas casas quanto seus objetos. Como é que repara isso? Você dá uma indenização? Você manda para um outro lugar? Tem coisas que são imateriais, que você não consegue reparar com dinheiro, né?”

O Instituto Moreira Salles dá espaço para exposição que mostra como os povos originários contam suas histórias através do audiovisual.
por
Laura Teixeira e Vitor Simas
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04/04/2023 - 12h

O Xingu é um dos territórios indígenas mais fotografados e filmados no mundo. Sobretudo por olhares quase sempre de uma branquitude que desconhece o protagonismo e a identidade dos povos originários. “Mas hoje nós somos protagonistas da nossa própria história, não conhecíamos o audiovisual, agora conhecemos. Somos donos da nossa imagem e levamos as lutas dos povos do Xingu para museus, festivais, cinemas, redes sociais e exposições”, defende Takumã Kuikur.

Com curadoria de Guilherme Freitas e Takumã Kuikuro, a exposição “XINGU: Contatos” fica aberta ao público até o dia 09.04 no centro de São Paulo e conta como os povos da região do XINGU utilizam equipamentos de audiovisual para registrar sua e forma de ver o mundo para além da visão do homem branco.

Imagem da amostra / Laura Teixeira
Imagem da amostra / Laura Teixeira

A amostra está localizada nos 7° e 8° andar do IMS e lá é possível entender um pouco como câmeras, tripés e lentes chegaram até os indígenas. A maneira como isso é apresentado é bastante plural, sendo possível ter acesso aos textos dos curadores, fotos e vídeos tiradas das populações, até as próprias gravações feitas por elas.

 Ao entrar nas salas ocorre uma desconstrução do imaginário popular do que seriam essas comunidades, já que a história dos povos originários sempre foi narrada pelo viés do homem branco. Os documentos expostos subvertem essa narrativa mostrando desde os rituais até o impacto da exploração do meio ambiente. Há uma humanização daqueles que sempre foram desconsiderados pessoas constituídas de direitos. 

O último andar do prédio é uma área comum que também expõe algumas atrações mais interativas como, por exemplo, quadros com palavras no dialeto de alguns povos e imagens com a tradução para o português. A exposição é gratuita e pode ser visitada de terça a domingo das 10h às 20h, podendo ser acessada até meia hora antes do encerramento. O IMS fica localizado na Avenida Paulista 2424 ao lado da estação Paulista (linha amarela) e Consolação (linha verde). 

Para mais informações acesse: https://ims.com.br/exposicao/xingu-contatos_ims-paulista/

 

 

Poema em homenagem ao Projeto Pindorama da PUC-SP
por
Ricardo Dias de Oliveira Filho
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15/12/2022 - 12h

Rio São Francisco,

Rio Pinheiros,

A aldeia de Caynã Pankararu é favela,

Real Parque, próximo ao Estádio do Morumbi.

 

Morumbi, termo tupi-guarani,

"Morro verde", mas de aspecto concretal.

A aldeia Pankararu é de Pernambuco,

Mas também é Real.

 

Os corpos que habitam essa comunidade,

De luta contínua, de geração a geração,

São mais do que cultura,

Também são tradição.

 

Leroy Merlin,

Shopping Cidade Jardim,

O que antes eram terras indígenas,

Hoje são antros do capitalismo sem fim.

 

Caynã vive, mas a burguesia lhe tirou,

O que antes era lar,

Hoje é Pão de Açúcar,

Não os morros, e sim o supermercado,

Mas ele não se abalou,

Não se sentiu derrotado.

 

A resistência indígena jovem,

Que ele defende desde que se conhece por gente,

Não fortalece apenas Pankararu,

Mas todos os primos, de norte a sul.

 

Apesar da distância, a aldeia continua viva,

Mais de duzentas famílias são periféricas,

Com invasões e truculência policial,

Retornar à aldeia nordestina é cultural,

É espiritual.

 

O ID Jovem traz conforto,

Voltar à aldeia raiz por vinte reais traz o barro sagrado,

A pintura corporal traz o encontro,

Ensinar o sagrado é elevado.

 

Que as escolas Pankararu,

De professores indígenas e não-indígenas,

Ensinem sempre ao seu povo,

Que resistência é essencial,

Ainda mais para a aldeia Pankararu, que é Pernambuco, é Real.

Já é possível vislumbrar a diversidade indígena sendo representada
por
Vitor Simas
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25/11/2022 - 12h

Por Vitor Simas Ribeiro Costa

 

O Brasil é ainda o País com maior número de povos indígenas em isolamento voluntário na América do Sul, segundo o MPF (Ministério Público Federal).A diversidade de etnias e línguas é uma característica das populações indígenas no Brasil, diversos em sua sabedoria e modo de vida. O Censo de 2010 registrou 305 etnias e 274 línguas indígenas. A Funai reconhece a existência de 114 registros de indígenas isolados na Amazônia brasileira. São povos que vivem sem contato frequente ou sem contato nenhum com outros indígenas e com não indígenas.

O censo dos povos indígenas, a fim de atender a diversidade do modo de vida presente nas mais de 305 etnias presentes no Brasil, conta com peculiaridades. O Recenseamento Indígena vai mostrar o número de pessoas indígenas que vivem no País atualmente e as condições das comunidades, com perguntas sobre etnia, línguas faladas, questões de registro civil, arranjo familiar, religiosidade, deficiência, educação, trabalho, situação do domicílio e dos cômodos, assim como de água, saneamento, destino do lixo e acesso à Internet, entre outros.

Em aldeias nas florestas, distante dos centros urbanos, não há ruas com casas em sequência nas aldeias, há recenseador que opte por fazer a coleta de dados por núcleos familiares. Alguns grupos étnicos habitam malocas ou casas sem paredes, por isso, no questionário é aceito que o domicílio não tenha paredes. Outra adaptaçãé a pergunta sobre religião ou culto, presente no questionário da população em geral. Em território indígena, a pergunta é Qual sua crença, ritual indígena ou religião?, para trazer uma caracterização mais ampla da religiosidade dos povos originários.

Essas peculiaridades foram conferidas por quem foi a campo logo no início da coleta de dados dos indígenas para o Censo 2022, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), na Aldeia Lagoinha, em Mato Grosso do Sul. Na aldeia, vivem indígenas da etnia Terena.

Essa edição vai contar com um importante avanço no mapeamento das aldeias, o que amplia a cobertura da pesquisa. Nossa cartografia censitária avançou muito de 2010 para agora. Tivemos acesso a um geoserviço de imagem que nos permitiu detalhar a localização de aldeias e comunidades indígenas de forma muito mais precisa que em 2010. Isso nos garante uma ótima cobertura censitária e que não vamos deixar nenhuma aldeia ou comunidade de fora do Censo, explicou Marta Antunes, coordenadora de Censo de povos e comunidades tradicionais do IBGE.

Nesse contato inicial, é aplicado um questionário sobre a infraestrutura das comunidades indígenas. Essa é a primeira vez que esse tipo de informação será levantada. São perguntas sobre abastecimento de água, de energia e presença de escolas e unidades de saúde. Outras questões são sobre a língua em que as aulas são lecionadas nas escolas, número de professores, hábitos e práticas como a caça, a criação de animais e o artesanato.

O trabalho prévio de mapeamento do IBGE identificou 632 terras indígenas, 5.494 agrupamentos indígenas e 977 outras localidades indígenas, em 827 municípios brasileiros. Caso os recenseadores identifiquem comunidades não mapeadas previamente, elas serão incluídas na pesquisa do Censo. De acordo com o IBGE, os povos em isolamento voluntário não entram no Censo 2022.

Esse mapeamento é de extrema importância para o fortalecimento da visibilidade da existência dos mais diversos grupos étnicos indígenas presentes no Brasil. As equipes do IBGE que vão atuar nos territórios indígenas passaram por um dia a mais de treinamento específico e foram preparadas para a abordagem e possíveis adaptações de metodologia nos questionários. E vão obedecer aos protocolos de saúde, tais como terem tomado as vacinas contra a gripe, a febre amarela e a Covid-19. Devem ainda apresentar teste negativo para Covid-19, declaração de que não teve contato com nenhuma pessoa com sintomas gripais 10 dias antes da entrada em área indígena e usar máscara.

“O Estado é que demarca a terra, é ele que protege os povos indígenas. Ele tem essa obrigação, não é um favor que ele nos faz, é obrigação constitucional de assim proceder. A demarcação é fundamental para que o Estado, a nação, os povos indígenas tenham um limite que ele saiba que sua terra. E os brancos tenham um limite até onde ele pode chegar sem causar mal a esses povos”.  Alerta Sydney Possuelo ex-presidente da Funai em especial Terra Yanomami feito pelo Instituto Socioambiental.

Os povos indígenas têm uma relação muito profunda com a natureza, por isso é tão importante a demarcação de suas terras, por justiça ambiental, social e para a perpetuação de suas tradições e cultura ao longo das gerações.

Alvaro de Azevedo Gonzaga, docente no curso de direito, expõe preconceito sofrido por colega, em evento sobre indígenas no contexto universitário.
por
Guilherme Timpanaro Gastaldi
Guilherme Nazareth
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18/10/2022 - 12h

 

"'E aí, curumim, como é que cê tá?' 'A sua tribo é qual? Os canibais?' 'Eu posso conversar com você, ou você vai me morder?'" Esses foram alguns dos comentários que o professor Alvaro Azevedo Gonzaga escutou vindo de um colega do curso de direito da Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP) na sala de professores. O docente compartilhou tais acontecimentos no evento promovido pelo programa Pindorama na quinta-feira, 22 de setembro.

O programa Pindorama da PUC-SP, responsável pela promoção de bolsas de estudos para indígenas na universidade, realizou o evento da Retoma Indígena dos dias 19 ao 24 de setembro. As reuniões acontecem desde 2008 de forma anual com organização mútua da coordenação com os alunos da plataforma, apoiadas por siglas como por exemplo o Cimi (Conselho Indigenista Missionário) e o Núcleo de Gênero, Raça e Etnia, do Curso de Serviço Social.

Em contato via WhatsApp, Amanda Santos Pankararu, assistente social por meio do Pindorama e hoje doutoranda em outra instituição, explicou sobre a expressão definida para o seminário e seu objetivo: "nós fazemos esse evento enquanto programa Pindorama no intuito de dar visibilidade para a presença indígena na universidade. A gente chama de retomada pensando que todo o território é indígena. Então, é um processo de retomar o que é nosso."

A pauta para os encontros foi uma crítica ao bicentenário, comemorando neste ano, da autonomia conquistada pelo Brasil em relação a Portugal, na era colonial - "Independência para quem? Luta e Resistência dos Povos Indígenas". Vanuza Kaimbé nos deu suas impressões gerais sobre a semana comemorativa: "foi de uma riqueza milenar, pois nós somos sabedores da ciência, educação, proteção à vida humana e da mãe terra."

 

22/09 - Bate papo: Como é ser estudante indígena na PUC-SP 

Amanda Santos, mediadora do evento, deu o ponto de largada da conversa pedindo licença a seus ancestrais, àqueles que vieram antes. Em sua introdução abordou o fato de haver poucas pessoas presentes na plateia e questionou, "a gente vai falar de nós para nós e é sempre importante demarcar que esse esvaziamento também é simbólico. Por que não temos aqui pessoas interessadas para discutir, para nos ouvir nesse lugar de saber?"

À respeito do esvaziamento, o outro mediador da mesa, Wesley Pankararu, formado em serviços sociais através do programa Pindorama, também se pronunciou. "A PUC-SP precisa ser cada vez mais 'aldeada' e acho que é muito simbólico que a gente tenha esse esvaziamento. Isso também se reflete nas nossas lutas lá fora. Mostra que as questões indígenas ainda não são pautadas da forma que deveriam, mas a gente ocupar esse espaço aqui também é uma forma de continuar com a nossa resistência, que dura mais de 520 anos."

Nascida na aldeia de Massacará, no sertão da Bahia, Vanuza Kaimbé compartilhou junto à bancada experiências de sua trajetória. "Quando eu entrei no curso de serviço social, já com 45 anos, era uma sala jovens e de pessoas que estavam na segunda, na terceira graduação. Quando eu comecei a fazer os trabalhos acadêmicos, eu senti uma resistência, que as pessoas não queriam fazer o trabalho comigo achando que eu não era capaz." 

Também convidada da mesa, Jaciara Guarani Mbyá abordou em seu discurso a necessidade de irmandade e diálogo entre indígenas e não-indígenas. "Temos que ter respeito a todos, porém quando eu vejo pessoas nos denominando como selvagens, eu fico pensando: que civilização pensa dessa forma? Cadê o humanismo, o amor, o respeito?" E concluiu, "a gente vem nesse mundo para aprender, e enquanto a gente não aprender a conviver bem, a respeitar o próximo e suas diferenças, não vamos evoluir."

Após a fala dos membros da mesa, o microfone ficou aberto ao tímido e modesto grupo de pessoas que ali acompanhavam a conversa. Diante da oportunidade e da presença da estudante Cristiane Fairbanks, da Associação dos alunos de pós-graduação da PUC-SP (APG), o Professor Alvaro de Azevedo Gonzaga aproveitou para propor uma ideia que possa resultar em mudanças efetivas no comportamento do corpo docente da universidade. "Nós podemos propor que na semana de recepção aos professores, exista uma formação anti-discriminatória com relação aos estudantes indígenas, pois os professores ainda partem de um racismo recreativo."