Volta ao Avesso do Avesso: a arte como diplomacia, resistência e manifestação

Uma viagem no tempo da história espanhola por meio de obras artísticas
por
Giovanna Takamatsu
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22/03/2023 - 12h

Nomeada em homenagem a música “Sampa”, de Caetano Veloso, a exposição “Volta ao avesso do avesso” traz obras artísticas que representam a história da participação espanhola nas edições da Bienal Internacional de Arte de São Paulo.   

A exibição ocorreu inicialmente no Centro Niemeyer de Avilés - centro cultural espanhol projetado pelo arquiteto Oscar Niemeyer, que possui relações íntimas com o Brasil - em 2022, e foi transferida para o Museu de Arte Contemporânea da USP (MAC-USP) em março de 2023, por seu sucesso. Ela tem ênfase nas obras trazidas às bienais paulistanas que ocorreram durante a época da ditadura fascista de Francisco Franco (1939-1976), que assumiu o poder depois da Guerra Civil Espanhola. 

 

Arte como diplomacia

Organizada pela curadora Profa. Genoveva Tusell, a mostra tem a principal finalidade de exibir como a Espanha utilizava a arte para construir sua imagem internacional. A primeira participação espanhola na Bienal de São Paulo, em 1953, ocorreu durante a ditadura, tal como a maioria das participações. Isso significa que as artes expostas nas bienais foram escolhidas pelo Ministério de Assuntos do Exterior, a fim de passar uma imagem positiva do país, apesar de estarem em um regime autoritário. “A Espanha esteve presente em todas as Bienais de São Paulo desde o começo, exceto na primeira edição, em 1951, já que participaram da I Bienal Hispanoamericana de Arte” diz Genoveva.  

Ao longo dos anos sob a tirania governamental, os artistas começaram a ousar nos assuntos ilustrados nas obras que eram escolhidas para serem apresentadas internacionalmente, como forma de manifestação. “Até que ponto o governo não percebe que são manifestações", diz a Profa. Tusell, dando como exemplo a obra “Personagem com medo”, por Juan Genovés, presente na Bienal de 65. 

Na exposição no Brasil é possível ver algumas obras com essa ousadia, tais como “Pies vendados”, de Darío Villalba e “El Emigrante Muerto”, de Cristóbal Toral. Elas foram trazidas para as XII e XIII Bienais de São Paulo, respectivamente, sendo escolhidas pelo governo, mesmo sendo manifestações contrárias ao ditador Franco.

“Pies vendados” de Darío Villalba. Imagem: Giovanna Takamatsu
“Pies vendados” de Darío Villalba. Imagem: Giovanna Takamatsu.

 

Prestígio espanhol

A participação espanhola na Bienal de São Paulo trouxe prestígio e adquiriu prêmios em todas as categorias internacionais. Rafael Canogar, Miguel Ortíz y Berrocal, Cesar Olmos, Joan Vila i Casas são apenas alguns dos nomes dos ganhadores em suas respectivas categorias. A Espanha alcançou a maior gratificação da Bienal, o Grande Prêmio do Itamarati, com a obra “Os Revolucionários”, de Canogar, na XI Bienal de São Paulo, em 1971. Conquistou também o Grande Prêmio de Honra, com a escultura de Miguel Barrocal “Romeo y Julieta”.

O sucesso espanhol nas bienais também motivou Genoveva a realizar essa exposição, o que talvez seja um fato que poucos brasileiros conhecem.

“El Emigrante Muerto” de Cristóbal Toral. Imagem: Giovanna Takamatsu
“El Emigrante Muerto” de Cristóbal Toral. Imagem: Giovanna Takamatsu

 

O público brasileiro e as obras

Os brasileiros podem relacionar sua história com o que é representado nas obras. Os temas presentes em várias peças são manifestações contra a ditadura, que, em certos anos, estava presente tanto na Espanha, como no Brasil. “O público brasileiro entende as obras espanholas, porque o que estava acontecendo na Espanha também estava acontecendo no Brasil” diz a curadora.  

Durante os anos da ditadura militar brasileira, foram trazidas diversas obras com as quais os brasileiros podiam se relacionar, e podem até hoje. Um exemplo é, novamente, “Os Revolucionários”, de Canogar, aquisição do MAC-USP, que ilustra algo que ocorreu aqui, a resistência do povo contra o autoritarismo e o desejo de mudança.   

Genoveva diz também que a exposição é uma forma dos brasileiros apreciarem mais as coletâneas de arte brasileiras. O MAC-USP possui em seu acervo várias obras espanholas, que nunca tinham sido expostas na Espanha. Esse fato foi outra motivação para montar essa exibição, para que os espanhóis vejam pela primeira vez algumas peças.

“Os Revolucionários” por Rafael Canogar. Imagem: Giovanna Takamatsu
“Os Revolucionários” por Rafael Canogar. Imagem: Giovanna Takamatsu

 

A volta ao avesso do avesso

            Essa frase foi escolhida como título da exposição em referência às obras mais novas, feitas após o término da ditadura. Os artistas começaram a produzir peças refletindo a história espanhola e as atrocidades que ocorreram durante o autoritarismo, realizando críticas através da arte. O exemplo que a Profa. Tusell traz é a sequência de fotos denominada “Gato rico muere de ataque del corazón em Chicago” por Fernando Sánchez Castillo. “Os artistas começaram a voltar no passado, repensando a sua história, assim fizeram uma volta ao reverso do reverso” diz Genoveva.

            As obras mais recentes não foram exibidas aqui no Brasil, mas a menção é importante para o entendimento total do que foi o regime franquista e como o povo espanhol reage até hoje a essa barbárie.  

A visitação está aberta até 4 de junho, no MAC-USP. A entrada é gratuita, e o museu funciona de terças a domingos, das 10 às 21 horas. O endereço é Av. Pedro Álvares Cabral, 1301, Vila Mariana, São Paulo.

 

 

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