Era uma segunda-feira de manhã e Vivian havia me mandado uma mensagem cancelando nosso encontro para aquela tarde, mas com a tentativa de remarcar para outro dia.
Fazia umas duas semanas que estávamos conversando e ela sempre deixou claro que é muito atarefada, mas que estava disposta a conversar comigo. Então, decidimos fazer uma ligação antes de uma de suas reuniões.
Ela, de 42 anos e presidente estadual do partido Unidade Popular, feminista fundadora do Movimento Olga Benário e membro da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos, conseguiu, de muita boa vontade, encaixar nossa conversa nos seus planos.
Às duas da tarde, ela me ligou e começamos a conversar. E mesmo nas correrias da vida e nas falhas de som durante a chamada, em nenhum momento ela demonstrou falta de interesse ou mau-humor, muito pelo o contrário, o tempo todo se mostrou uma pessoa carismática, com um bom-astral e extremamente inteligente.
Nascida e criada em Guaianazes, Zona Leste de São Paulo, Vivian morava com os seus pais, ambos operários, que se conheceram na fábrica onde trabalhavam. Posteriormente, seu pai se tornou metalúrgico numa fábrica do ABC.
Onde residiam, havia uma forte influência política das Comunidades Eclesiais de Base, um movimento da Igreja Católica, inspirado na Teologia da Libertação, comprometida com pastorais populares. “Essa influência clássica, digamos, da esquerda daquele período, anos 70 e 80, faz parte da vida da minha família. Então eu sou de uma família bastante politizada, né…mas que nunca foi organizada em nenhum partido político, mas que tinha uma consciência política avançada, né?!”.
Inspirada pelo que aprendeu tendo contato com as pastorais e com o trabalho social, ela ajudou a construir o movimento Mística e Revolução, majoritariamente composto por jovens influenciados pela tradição de uma espiritualidade politizada.
E foi assim, que durante certo período, Vivian se organizou politicamente.
No final de 2009, ela conheceu o Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas, o MLB. A sua militância, mais próxima de como é hoje, começou no Jardim Pantanal. Na época, o bairro havia passado por uma enchente que deixou água represada na região durante meses. Neste período, ela se organizou melhor e construiu um trabalho ativo no MLB.
Em 2011, juntamente com companheiras de outros movimentos, decidiu fundar o Movimento Olga Benário.

O Movimento Olga Benário tem como objetivo organizar mulheres contra a violência e exploração do trabalho, além de garantir moradia e condições dignas de vida para mulheres pobres, negras, mães, trabalhadoras, membros da comunidade LGBTQIAPN+, PCDs e indígenas. “[As ocupações] permitem o desenvolvimento da consciência média do nosso povo. São espaços onde a gente desenvolve outras formas de relações sociais com as pessoas, muito mais profundas e muito menos ligadas com interesses econômicos”. E reforçou que as pessoas que moram em ocupações não são desapegadas, muito pelo contrário, estão lá porque existe uma vantagem em estar lá. Uma pessoa pobre, dentro de uma ocupação é tratada com respeito e dignidade.
Em cartilha, disponível no site do jornal da UP, o A Verdade, as palavras de ordem que regem o movimento giram em torno de garantir educação de qualidade às mulheres; salários igualitários; igualdade de participação nas decisões politicas do país, estados e municípios; erradicação da violência contra as mulheres: econômica, social, física, sexual, psicológica, obstetrícia e política; pelo fim da violência de gênero; entre outras reivindicações.
“Essas ocupações, que são expressão de uma política de luta e de resistência popular, são mecanismos justos e inclusive constitucionalmente aceitos. Elas têm um papel político importante em denunciar que determinado imóvel não cumpre o seu papel definido perante a lei, que é ‘têm que cumprir uma função social’...tudo o que existe tem que cumprir essa função, segundo a Constituição de 1988”, declarou Vivian.
Em 2013, ela e membros do MLB, movimento fundador da Unidade Popular, decidiram construir uma organização política que permitisse maior visibilidade e influência em grandes áreas. Em 2014, então, começa o processo de legalização dessa organização e em 2015, há uma mudança eleitoral e eles são obrigados a recomeçar o processo do zero.
Em 2016, para refazer este processo, ela deixa de fazer parte das tarefas de coordenação do Olga e passa a se concentrar na fundação e construção legal da UP. “É um trabalho bastante militante, mas também bastante organizativo de ‘como fazer campanha’ e tal, e tá na rua organizado, votar no sistema…enfim, tarefa louca por dois anos, que exigiu muita concentração e [durou] até 2018 quando a gente terminou essa campanha.”
Entretanto, a legalização só ocorreu em 2019 por conta de uma demora, gerada pelo ano de 2018 ser um ano eleitoral, dos cartórios eleitorais em analisar toda a papelada.

Vivian também é membro da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos, que trabalha pela identificação e localização dos restos mortais de desaparecidos políticos. Além de buscar a reparação dos familiares das vítimas da Ditadura Militar.
Diogo Romão, ativista da UP formado em história pela UNIFESP e fotojornalista político, conta que ela o inspira por ser mulher e ter um enorme alcance político num local majoritariamente ocupado por homens. Ressaltou também sua trajetória e resistência, principalmente durante o período do governo Bolsonaro, no qual o ex-presidente sustentou, segundo relatou Romão, a noção "de que a ditadura só matou bandido, só gente que merecia”. E finaliza: “mesmo assim, a Vivian nunca baixou essas bandeiras. Eu acho que é uma coisa incrível…é isso, eu acho uma trajetória incrível”
Em 2023, durante um ato contra a privatização da Sabesp, no governo do Tarcísio, ela foi presa acusada de resistência à prisão e de associação criminosa. Quando perguntei sobre isso, ela deu uma risada e disse, descontraída: “tô respondendo ainda, tô em liberdade provisória”.
Questionei se em algum momento ela já havia sentido medo e ela disse que “enfrentar o medo é uma necessidade da vida…aprender a lidar com isso também faz parte, e eu acho que não é exatamente negar o medo. Não é que eu não tenha medo…mas a capacidade de fazer o que precisa ser feito apesar do medo, a gente desenvolve coletivamente. Eu acho que sozinho é muito difícil, mas coletivamente é possível” e completou “fui presa, foi um caos, é um caos e eu não quero romantizar, é um negócio terrível, né?! mas em nenhum momento achei que eu estava sozinha ‘eu to presa, mas lá fora tá todo mundo fazendo o que pode e o que não pode pra me soltar’. É uma força de um coletivo muito poderoso”.