A pandemia de Covid-19 vem afetando diversos setores da economia em todo o mundo. Um dos que mais têm sentido seus impactos é a indústria têxtil – e, por consequência, o mundo da moda. Hoje, mais do que nunca, os dois precisam encontrar caminhos alternativos para contornar essa situação da maneira mais consciente possível.
No Brasil, a indústria têxtil representa uma grande parcela da economia, tornando-se muito vulnerável em meio à pandemia. De acordo com dados divulgados pela Abit (Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção) e atualizados em dezembro de 2019, o setor faturou US$ 48,3 bilhões em 2018. Ainda no mesmo ano, foi o segundo maior gerador do primeiro emprego no Brasil, representou quase 17% dos empregos do país e é o quarto maior produtor de denim e malhas do mundo. A moda brasileira também dita sua presença entre as cinco maiores semanas de moda do mundo, responsabilidade carregada pela São Paulo Fashion Week.
A relevância do setor é inegável, mas ainda assim vem enfrentando algumas dificuldades. Desde a crise de 2014 e 2015, quando o PIB brasileiro se retraiu em mais de 7%, a indústria têxtil vem oscilando no que diz respeito a vendas e receitas. Quanto à exportação (um de seus maiores pilares), a balança comercial se encontra desfavorável atualmente. Ainda segundo a Abit, entre janeiro e setembro de 2019, o Brasil registrou US$ 4,133 bilhões em importações, contra US$ 665 milhões em exportações.
Como se já não bastasse a lenta recuperação da economia brasileira, a pandemia do coronavírus impôs a quarentena a fim de diminuir casos e contágios. Em São Paulo, o governador João Doria determinou, entre outras medidas, o fechamento do comércio de bens e serviços considerados não essenciais para evitar aglomerações, o que foi acatado pelos empreendedores, e tem mantido o isolamento social desde 24 de março. De acordo com estimativa feita pela assessoria econômica da FecomercioSP, o consumo de bens chamados duráveis (carros, eletrodomésticos, móveis etc) e semiduráveis (roupas e calçados) tende a diminuir durante esse período.
Com isso, a equipe de economia da Abit realizou uma enquete com os empresários do setor têxtil e confecção para medir as consequências do vírus e as atitudes tomadas frente ao novo problema. Com uma amostra de 183 empresas, a pesquisa, realizada em março, relatou que 97% dos empresários já sentiram o efeito em seu processo produtivo e que 93% dos entrevistados estão tomando medidas preventivas em relação aos seus colaboradores: 62% adotaram férias coletivas, 30% recorreram ao home office, mas sem o consentimento do sindicato da categoria, e 22% apelaram para as demissões.
Algo igualmente inédito no cenário da indústria têxtil brasileira, como a paralisação geral, foi a urgência decretada pelo governo federal na produção de itens da rede têxtil relacionados à área médica, como máscaras, luvas e aventais. A Abit informa que todo o parque manufatureiro do setor está integralmente mobilizado para atender às demandas mais urgentes da Covid-19. O presidente da associação, Fernando Valente Pimentel, em matéria disponibilizada no site da entidade, reforçou: “Nesse sentido, nossa indústria, buscando superar os desafios presentes, está trabalhando, nos locais onde as fábricas podem funcionar, para converter seu processo de fabricação à produção de máscaras, aventais, abrigos e outros produtos, muitos dos quais vinham sendo importados, para atender às necessidades prementes geradas pela pandemia do novo coronavírus”.
Essas mudanças, tanto na rotina da população quanto do mercado da moda, não só afetaram o Brasil, mas o mundo todo. A temporada das semanas de moda, que começou em Nova York em fevereiro deste ano, também sofreu o grande impacto do coronavírus. Para apresentar as novas coleções de luxo outono/inverno de 2021, os estilistas tiveram que se adaptar conforme a pandemia ia se alastrando e o evento acontecia.
O tão esperado desfile de Giorgio Armani na Itália (epicentro do vírus na Europa) aconteceu, porém em um novo formato. De portas fechadas e sem público, as modelos exibiram as novas ideias e tendências Armani nas passarelas por meio de transmissões ao vivo em todas as plataformas digitais da marca. Para a jornalista brasileira e consultora de moda Lilian Pacce, essa é a oportunidade para uma maior reflexão: “Hoje em dia, fazer transmissão ao vivo de desfile é hiperviável. Qual é a real necessidade de você estar dentro daquele recinto, correr o risco de ficar doente? [...] Vamos questionar isso”, apelou em vídeo para o seu canal no YouTube. Outro destino da temporada, Paris, também foi marcado por dificuldades, e a parada final, São Paulo, não teve outro fim senão o cancelamento absoluto. Semanas de moda em Tóquio, Seul, Xangai e Pequim também compartilharam do mesmo desfecho.
Analisando os resultados econômicos da conturbada temporada outono/inverno 2021, o prejuízo foi alto. O coronavírus acabou ocupando os lugares nas primeiras filas dos desfiles principalmente da imprensa e compradores chineses, sempre muito assíduos, já que não embarcaram para ver de perto o inverno europeu. Segundo um estudo da consultoria Bain & Management, 35% de todas as compras de artigos de luxo realizadas em 2019 foram feitas por chineses que viajaram ao exterior, ou aconteceram na própria China. Ou seja, o impacto econômico da Covid-19 é nitidamente observado.
Pensando em como resolver todas essas questões trazidas pelo coronavírus e como proceder a partir desse momento, aqui no Brasil, a assessoria de comunicação da Confederação Nacional da Indústria (CNI) vem reunindo iniciativas do setor industrial para combater a Covid-19. Seu intuito é contribuir com a divulgação dessas ações, a fim de mostrar como as empresas estão tentando ajudar o país em meio a essa pandemia, e como estão contribuindo na conscientização da população para acatarem as medidas de proteção. A Agência CNI de Notícias é responsável por atualizar diariamente uma página exclusiva que centraliza todas as informações, notícias e posicionamentos das indústrias a respeito da Covid-19.
Uma das heranças deixadas pelo coronavírus, quando se trata do mercado varejista, é o muito provável boom do e-commerce. As compras online aos poucos já estavam ganhando seu espaço na vida dos consumidores brasileiros e estrangeiros, mas com o isolamento social (e até depois disso), esse comportamento só tende a aumentar. Plataformas de compra como o portal Shop2gether devem conquistar novos clientes, antes apreensivos com a nova maneira de aquisição. Em matéria na Vogue Brasil, Ana Isabel Carvalho Pinto, fundadora e diretora do portal, arriscou: “Quem tinha alguma resistência, deve passar a experimentar”.
Os desfiles live e online também fazem parte do legado da Covid-19, assim como uma maior reflexão sobre sustentabilidade (pauta e demanda que já estavam muito presentes na forma de consumir dos millenials e geração Z, antes mesmo da crise do vírus). Para o jornalista e colunista Bruno Astuto, essa nova ordem traz consigo uma onda de mudanças de hábitos e valores, “Não faz mais sentido, sobretudo depois da última e tensa temporada [outono/inverno 2021], viajar oito vezes por ano para Milão, Paris e Nova York. As empresas atacadistas deverão investir em novas tecnologias de realidade aumentada para criar a sensação mais próxima de uma experiência ao vivo”, disse em sua coluna na Vogue Brasil.
Consequências positivas estão por vir. No Brasil, no que diz respeito à indústria têxtil e de confecção, uma aposta na expansão do comércio exterior (e interno também) e seu faturamento se dá com o maior uso das plataformas digitais para compras e vendas online. Outro fator, e com grande potencial para viralizar, é a inovação das grandes marcas na forma de apresentar suas coleções. Diminuir gastos e prezar pela sustentabilidade e bom senso, ao minimizar as idas e vindas em todos os cantos do mundo várias vezes ao ano usufruindo das grandes tecnologias dispostas, também estão se tornando, cada vez mais, tendências muito desejadas.
A indústria brasileira de têxtil e confecção tem muito mais a agregar ao país e ao mundo de forma positiva do que já agrega, e, sabendo estudar as novas possibilidades, as chances de gerar ainda mais empregos, um maior faturamento e se estabilizar são altas. Sobre os contratempos enfrentados pelas semanas de moda na última temporada, há um anseio de mudança nesse mercado tão tradicional e estático (apesar das grandes inovações nas passarelas e vitrines), sem jamais perder sua autenticidade. Para Lilian Pacce, “isso [crise do coronavírus] pode ser muito disruptivo. Sem dúvida, a temporada de outono/inverno 2021 vai entrar para a história”. Uma nova ordem vem por aí.
Foto de capa: Manequins de máscaras em uma vitrine (Suíça, 31 de março) / site swissinfo.ch / Keystone