Vírus afeta setor têxtil e impõe mudanças no mundo da moda

por
Virginia Mencarini
|
06/05/2020 - 12h

A pandemia de Covid-19 vem afetando diversos setores da economia em todo o mundo. Um dos que mais têm sentido seus impactos é a indústria têxtil – e, por consequência, o mundo da moda. Hoje, mais do que nunca, os dois precisam encontrar caminhos alternativos para contornar essa situação da maneira mais consciente possível.

No Brasil, a indústria têxtil representa uma grande parcela da economia, tornando-se muito vulnerável em meio à pandemia. De acordo com dados divulgados pela Abit (Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção) e atualizados em dezembro de 2019, o setor faturou US$ 48,3 bilhões em 2018. Ainda no mesmo ano, foi o segundo maior gerador do primeiro emprego no Brasil, representou quase 17% dos empregos do país e é o quarto maior produtor de denim e malhas do mundo. A moda brasileira também dita sua presença entre as cinco maiores semanas de moda do mundo, responsabilidade carregada pela São Paulo Fashion Week.

Máquina de Tecelagem
Foto: site Mercado & Consumo

A relevância do setor é inegável, mas ainda assim vem enfrentando algumas dificuldades. Desde a crise de 2014 e 2015, quando o PIB brasileiro se retraiu em mais de 7%, a indústria têxtil vem oscilando no que diz respeito a vendas e receitas. Quanto à exportação (um de seus maiores pilares), a balança comercial se encontra desfavorável atualmente. Ainda segundo a Abit, entre janeiro e setembro de 2019, o Brasil registrou US$ 4,133 bilhões em importações, contra US$ 665 milhões em exportações.

Como se já não bastasse a lenta recuperação da economia brasileira, a pandemia do coronavírus impôs a quarentena a fim de diminuir casos e contágios. Em São Paulo, o governador João Doria determinou, entre outras medidas, o fechamento do comércio de bens e serviços considerados não essenciais para evitar aglomerações, o que foi acatado pelos empreendedores, e tem mantido o isolamento social desde 24 de março. De acordo com estimativa feita pela assessoria econômica da FecomercioSP, o consumo de bens chamados duráveis (carros, eletrodomésticos, móveis etc) e semiduráveis (roupas e calçados) tende a diminuir durante esse período.

Com isso, a equipe de economia da Abit realizou uma enquete com os empresários do setor têxtil e confecção para medir as consequências do vírus e as atitudes tomadas frente ao novo problema. Com uma amostra de 183 empresas, a pesquisa, realizada em março, relatou que 97% dos empresários já sentiram o efeito em seu processo produtivo e que 93% dos entrevistados estão tomando medidas preventivas em relação aos seus colaboradores: 62% adotaram férias coletivas, 30% recorreram ao home office, mas sem o consentimento do sindicato da categoria, e 22% apelaram para as demissões.

Algo igualmente inédito no cenário da indústria têxtil brasileira, como a paralisação geral, foi a urgência decretada pelo governo federal na produção de itens da rede têxtil relacionados à área médica, como máscaras, luvas e aventais. A Abit informa que todo o parque manufatureiro do setor está integralmente mobilizado para atender às demandas mais urgentes da Covid-19. O presidente da associação, Fernando Valente Pimentel, em matéria disponibilizada no site da entidade, reforçou: “Nesse sentido, nossa indústria, buscando superar os desafios presentes, está trabalhando, nos locais onde as fábricas podem funcionar, para converter seu processo de fabricação à produção de máscaras, aventais, abrigos e outros produtos, muitos dos quais vinham sendo importados, para atender às necessidades prementes geradas pela pandemia do novo coronavírus”.

 

Produção de máscara
Produção de máscaras pelo Grupo Lunelli / Foto: site Guia JeansWear

Essas mudanças, tanto na rotina da população quanto do mercado da moda, não só afetaram o Brasil, mas o mundo todo. A temporada das semanas de moda, que começou em Nova York em fevereiro deste ano, também sofreu o grande impacto do coronavírus. Para apresentar as novas coleções de luxo outono/inverno de 2021, os estilistas tiveram que se adaptar conforme a pandemia ia se alastrando e o evento acontecia.

           O tão esperado desfile de Giorgio Armani na Itália (epicentro do vírus na Europa) aconteceu, porém em um novo formato. De portas fechadas e sem público, as modelos exibiram as novas ideias e tendências Armani nas passarelas por meio de transmissões ao vivo em todas as plataformas digitais da marca. Para a jornalista brasileira e consultora de moda Lilian Pacce, essa é a oportunidade para uma maior reflexão: “Hoje em dia, fazer transmissão ao vivo de desfile é hiperviável. Qual é a real necessidade de você estar dentro daquele recinto, correr o risco de ficar doente? [...] Vamos questionar isso”, apelou em vídeo para o seu canal no YouTube. Outro destino da temporada, Paris, também foi marcado por dificuldades, e a parada final, São Paulo, não teve outro fim senão o cancelamento absoluto. Semanas de moda em Tóquio, Seul, Xangai e Pequim também compartilharam do mesmo desfecho.

Estilista Giorgio Armani e suas modelos em desfile fechado para público
Estilista Giorgio Armani e modelos em seu desfile fechado para o público / Foto: Stefano Guindani

Analisando os resultados econômicos da conturbada temporada outono/inverno 2021, o prejuízo foi alto. O coronavírus acabou ocupando os lugares nas primeiras filas dos desfiles principalmente da imprensa e compradores chineses, sempre muito assíduos, já que não embarcaram para ver de perto o inverno europeu. Segundo um estudo da consultoria Bain & Management, 35% de todas as compras de artigos de luxo realizadas em 2019 foram feitas por chineses que viajaram ao exterior, ou aconteceram na própria China. Ou seja, o impacto econômico da Covid-19 é nitidamente observado.

Pensando em como resolver todas essas questões trazidas pelo coronavírus e como proceder a partir desse momento, aqui no Brasil, a assessoria de comunicação da Confederação Nacional da Indústria (CNI) vem reunindo iniciativas do setor industrial para combater a Covid-19. Seu intuito é contribuir com a divulgação dessas ações, a fim de mostrar como as empresas estão tentando ajudar o país em meio a essa pandemia, e como estão contribuindo na conscientização da população para acatarem as medidas de proteção. A Agência CNI de Notícias é responsável por atualizar diariamente uma página exclusiva que centraliza todas as informações, notícias e posicionamentos das indústrias a respeito da Covid-19.

Uma das heranças deixadas pelo coronavírus, quando se trata do mercado varejista, é o muito provável boom do e-commerce. As compras online aos poucos já estavam ganhando seu espaço na vida dos consumidores brasileiros e estrangeiros, mas com o isolamento social (e até depois disso), esse comportamento só tende a aumentar. Plataformas de compra como o portal Shop2gether devem conquistar novos clientes, antes apreensivos com a nova maneira de aquisição. Em matéria na Vogue Brasil, Ana Isabel Carvalho Pinto, fundadora e diretora do portal, arriscou: “Quem tinha alguma resistência, deve passar a experimentar”.

Os desfiles live e online também fazem parte do legado da Covid-19, assim como uma maior reflexão sobre sustentabilidade (pauta e demanda que já estavam muito presentes na forma de consumir dos millenials e geração Z, antes mesmo da crise do vírus). Para o jornalista e colunista Bruno Astuto, essa nova ordem traz consigo uma onda de mudanças de hábitos e valores, “Não faz mais sentido, sobretudo depois da última e tensa temporada [outono/inverno 2021], viajar oito vezes por ano para Milão, Paris e Nova York. As empresas atacadistas deverão investir em novas tecnologias de realidade aumentada para criar a sensação mais próxima de uma experiência ao vivo”, disse em sua coluna na Vogue Brasil.

Consequências positivas estão por vir. No Brasil, no que diz respeito à indústria têxtil e de confecção, uma aposta na expansão do comércio exterior (e interno também) e seu faturamento se dá com o maior uso das plataformas digitais para compras e vendas online. Outro fator, e com grande potencial para viralizar, é a inovação das grandes marcas na forma de apresentar suas coleções. Diminuir gastos e prezar pela sustentabilidade e bom senso, ao minimizar as idas e vindas em todos os cantos do mundo várias vezes ao ano usufruindo das grandes tecnologias dispostas, também estão se tornando, cada vez mais, tendências muito desejadas.

A indústria brasileira de têxtil e confecção tem muito mais a agregar ao país e ao mundo de forma positiva do que já agrega, e, sabendo estudar as novas possibilidades, as chances de gerar ainda mais empregos, um maior faturamento e se estabilizar são altas. Sobre os contratempos enfrentados pelas semanas de moda na última temporada, há um anseio de mudança nesse mercado tão tradicional e estático (apesar das grandes inovações nas passarelas e vitrines), sem jamais perder sua autenticidade. Para Lilian Pacce, “isso [crise do coronavírus] pode ser muito disruptivo. Sem dúvida, a temporada de outono/inverno 2021 vai entrar para a história”. Uma nova ordem vem por aí.

 

Foto de capa: Manequins de máscaras em uma vitrine (Suíça, 31 de março) / site swissinfo.ch / Keystone