Violência obstétrica e o ser mãe

Como é o dolorido processo do descaso com a parturiente durante o parto e a importância da humanização e protagonismo feminino
por
Bruna Quirino Alves
Maria Eduarda Camargo
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09/09/2022 - 12h
Ilustração de grávida com mãos tentando agarrá-la
Ilustração: Maria Eduarda Camargo

“Ele bateu na minha perna e disse ‘Não vai nascer não? Aguenta! Faz força nessa p...’. Em seguida ele pegou uma agulha e furou a bolsa, subindo em cima da minha costela e empurrando o bebê pela barriga. Fizeram episiotomia também. Me lembro do dia seguinte - as costelas roxas, pontos em todo lugar e muita dor.” conta Marilene Martins Quirino, vítima de violência obstétrica durante o nascimento de sua segunda filha. 

Normalmente, a intervenção médica em partos deve ocorrer somente em casos específicos. Mas a realidade é outra, sobretudo no Brasil, que é o segundo país do mundo em número de cesarianas, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS). Em 2018, 55,7% do total de nascimentos foram cirúrgicos, atrás apenas da República Dominicana, com 58,1%. Embora salvem vidas quando necessárias, as cesáreas também têm riscos. A recomendação do órgão é que não excedam 15% do total de partos, de modo a reduzir os índices de mortalidade da mãe e do bebê. No setor privado, a proporção de cesáreas chega a 88% dos nascimentos; no público, a 46%.

O parto é um processo natural. Porém, ainda não deixa de ser complexo. Em casos de complicações e riscos, as intervenções médicas são necessárias, como a cesárea. Contudo, nos últimos anos, as taxas de intervenção aumentaram de forma significativa, transformando a exceção em regra. Quando realizada sem necessidade, a cesárea pode ser considerada uma forma de violência obstétrica. Mas ela não vem sozinha: a cirurgia é absorvida no meio de turbilhões de outras violências- nem sempre tão invasivas - mas ainda muito traumáticas.

Uma comprovação fatal da falta de informação a respeito do parto é a própria posição em que este é normalmente recordado - a parturiente com as pernas abertas e deitada de barriga para cima. Essa posição, no entanto, foi uma ordem do rei Luís XIV para sua esposa - porque desta forma ele poderia ver o nascimento de forma mais “clara”. Ainda que essa seja a forma mais dolorosa de parir, permanece sendo a mais utilizada em partos não-humanizados. 

Segundo a Recien - Revista Científica de Enfermagem - “A violência obstétrica é  frequente no Brasil, sendo praticada por médicos e profissionais da enfermagem, em especial, na forma de negligência, violência verbal e/ou física”. Ela nasce de uma sociedade patriarcal - que enxerga mulheres como números dentro de um sistema. Uma sociedade em que, no minuto em que o feto é descoberto no ventre, deleta a humanidade, a feminilidade e a individualidade da mãe.

Entrevistamos Larissa Leal Gonçales, profissional doula há mais de 14 anos. Ela conta que “o parto é um processo fisiológico. É algo que o corpo faz. E saber como o parto funciona é essencial para a tranquilidade do processo. A mulher normalmente chega refém - mas quando se entende o parto como um processo íntimo, fisiológico, sexual e familiar da vida da parturiente - o protagonismo da mulher é o que faz diferença no desfecho”. Por isso a informação é a base para um parto humanizado e consciente. 

A profissional ainda explica que o parto humanizado se baseia em 3 premissas: protagonismo da mulher, bases em evidências científicas e uma equipe profissional diversificada para melhor assistência do parto. Esse tipo de assistência tem como objetivo garantir que o bebê nasça sem intervenções desnecessárias - evitando traumas tanto para a mãe quanto para o bebê.

O problema da violência obstétrica é que ela não é um fenômeno isolado e sim produto de um sistema de médicos incapazes de sentir qualquer coisa que não seja o som do dinheiro caindo no bolso. Além disso, práticas violentas ainda são lecionadas e incentivadas em faculdades de medicina e a falta de informação faz com que esses procedimentos não sejam questionados, ainda que aplicados desnecessariamente.

 A violência obstétrica é física, psicológica e também sistêmica - porque é o sistema atual que contribui para que essa violência seja invisibilizada e tratada como rotina dentro da vida das parturientes. 

Essas situações vivenciadas por futuras mães prestes a dar a luz - e que as fazem vítimas dos mais variados tipos de violências - justamente por estarem indefesas e reféns desse sistema as tornam presas fáceis para seus algozes.