Vício em trading: operadores compulsivos buscam ajuda em grupos de apoio

Prejuízos financeiros e sociais estão entre as consequências enfrentadas por traders que sofrem com a prática compulsiva
por
Carlos E. Kelm
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18/09/2020 - 12h

Considerado por muitos um tipo de investimento, o chamado Trading provoca dependência e oferece sérios riscos aos operadores. Traders compulsivos recorrem a grupos de apoio em busca de ajuda.

Cursos que prometem ensinar as técnicas necessárias para viver de Trading são amplamente divulgados na internet, assim como os diversos relatos de sucesso. Nos sites das corretoras, o foco está na qualidade e acessibilidade do serviço: “Investir nunca foi tão fácil. Tudo o que você procura em uma incrível e potente plataforma de investimentos, no dispositivo de sua escolha”. A grande variedade de cursos constitui um mercado à parte, mas da codependência também se beneficiam as corretoras.

“As pessoas não tem noção de que isso é uma aposta”, afirma um dos coordenadores de relações públicas dos Jogadores Anônimos, “As pessoas vêm para o Jogadores Anônimos com problema, com essa dificuldade, mas achando que é um investidor, um executivo, e na verdade tá se perdendo” o entrevistado relata que a irmandade conta com membros que são Traders compulsivos.

Um dos membros do Jogadores Anônimos, que não quis se identificar, revela que começou como investidor em 1997 e depois passou para o Day Trading. “É um tipo de aposta, e no meu caso eu não consegui mais largar”, afirma o ex-trader, “Eu fiquei muitos anos ganhando vários dias, depois eu devolvia tudo porque eu queria recuperar o que eu perdi”

“É uma tremenda enganação o que estão fazendo com essas publicidades, é só cursinho pra enrolar os outros”, comenta o empresário, que continua a sua fala com convicção, “As pessoas entram iludidas, achando realmente que vão viver daquilo ali, mas acabam se viciando e perdendo tudo”

Questionado sobre o momento em que decidiu procurar ajuda, o ex-trader responde: “A gente só vai parar no JA quando destrói a vida, eu destruí a minha vida, foram vinte e três anos de patrimônio jogados fora”, num tom de revolta, “Chega num ponto que tu não aguenta mais, é o fundo do poço”

O empresário diz que já não opera mais, e atribui ao Jogadores Anônimos parte de seu progresso. Ele ressalta que já se recuperou financeiramente e conclui com um alerta: “Pra quem tá começando nesse mercado, nem inicie, se não for pra ser um investidor de fato, não inicie”

Maria Paula Magalhães Tavares de Oliveira, doutora em Psicologia Experimental e supervisora do AMJO - Ambulatório de Jogo do Instituto de Psiquiatria da FMUSP, fala sobre o perfil de jogadores compulsivos: “Algumas pessoas tem um perfil mais impulsivo, gostam de se arriscar mais e ficam muito fascinadas pela possibilidade de ganhar”

“Uma coisa é você jogar pra brincar, outra coisa é você entrar com esse olhar de achar que tem sorte, de que vai ganhar, de que é mais esperto, de que vai conseguir de alguma maneira calcular o risco”, esclarece a doutora, “Aí a pessoa começa a se endividar, não se conforma, e cada vez aposta mais alto pra recuperar o que perdeu”

Oliveira alerta sobre o comportamento de negação: “Quem usa a bolça de um jeito patológico vai dizer que não é jogo, que é trabalho, é investimento. A pessoa vai negar, é difícil ela perceber que tá se colocando em risco e colocando seu próprio patrimônio em risco”

A doutora aponta para a importância de falar sobre o problema: “Quanto mais a pessoa consegue pedir ajuda, mais fácil fica de interceder. Pra quem convive com jogador, o primeiro passo é tirar o julgamento moral, e entender que a pessoa precisa de ajuda, tratar como uma questão médica mesmo.

Bruno Cara Giovannetti, economista, pesquisador e professor da Fundação Getúlio Vargas, é um dos autores de um artigo que ganhou destaque em 2019 por concluir que é impossível viver de Day Trading. No artigo “Day Trading for a Living?” os pesquisadores comparam o Day Trade com jogos de azar, mais especificamente a roleta, por apresentarem probabilidades de ganho similares.

Giovannetti esclarece: “Day trade não é investimento porque é uma operação para dar resultado no mesmo dia e a pessoa não investe nenhum dinheiro. Ela simplesmente compra e vende o mesmo ativo durante o dia, tentando comprar a um preço médio menor e vender a um preço médio maior”

Para quem quer melhorar de vida, o economista recomenda primeiramente o trabalho e diz que não faz sentido esperar que a bolsa o substitua. Por outro lado, Giovannetti vê a bolsa como uma ótima opção para quem quer garantir a aposentadoria, com investimentos a longo prazo, prevê retornos de aproximadamente 7% ao ano.

No Brasil, o trading não é regulamentado, logo não é possível investir através de corretoras nacionais. No entanto, para os brasileiros que querem investir no mercado Forex, basta abrir uma conta em uma corretora internacional e começar a operar pela internet.

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