Versatilidade da música se reafirma na nova Era tecnológica

O meio musical se reinventa no TikTok, mas perde simbolismo pela "trend"
por
JESSICA AMANDA CASTRO
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14/11/2025 - 12h

Por Jessica Castro

O cenário musical mudou drasticamente, especificamente com a criação do TikTok. A plataforma, com seu modelo de vídeos rápidos e altamente compartilháveis, serviu como palco para novos artistas e hits, além de revolucionar a carreira de cantores já consagrados. Mas esse impacto não é necessariamente só positivo ou negativo: ele também trouxe discussões sobre a velocidade da indústria, a efemeridade dos sucessos e a transformação da forma como consumimos música.

É comum que a música acompanhe a evolução humana de forma extremamente próxima, por meio das tendências geracionais e sociais. Nos anos 1950, o rock encarnava o espírito rebelde do pós-guerra, representado por ícones como Elvis Presley, que não só moldaram o som da época como também estabeleceram a base da cultura pop moderna. Já nas décadas de 1990 e 2000, o fenômeno dos girl groups, como Spice Girls e Destiny’s Child, ditava moda, comportamento e até mesmo valores de empoderamento, se consolidando como símbolos de uma geração e permanecendo relevantes até hoje nas plataformas digitais.

No Brasil, exemplos não faltam: o funk carioca dos anos 2000, nascido da Miami Bass e do soul americano, ganhou força com equipes como a Furacão 2000. Mais tarde, o sertanejo universitário da década de 2010, liderado por nomes como Luan Santana e Cristiano Araújo, marcou uma nova era de consumo e identidade musical. Esses movimentos mostram que a música, além de acompanhar, também impulsiona transformações sociais e culturais.

A indústria musical, por ser uma das manifestações artísticas mais populares da atualidade, não se deixa ficar para trás. Assim como gigantes da tecnologia, as gravadoras e produtoras seguem o “cheiro do dinheiro” e a corrida pela atenção.

Em entrevista com o jornalista e ex-editor da Rolling Stone, Pablo Miyazawa, a lógica fica clara. O jornalista conta como todo mundo está concorrendo pelo tempo das pessoas. A Netflix compete com a Nintendo que compete com o TikTok. Ele ressalta que a nova geração tem uma atenção cada vez mais limitada, e isso força a criação de produtos culturais condensados, rápidos e facilmente compartilháveis. O resultado é um consumo musical cada vez mais moldado por algoritmos que priorizam a dopamina e a instantaneidade.

Esse fenômeno também revela a dependência da música em relação às grandes plataformas digitais. Assim como o rádio moldou carreiras no século XX e o YouTube foi decisivo na década de 2010, hoje o TikTok ocupa esse espaço central. O problema é que o domínio de uma única rede social cria um tipo de monocultura: se um artista não viraliza ali, muitas vezes sua chance de alcançar o grande público diminui.

Esse modelo favorece a criação dos chamados “hits de momento”: músicas produzidas quase sob medida para viralizar. Cada detalhe, seja a melodia, harmonia, ritmo e até as palavras-chave da letra, é pensado para o algoritmo, priorizando a simplicidade e a facilidade de reprodução.

Um exemplo é a faixa Resenha do Arrocha, de Eskine, que acumula mais de 34,7 mil publicações no TikTok. O sucesso não está em sua profundidade lírica, mas na repetição, nos trechos fáceis de decorar e na nostalgia, citando tendências já conhecidas. Outro caso é “Descer Pra BC”, da dupla Brenno & Matheus, que ganhou projeção graças a um meme e a um título inusitado, facilitando a pesquisa e a viralização. Nesse cenário, o lirismo tradicional cede espaço à praticidade: no TikTok, a chance de criar uma trend vale muito mais do que uma letra sofisticada.

No Brasil, nomes como Anitta, Ludmilla e Gloria Groove também perceberam o poder da plataforma. Canções como “Envolver”, que gerou o famoso “El paso de Anitta”, só alcançaram o topo das paradas globais porque foram amplamente reproduzidas no TikTok, em coreografias que se espalharam pelo mundo. O mesmo aconteceu com “Vermelho”, de Gloria Groove, que ganhou vida nova com dancinhas e memes, ultrapassando os limites do público já estabelecido.

A velocidade de consumo musical também se transformou. Miyazawa lembra que antigamente você precisava esperar o álbum sair, gastar o seu dinheiro e depois ouvir as músicas daquele artista. Mas hoje em dia tudo é muito rápido.

Até 2021, os vídeos da plataforma eram limitados a três minutos, o que estimulava ciclos de consumo infinitos. Somado à pandemia de Covid-19, quando milhões de pessoas se trancaram em casa, esse formato fomentou ainda mais a indústria da pressa. Muitos artistas independentes encontraram aí uma alternativa acessível para divulgar seu trabalho sem precisar de grandes gravadoras.

Esse período marcou a ascensão de carreiras inteiras. Jovens que gravavam músicas em seus quartos, muitas vezes sem recursos, passaram a ser descobertos por gravadoras depois que viralizaram no TikTok. É o caso do cantor JVKE, que ganhou visibilidade global com “Golden Hour”, ou mesmo de artistas brasileiros que conseguem alcançar estes marcos de maneira espontânea, como a dupla Os Barões da Pisadinha, que virou trilha sonora de milhões de vídeos durante a pandemia.

Cantores como Doja Cat souberam usar esse novo mercado. Hits como “Say So” (7,6 milhões de conteúdos virais) e “Kiss Me More” (1,5 milhão de usos) consolidaram sua imagem global. O rapper canadense bbno$, por sua vez, conquistou a comunidade de edição com músicas como “Edamame” (955 mil publicações), transformando-se em um nome presente nos trends semanais.

Mas não foram apenas novos artistas: velhos sucessos também renasceram. O clássico “Pretty Little Baby”, de Connie Francis, voltou às paradas quase 60 anos após seu lançamento, acumulando mais de 2,2 milhões de vídeos. Isso mostra que o TikTok não cria apenas novidades, mas recontextualiza o passado, transformando músicas esquecidas em fenômenos para novas gerações.

Outro exemplo é “Dreams”, do Fleetwood Mac, que viralizou em 2020 com o vídeo de um homem andando de skate enquanto bebia suco de cranberry. O clipe transformou uma música de 1977 em hit contemporâneo, provando que o TikTok pode atuar como máquina do tempo cultural.

Algoritmo

Ainda assim, esse sucesso não é totalmente orgânico. O algoritmo é cuidadosamente projetado para manter o padrão de consumo acelerado, como lembra a pesquisadora Isabela Andrade. Para ela a rede de algoritmos não é um organismo vivo, ele é formado por elementos neoliberais, onde a venda da imagem e do som se tornam o produto central.

Isso cria desigualdades. Quem não se adapta às regras da plataforma perde espaço. O caso da sueca Zara Larsson é ilustrativo: mesmo com 13 anos de carreira, acabou relegada ao posto de artista de abertura da turnê Miss Possessive em 2025, enquanto a canadense Tate McRae, que cresceu dentro da lógica do TikTok, se tornou headliner global em menos de uma década. Sua música “Greedy” já soma mais de 1,8 milhão de publicações.

O desequilíbrio também afeta a forma como os fãs se relacionam com a música. Ao mesmo tempo em que o TikTok permite uma conexão direta entre público e artista, ele cria um vínculo muitas vezes superficial, baseado em fragmentos de 15 segundos. Essa relação, altamente volátil, pode transformar carreiras da noite para o dia, mas também pode deixá-las esquecidas tão rápido quanto surgiram.

A grande questão que emerge é: até que ponto a música continua sendo arte, e quando se transforma apenas em produto? O TikTok trouxe novas oportunidades, mas também colocou em xeque a durabilidade das carreiras. Se antes o sucesso era medido em álbuns, turnês e fidelidade de fãs, hoje a métrica está em cliques, curtidas e número de vídeos criados.

Ao mesmo tempo, há espaço para reflexão: será que essa velocidade mata a criatividade, ou apenas abre caminhos diferentes de expressão? Assim como Elvis, as Spice Girls e o funk carioca moldaram gerações, talvez o TikTok esteja apenas cumprindo o papel que sempre coube à música: traduzir o espírito de seu tempo, agora marcado pela pressa, pela viralização e pelo consumo imediato.