Foi o A que o japonês encontrou na palma da mão do Valtinho que prenunciou o dom da massagem que ele carrega dentro de si. O budista o ensinou e acolheu dos 7 aos 13 anos. Ele mostra as palmas das mãos anunciantes do futuro que garantiu o sustento de sua família nos últimos anos.
Valtinho do Ipanema, aquele que mora na segunda ladeira depois da estação de trem Antonio Gianetti Neto da linha 11 coral, é mais do que um massagista pouco convencional. De janeiro ao fim de novembro, massagista esportivo, e no último mês do ano: papai noel, que parte de Jardim Ipanema e vai de bairro em bairro nas periferias de Ferraz de Vasconcelos para distribuir presentes às crianças.
Na visita, um clima cinza às vésperas de um céu azul completo. No primeiro endereço, uma casa com 3 andares e um portão branco, mas completamente vazia, sem qualquer carro ou luz acesa. “Valtinho do Ipanema?”, perguntou uma vizinha, “na rua de baixo”. Uma descida a mais e qualquer pessoa andando na rua informaria o portão do massagista.
Em frente à casa, uma menina. “Valtinho do Ipanema?”, digitou alguns números e solicitou a espera. Em 3 minutos, um cachorro da raça Yorkshire sai do portão ao lado e apenas deita na calçada. Em 5, um cachorro parecido com a raça Pastor Alemão fica em pé na laje da casa. Após 9 minutos, Teresa, irmã-assistente de Valtinho, abre a passagem para a porta para um cômodo de uns 16 metros quadrados - o cachorro de grande porte não apareceu.
O consultório apertado-amontoado de documentos e certificados meio escondidos tem a trilha sonora de telefonemas que nunca acabam - impossíveis de acompanhar. As massagens que começam às nove da manhã vão até a madrugada do dia seguinte, período reservado aos irmãos da região. Atletas, PMs, crianças, bebês, idosos, irmãos; o único requisito é que venham até ele: a preferência é dos humildes. “De gente que nem vocês”.
Por muito tempo, o trabalho do Valtinho foi em conjunto a times de várzea da região, atendendo durante os jogos e em horas marcadas no consultório. Uma de suas maiores reclamações de trabalhar nesse ramo é a desvalorização - muitos atendimentos não pagos além de baixo reconhecimento após o trabalho feito. Sua passagem na política de Ferraz de Vasconcelos também leva essas reclamações. Para ele, nada pode ser feito esperando resposta, seja bater uma laje nas casas vizinhas ou a realização de uma massagem gratuita. “O retorno só vem de Deus”.
Figuras como Valtinho são comuns em bairros periféricos onde o Estado não está presente de maneira positiva. Essa ausência de normas, relegando as periferias a uma lógica de ordem da desordem, cria esses atores como resposta. Coletivos artísticos, igrejas e até o surgimento do crime organizado supriram regiões com normas de convivência e conduta ocupando um espaço de ordenação renegado pelo Estado. Trazer asfalto, luz e água, distribuir presentes e fazer o papai noel todo ano são coisas feitas por Valtinho no bairro do Ipanema, mas não se limitam a este bairro nem a essa pessoa especificamente. O que se repete é a existência de pessoas responsáveis por fazer o que ninguém mais quer: cuidar dos bairros periféricos das cidades.
O massagista e papai noel aponta para os quadros do corpo humano pendurados acima da maca e sente com os bambus feitos sob medida, encomendados a cada 3 meses, os nós de cada parte do corpo examinada. Com uma máquina de massagem, o procedimento é semelhante e nenhum osso desvairado aparenta fugir da percepção das mãos de Valtinho.
O facão enfiado em um toco de madeira na cabeceira da maca não é pra nada a não ser cortar eventuais cordões com nós cegos nas calças de pacientes. Valtinho também atende PMs e irmãos, eventualmente armados com sabe se lá o quê, e não se sabe qual a intenção deles e nem quais serão suas reações às dores da massagem.
Os galões de água curtem o remédio de maçã de elefante feito por ele, um dos mais utilizados. A fruta grande é cortada e curtida por alguns dias em álcool 70% (já que o 46% é água e o 90%, que seria o ideal, não é mais vendido) e nenhum toque no corpo de pacientes acontece sem ela. Quem bebe desse remédio não fica puro, o causo conta da força de álcool de posto e de elefantes que caem bêbados comendo 5 ou 6 das frutas. Antes da entrada de Valtinho no consultório, o dono da farmácia contava de um bêbado a quem ofereceu um gole do remédio, mas acabou tragando mais que isso e teve que ser buscado pelo filho.
O que chama atenção das pessoas, e as atrai de tão longe quanto Araraquara para uma sessão, é o fator não usual das massagens de Valtinho. Ele diz ter três intensidades: a leve, para quem não precisa melhorar tão rápido, a média, para aquele cara que precisa jogar no final de semana, e a forte, pra quem precisa jogar amanhã. Para o ajuste de coluna, um toco de bambu de aproximadamente 1 metro de comprimento faz bem o trabalho. Os bambus menores são furados em um lado só para colocar um dos dedos da mão que vão sentir o que mais pode estar fora do lugar.