Valtinho do Ipanema é massagem, várzea e bairro

Massagista ajudou a construir Jardim do Ipanema, na Zona Leste de São Paulo
por
Artur dos Santos
Kawan Novais
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28/11/2023 - 12h

 

A na mão do Valtinho do Ipanema

Foi o A que o japonês encontrou na palma da mão do Valtinho que prenunciou o dom da massagem que ele carrega dentro de si. O budista o ensinou e acolheu dos 7 aos 13 anos. Ele mostra as palmas das mãos anunciantes do futuro que garantiu o sustento de sua família nos últimos anos. 

Valtinho do Ipanema, aquele que mora na segunda ladeira depois da estação de trem Antonio Gianetti Neto da linha 11 coral, é mais do que um massagista pouco convencional. De janeiro ao fim de novembro, massagista esportivo, e no último mês do ano: papai noel, que parte de Jardim Ipanema e vai de bairro em bairro nas periferias de Ferraz de Vasconcelos para distribuir presentes às crianças. 


Paisagem do Ipanema
Foto: Kawan Novais.
Paisagem do Ipanema
Foto: Kawan Novais.

Na visita, um clima cinza às vésperas de um céu azul completo. No primeiro endereço, uma casa com 3 andares e um portão branco, mas completamente vazia, sem qualquer carro ou luz acesa. “Valtinho do Ipanema?”, perguntou uma vizinha, “na rua de baixo”. Uma descida a mais e qualquer pessoa andando na rua informaria o portão do massagista.

Em frente à casa, uma menina. “Valtinho do Ipanema?”, digitou alguns números e solicitou a espera. Em 3 minutos, um cachorro da raça Yorkshire sai do portão ao lado e apenas deita na calçada. Em 5, um cachorro parecido com a raça Pastor Alemão fica em pé na laje da casa. Após 9 minutos, Teresa, irmã-assistente de Valtinho, abre a passagem para a porta para um cômodo de uns 16 metros quadrados - o cachorro de grande porte não apareceu.


 

escritório do valtinho
Foto: Artur dos Santos.

O consultório apertado-amontoado de documentos e certificados meio escondidos tem a trilha sonora de telefonemas que nunca acabam - impossíveis de acompanhar. As massagens que começam às nove da manhã vão até a madrugada do dia seguinte, período reservado aos irmãos da região. Atletas, PMs, crianças, bebês, idosos, irmãos; o único requisito é que venham até ele: a preferência é dos humildes. “De gente que nem vocês”.

Por muito tempo, o trabalho do Valtinho foi em conjunto a times de várzea da região, atendendo durante os jogos e em horas marcadas no consultório. Uma de suas maiores reclamações de trabalhar nesse ramo é a desvalorização - muitos atendimentos não pagos além de baixo reconhecimento após o trabalho feito. Sua passagem na política de Ferraz de Vasconcelos também leva essas reclamações. Para ele, nada pode ser feito esperando resposta, seja bater uma laje nas casas vizinhas ou a realização de uma massagem gratuita. “O retorno só vem de Deus”.

Figuras como Valtinho são comuns em bairros periféricos onde o Estado não está presente de maneira positiva. Essa ausência de normas, relegando as periferias a uma lógica de ordem da desordem, cria esses atores como resposta. Coletivos artísticos, igrejas e até o surgimento do crime organizado supriram regiões com normas de convivência e conduta ocupando um espaço de ordenação renegado pelo Estado. Trazer asfalto, luz e água, distribuir presentes e fazer o papai noel todo ano são coisas feitas por Valtinho no bairro do Ipanema, mas não se limitam a este bairro nem a essa pessoa especificamente. O que se repete é a existência de pessoas responsáveis por fazer o que ninguém mais quer: cuidar dos bairros periféricos das cidades.

O massagista e papai noel aponta para os quadros do corpo humano pendurados acima da maca e sente com os bambus feitos sob medida, encomendados a cada 3 meses, os nós de cada parte do corpo examinada. Com uma máquina de massagem, o procedimento é semelhante e nenhum osso desvairado aparenta fugir da percepção das mãos de Valtinho. 

O facão enfiado em um toco de madeira na cabeceira da maca não é pra nada a não ser cortar eventuais cordões com nós cegos nas calças de pacientes. Valtinho também atende PMs e irmãos, eventualmente armados com sabe se lá o quê, e não se sabe qual a intenção deles e nem quais serão suas reações às dores da massagem.

Maçã de elefante
Valtinho mostrando Maçã de Elefante. Foto: Artur dos Santos.

 


Os galões de água curtem o remédio de maçã de elefante feito por ele, um dos mais utilizados. A fruta grande é cortada e curtida por alguns dias em álcool 70% (já que o 46% é água e o 90%, que seria o ideal, não é mais vendido) e nenhum toque no corpo de pacientes acontece sem ela. Quem bebe desse remédio não fica puro, o causo conta da força de álcool de posto e de elefantes que caem bêbados comendo 5 ou 6 das frutas. Antes da entrada de Valtinho no consultório, o dono da farmácia contava de um bêbado a quem ofereceu um gole do remédio, mas acabou tragando mais que isso e teve que ser buscado pelo filho. 

O que chama atenção das pessoas, e as atrai de tão longe quanto Araraquara para uma sessão, é o fator não usual das massagens de Valtinho. Ele diz ter três intensidades: a leve, para quem não precisa melhorar tão rápido, a média, para aquele cara que precisa jogar no final de semana, e a forte, pra quem precisa jogar amanhã. Para o ajuste de coluna, um toco de bambu de aproximadamente 1 metro de comprimento faz bem o trabalho. Os bambus menores são furados em um lado só para colocar um dos dedos da mão que vão sentir o que mais pode estar fora do lugar. 

 

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