Tudo é rio: o fluxo incontrolável das emoções

Best-seller de Carla Madeira tornou-se um dos livros de ficção mais vendidos do país
por
Bruna Quirino Alves
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14/11/2023 - 12h

“Tudo é rio” é o romance de estreia de Carla Madeira. Publicado pela editora Record, está na seleta lista dos livros brasileiros de ficção mais vendidos. Em 2021 e 2022, a obra vem dividindo com Torto Arado, de Itamar Vieira Junior (o mais vendido da categoria no Brasil), a atenção de leitores e críticos. Também pela Record, a autora lançou Véspera (2021), o terceiro e inédito romance, e relançou A Natureza da Mordida (2022), o segundo, que havia sido publicado em 2018.

Tudo é rio de Carla Madeira é um livro sobre transbordamento, como a própria autora define. O processo de leitura te leva em uma montanha-russa onde o amor, o ódio e o perdão se misturam em um rio de sentimentos, os quais não se pode controlar.

A história traz três personagens principais: Lucy, prostituta da cidade, e o casal Dalva e Venâncio. Eles, até então muito apaixonados, tiveram o casamento marcado por uma tragédia, que mudou completamente a dinâmica entre eles, a partir desse momento Lucy atravessa a história dos dois e é atravessada por eles com a mesma intensidade.

Carla Madeira constrói camadas sem uma régua moral e seus personagens apresentam complexidade e profundidade, enquanto fogem de maniqueísmos. Ao longo do livro, o leitor se vê em uma posição de confusão constante e a autora provoca essa sensação intencionalmente, e com excelência.

Inventivo na forma, o romance organiza-se por capítulos que desobedecem a ordem cronológica e vão e voltam, tal como uma série televisiva em que a câmera muda a cada cena. O tema do amor e da tragédia não tem nada de original, mas o grande trunfo de Carla Madeira é a forma pela qual sua linguagem poética, suave, nos conta essa história.

A obra é questionadora e provocante em uma essência, mas o principal questionamento gira em torno do perdão: Como perdoar o imperdoável e lidar com o amor que permanece?

Carla não se atém à superficialidade ao narrar detalhadamente o quão excruciante é a dor que Dalva, a personagem principal, vivencia em sua jornada pelo luto, até o perdão. A escolha de repetir certas cenas durante a narrativa é proposital e enfatiza como a dor pode ser paralisante, se manter em um ciclo destrutivo parece ser a única escolha.

A violência doméstica é retratada a partir de uma perspectiva diferente. A autora se afasta do julgamento e demonstra empatia com as mulheres que não conseguem sair desse tipo de situação, o que pode ser visto no seguinte trecho da obra:

“Dalva poderia tantas coisas se pudesse. Mas só pôde o que fez. Quem vê de fora faz arranjos melhores, mas é dentro, bem no lugar que a gente não vê, que o não dar conta ocupa tudo.”

Após receber críticas por “romantizar” a agressão, a autora afirma que o intuito nunca foi esse. Ela explora a sua própria curiosidade que permeia as motivações que levam uma mulher violentada à escolher ficar.

Tudo é rio é uma investigação sobre a água, ou seja, sobre tudo aquilo que é tão potente que não se pode limitar à qualquer coisa além de seguir o próprio fluxo. O amor, o ódio, a raiva, são sentimentos que, quando represados, tensionam o sujeito que sente e acabam transbordando. Aqui temos uma obra que permanece ressonando no leitor, mas não em sua mente racional, mas nesse intangível lugar onde mora aquilo que não conseguimos traduzir em palavras, só sentir.