Trump inicia segundo mandato com ações agressivas

Primeiro trimestre do republicano é marcado por decisões controvers as
por
Felipe Bragagnolo Barbosa
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04/04/2025 - 12h

 

 

Em março, Donald Trump completou seu primeiro trimestre de um segundo mandato como presidente dos Estados Unidos, iniciando uma cruzada regressiva que desmantela conquistas sociais, ambientais e diplomáticas das últimas décadas. Em apenas 30 dias, o republicano já havia assinado dezenas de ordens executivas, promovendo uma agenda nacionalista e corporativa sob o slogan "America First" (América em Primeiro). Suas decisões priorizam os interesses de magnatas e aliados políticos, enquanto ignoram as vozes das minorias, dos trabalhadores e das comunidades mais afetadas pela desigualdade e pela crise climática.

Entre as medidas mais controversas estão as tarifas de 25% impostas a produtos do México, Canadá e China, que economistas progressistas alertam que irão encarecer bens essenciais para os mais pobres, e a retirada dos Estados Unidos da Organização Mundial da Saúde (OMS), uma decisão vista como um golpe contra a saúde global em tempos de pandemias e desigualdades crescentes. Trump também reverteu compromissos ambientais cruciais e intensificou políticas anti-imigração que violam princípios básicos de direitos humanos, reacendendo debates sobre justiça social, solidariedade internacional e a responsabilidade dos EUA como líder global.

Imigração

A promessa de deportação em massa, um dos pilares de sua campanha populista, começou a ser implementada com uma brutalidade que horrorizou defensores dos direitos humanos e organizações como a Anistia Internacional. O plano inicial de expulsar 11 milhões de imigrantes indocumentados em dois anos enfrentou forte resistência de movimentos de base, com protestos massivos em cidades como Chicago, Los Angeles e Nova York, forçando a Casa Branca a adiar parte das ações para março. Até agora, cerca de 25 mil pessoas — muitas delas mães, trabalhadores essenciais e vítimas de violência em seus países de origem — foram deportadas, com Trump desviando US$ 5 bilhões do orçamento militar para financiar essa máquina repressiva, em vez de investir em áreas essenciais, como a saúde ou a educação.

No dia 21 de janeiro,declarou estado de emergência na fronteira sul, mobilizando a Guarda Nacional e reinstaurando a cruel política "Remain in Mexico", que força requerentes de asilo a aguardarem em campos improvisados no lado mexicano, expostos a violência, fome e doenças. A extinção do "capturar e libertar" e a criação de "centros de triagem" com capacidade para processar 10 mil pessoas por dia transformaram a fronteira em uma zona de guerra contra os mais vulneráveis. "Estamos vedando o acesso a quem infringe as nossas normas", declarou Trump, em um discurso carregado de xenofobia e elitismo. Suas medidas também cortaram benefícios como o Medicaid para imigrantes legais e propuseram um sistema de vistos que privilegia os ricos e fluentes em inglês, aprofundando a exclusão social e o racismo institucional.

Conflitos Internacionais

Nas relações internacionais, Trump anunciou uma pressão por um acordo imediato entre Rússia e Ucrânia, mas sua abordagem autoritária e pró-Rússia gerou alarme entre progressistas e defensores da soberania ucraniana. Em uma reunião tensa com o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky no Salão Oval, Trump elevou o tom, repreendendo-o com frases como “Você não está em uma posição boa agora. Você não tem as cartas. Você está jogando com a Terceira Guerra Mundial”. Ele ainda exigiu gratidão pelos US$ 114 bilhões de apoio militar americano desde 2022, ignorando que essa ajuda foi aprovada por uma coalizão bipartidária e que a Ucrânia luta por sua sobrevivência contra a agressão imperialista de Vladimir Putin.

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Trump arrogante confronta e destrata Zelensky. Foto: REUTERS/Brian Snyder

 

 

O Professor de Relações Internacionais da PUC-SP, Rodrigo Amaral, em entrevista à AGEMT, analisou o impacto do segundo mandato de Trump nas alianças tradicionais dos EUA, como a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). Segundo ele, há duas dimensões principais: “Uma primeira é a discursiva, que gira em torno da posição política do Trump desde a sua candidatura, que era um presidente que valorizaria os Estados Unidos em primeiro lugar, por isso que ele usava aquele termo, America First, ou o mais pop, Make America Great Again. Isso, em termos de discurso, impactou muito os aspectos multilaterais que os Estados Unidos faziam parte”. 

Amaral destaca que a OTAN, o mais importante corpo multilateral militar do qual os EUA fazem parte, enfrenta incertezas com essa postura: “No âmbito prático, imediatamente o Trump anunciou que pressionaria pelo fim da guerra, um cessar-fogo na Ucrânia. Isso era visto como positivo no âmbito da solução dos conflitos, mas temeroso no âmbito do que vai ser a estratégia desse corpo multilateral, segurança coletiva, mediante uma ordem liberal em crise”.

O professor aprofunda a análise sobre a Ucrânia: “Nós vimos recentemente uma conversa constrangedora do Zelensky na Casa Branca com o Trump, que demonstra como os Estados Unidos podem mandar e desmandar na Ucrânia. Diferentemente de Israel, não é uma relação tradicional que os Estados Unidos têm com a Ucrânia, é uma relação de conveniência. A Ucrânia como um espaço para contenção do aumento da esfera de influência russa no leste europeu”. No entanto, ele critica: “Deu errado, porque a guerra na Ucrânia não só aconteceu como aconteceu de forma imprevisível. A Rússia conseguiu redefinir sua economia em direção a uma economia de guerra e para os contra-hegemônicos, como Irã, Coreia do Norte e China, enquanto a guerra só gerava gasto para a Ucrânia e seus aliados”.

 A postura de Trump é vista por analistas como uma traição aos valores democráticos e uma capitulação aos interesses de Moscou. Movimentos pacifistas e organizações como a CodePink criticam sua pressão por um acordo rápido como uma tentativa de apaziguar Putin, sacrificando a autodeterminação ucraniana em nome de uma suposta "estabilidade" que beneficia autocratas. Amaral reforça: “Ainda não há determinantes finais. Essa incerteza é o que toca o que tem acontecido até aqui”. Enquanto isso, a população ucraniana, já devastada por anos de guerra, teme que os EUA, sob Trump, abandonem seu papel de aliado em favor de uma política externa egoísta e transacional, que prioriza acordos com ditadores em vez de apoio aos povos oprimidos.

No conflito entre Israel e Hamas, Trump reivindicou crédito por um cessar-fogo iniciado na gestão Biden, propondo uma "paz pela força" que inclui a possibilidade de intervenção militar direta dos EUA em Gaza. Amaral comenta: “Mesmo antes do início do cessar-fogo em Gaza, Trump havia anunciado que isso era o plano dele. Ele teve representantes que foram até Israel pressionar Netanyahu, e fato é que houve um cessar-fogo. No entanto, semanas depois, ele não perdurou, ainda que houvesse um discurso de reconstrução de Gaza, que seria um plano neoliberal, incluindo empresas privadas multinacionais”. Ele critica essa abordagem: “Isso vem à esteira da expulsão palestina sistemática, que já acontece há, no mínimo, 75 anos, ou mais, se considerarmos o mandato britânico na Palestina”. 


Amaral vai além, denunciando a gravidade da situação atual: “Nós vivemos talvez o pior momento da história palestina. Por conta da maneira pela qual o Ocidente autorizou o assassinato em massa de palestinos, a expulsão em massa de palestinos do Oriente Médio, a tal ponto que temos mais de 50 mil mortos, assassinados pelo Estado de Israel desde o início da Guerra de Gaza de 2023”
 

 

Meio Ambiente

No âmbito ambiental, Trump declarou uma chamada "emergência energética", uma jogada que ambientalistas e cientistas classificam como um crime contra o planeta e as gerações futuras. Ele autorizou a exploração de petróleo em territórios prístinos do Alasca, destruiu incentivos para veículos elétricos — uma esperança para reduzir emissões — e oficializou, pela segunda vez, a saída dos EUA do Acordo de Paris. Essas ações, vendidas como estímulo econômico, são na verdade um presente às gigantes do petróleo, que lucrarão às custas de ecossistemas frágeis e do agravamento das mudanças climáticas. Ativistas do Greenpeace e do Movimento Sunrise denunciam que tais políticas condenam comunidades vulneráveis, como as populações indígenas e costeiras, a desastres ambientais, enquanto Trump ignora o apelo global por uma transição energética justa e sustentável.

Economia e Governo

Na economia, Trump lançou o Departamento de Eficiência Governamental (DOGE), liderado por bilionários como Elon Musk e Vivek Ramaswamy, com a meta de cortar US$ 2 trilhões do orçamento federal até 2028. Esse plano, disfarçado como "modernização", visa desmantelar programas sociais essenciais, como assistência à saúde, moradia e educação, enquanto demite milhares de servidores públicos que garantem o funcionamento do Estado. A suspensão de contratações baseadas em diversidade e a imposição do trabalho presencial em órgãos federais são vistas por sindicatos e movimentos antirracistas como ataques diretos à equidade e aos direitos trabalhistas.

"Queremos transformar o governo em uma empresa: eficaz, enxuta e focada em resultados", declarou Musk, uma visão que críticos alertam que entrega o bem público nas mãos de uma elite corporativa, aprofundando a desigualdade e enfraquecendo serviços que protegem os mais pobres. Trump prometeu que o DOGE será "o maior impacto na burocracia desde a fundação do país", mas organizações como a AFL-CIO e a National Education Association denunciam que o projeto ameaça o acesso a direitos básicos, beneficiando apenas os ricos e os poderosos enquanto abandona as comunidades marginalizadas.