Nesta quarta-feira, 25, teve continuidade e conclusão a 50ª sessão do Tribunal Permanente dos Povos, sediado no Largo São Francisco na região central de São Paulo e em Roma, na Itália. Em contraste à sessão anterior, esta foi reservada à defesa do governo federal acusado de crimes contra a humanidade, que, por sua vez, negou participação e não enviou responsáveis para realizarem sua defesa. Foram convocadas, então, testemunhas representantes de povos indígenas para darem continuidade às denúncias ao atual governo e a Jair Bolsonaro, presidente da república.
A sessão anterior teve um final esperançoso no qual foi explicitada a importância de um tribunal internacional, mesmo que sem capacidade de aplicar penas, na estratégia de levar as condutas negativas do governo a público.
Foi neste tom que o dia começou no Salão Nobre da Faculdade de Direito da USP. Para o professor de instituições de direito Guilherme Assis de Almeida, as expectativas para esta última sessão eram positivas, pois neste tribunal são tratadas narrativas de fatos que não podem ser negadas. Sobre a ausência de uma representação que defendesse o governo, disse ser característico de uma gestão avessa a qualquer diálogo com a população tal como esta que comanda o país: “não surpreende”, conclui.
Ainda sobre o não comparecimento de uma representação do governo federal, acusado de crimes contra a humanidade, Eloísa Machado, advogada de acusação da Comissão Arns, disse à Agemt que: “o estatuto do Tribunal Permanente dos Povos (TPP) prevê a possibilidade de apresentação de documentos oficiais para a visão ampla dos fatos mesmo sem a presença da parte acusada”.
A abertura da sessão contou com discursos de juízes e professores que, representando a Comissão Dom Paulo Evaristo Arns, retomaram a importância do tribunal com falas assertivas sobre os possíveis crimes cometidos pelo governo federal durante a pandemia e sobre como estes não se limitavam ao senso jurídico propriamente dito, mas que feriam a dignidade do povo brasileiro e que, portanto, cabiam ao julgamento de um tribunal tal como o TPP. “Longa vida ao TPP, viva o Brasil, viva o povo brasileiro!” exclama Maria Victoria de Benevides ao final de seu discurso.
Após a abertura, foram apresentados os testemunhos de quatro representantes dos povos indígenas, dentre eles Auricélia Fonseca, líder indígena dos Tapajós; Maurício Terena advogado da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil; Carolina Santana assessora jurídica do Observatório de Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato e Lindomar Terena, representante do povo Terena e da terra indígena de Cachoeirinha.
Em um discurso doloroso, Auricélia relata as perdas dos anciãos de seu povo, das bibliotecas vivas, como os classifica. Lembra da perda de seu avô, da contaminação de 70% dos Tapajós pelo Mercúrio que sai do garimpo ilegal e reforça que tudo isso já acontece, que esses “projetos de morte”, como disse, já são realidade nos territórios indígenas. Relembra da morte de seus parentes, “das crianças engolidas pela lama, mulheres e crianças sendo estupradas e tudo isso sendo endossado pelo governo” e diz, em lágrimas, que a essas mortes não será feito nem um minuto de silêncio, que vai falar por elas.
Carolina Santana tratou de povos indígenas isolados e do elevado grau de vulnerabilidade social e epidemiológica que têm. Cita o desaparecimento do povo Juma (do qual o último integrante morreu no dia 17/02/2021 por covid) e Tamandua e Baite, duas últimas pessoas do grupo Piripkura ainda isoladas: “eles aparecem intermitentemente, pedindo fogo e eventuais mantimentos… podem um dia não aparecer mais”.
O veredito do julgamento será apresentado no fim de Julho. Às testemunhas, resta a esperança de que sejam alcançados resultados positivos em espaços internacionais.