As transformações cinematográficas na pandemia

Uma análise de como a pandemia em conjunto com o avanço tecnológico influenciaram a forma de fazer e consumir cinema
por
Bruna Galati e Leticia Galatro
|
07/04/2021 - 12h

 

Por Bruna Galati e Leticia Galatro 

Carolina Faita, de 22 anos, está há algumas semanas de menstruar e isso significa que está odiando o mundo e esperando ansiosamente por aquele momento que irá chorar com um filme de romance. Ela acredita que não seria tão acolhedor fazer isso no cinema e fica aliviada de estar no conforto de sua casa, com uma pipoca de microondas e um cobertor. 

Deitada no sofá da sala, Carol dá play no terceiro filme de "Para todos garotos que já amei" e se prepara para mais um clichê que trará algumas de suas lágrimas. O crescimento dos streamings, forma de acessar e consumir conteúdos sob demanda, garante cenas como essa no dia a dia das pessoas. Qualquer dispositivo conectado à internet é o suficiente para acessar as mais diversas plataformas e desfrutar de produções de qualidade e para diferentes gostos. 

Lançada no universo online em 2007, a Netflix é uma das plataformas mais famosas de filmes. No Brasil, essa tendência de assistir conteúdos, pagando uma mensalidade, apresentou um crescimento contínuo a partir de 2013. Com a pandemia e as pessoas buscando lazer dentro de casa, a empresa encerrou 2020 com um recorde. Em apenas um ano ganhou 37 milhões de usuários, totalizando 204 milhões de assinantes. Isadora Castaldi, de 21 anos, faz parte desse número. Ela não se conteve apenas com esse streaming e virou cliente da Amazon Prime e da Disney+.  

Embora Isadora relate que se distanciou dos filmes. Para ela, assistir algo no cinema costumava ir muito além do conteúdo passado em tela. Quando tinha uma sexta-feira livre, encontrava as amigas no shopping mais próximo de sua casa, passava na Loja Americanas para comprar um pacote de batatas fritas, um saquinho de doces e um refrigerante e caminhava feliz em direção a sala do filme. Não pensava muito na escolha, mas sabia que o gênero não poderia ser terror. 

Hoje, Isadora opta pelas séries nas plataformas e não pelos filmes, já que eles não prendem tanto a sua atenção como acontecia no ambiente do cinema. Quando ela escolhe assistir um longa metragem, normalmente são produções feitas para streaming, como Daniel Castello, consultor e palestrante de estratégias digitais, menciona: 

Segundo um levantamento da consultoria App Annie, especializada no setor de streaming, o Brasil é o sexto país que mais gasta dinheiro com plataformas de streaming. E segundo Daniel, isso acontece porque as diversas plataformas tendem a criar produções com propostas temáticas e estéticas que conquistam novos públicos distintos. 

Castello nunca foi um grande fã de futebol. Odiava que no passado a socialização era baseada em placar, pênaltis e times vencedores, na rodinha dos homens. O papo das mulheres era focado no resumo do último capítulo da novela. Daniel não conseguia interagir com nenhum deles, já que não era um consumidor desses conteúdos. Com a expansão dos streamings e as pessoas descobrindo novos gostos, ele conseguiu se encontrar, já que atualmente existem públicos para diversos gêneros, os que gostam de heróis, como é o caso de Daniel, os que gostam de serial killers, os que gostam de documentários e assim por diante.

Outro ponto trazido pelos entrevistados é que com o surgimento das plataformas digitais, agora eles podem consumir os conteúdos dos seus interesses em diversos lugares, como afirma o professor de cinema André Gatti. 

Essa afirmação também é levantada por Mauro Peron, doutor em Multimeios, quando ele diz que os streamings levam as cinematografias dos grandes estúdios em nichos antes ausentes, devido às tecnologias que permitem a visualização de filmes em múltiplos dispositivos.  A geração Alpha, marcada pelos nascimentos pós 2010, já cresce em ambiente totalmente dependente da tecnologia. Esse avanço digital tem impactado nos mais diversos âmbitos do conhecimento, inclusive na produção cinematográfica, arte totalmente dependente da tecnologia. 

A  impossibilidade de sair de casa somada a ideia de assistir qualquer filme, quantas vezes quiser, no conforto de casa, sem precisar se dedicar 100% para aquele momento, pela presença de smartphones e outros tipos de distrações, favorece a escolha por streaming. 

Além disso, as salas de cinema são uma oferta de cultura elitizada, limitando o acesso de parte da população. Segundo uma pesquisa do IBGE, em 2018, 39,9% da população morava em municípios sem, ao menos, um cinema. Sobre esse assunto, a cineasta Carol Serrano, acrescenta: "A assinatura de uma plataforma de streaming vale muito mais a pena, claro que muitas pessoas não possuem áudio e imagem de qualidade igual a uma sala de cinema, mas em compensação podem ter milhares de filmes para assistir pelo preço de um bilhete, além de não precisarem gastar dinheiro extra com transporte”. 

O cinema, portanto, representa uma dupla desigualdade. Há restrições quanto ao acesso à educação, à estrutura básica para sobrevivência e ao contato com equipamentos culturais. 

A oferta de cultura é essencial para uma sociedade, porque incentiva a aprendizagem de uma forma leve e natural. Dessa forma, mesmo que esteja perdendo sua força com a chegada das plataformas de streaming, o cinema tradicional ainda está longe de acabar.

A ida ao cinema é um movimento importante para a convivência e lazer de muitas famílias ao redor do mundo. Nada se compara a sensação de esperar ansiosamente pelo lançamento de um filme, comprar ingressos, um combo de pipoca e bebida e sentar em uma sala confortável e feita unicamente para esse tipo de experiência. 

Com o avanço da contaminação por Covid-19, empresas de entretenimento buscam alternativas para garantir um entretenimento fora de casa seguro. 

Uma das soluções encontradas foi a criação de cinemas drive-in, caracterizados como grandes espaços ao ar livre, em que as pessoas podem assistir aos filmes em seus próprios carros. Comum nos anos 50 e 60, esta maneira de oferecer sessões de filmes faz sucesso durante o isolamento social por oferecer segurança e diversão. Vários espaços se adaptaram e a nova forma de diversão está espalhada por toda cidade de São Paulo. 

A atração, que vem tendo uma grande adesão do público, conta com a exibição de filmes antigos e preço cobrado por carro com até 4 pessoas. Alguns lugares até oferecem pipoca e bebidas, através de garçons devidamente protegidos. “Era só dar um sinal de luz com o carro que aparecia um funcionário para tirar o pedido a qualquer minuto do filme. Não tem que se preocupar em comprar a pipoca antes do filme começar “, relembra Paola Grandino, de 21 anos. 

Ela conta que além disso, vários outros motivos a fizeram gostar da experiência e querer voltar:  “Você paga pela noite, eu comprava a entrada do  filme das 18h, mas podia ficar para assistir o filme das 20h e das 22h se quisesse. Acaba sendo mais barato que um cinema normal. E o que a gente gostava era do conforto do carro. A gente podia conversar durante o filme sem incomodar ninguém e controlar o volume, já que o som vem por estação de rádio".

Dois cinemas a céu aberto no País responderam por 98,8% da bilheteria brasileira no final de semana de 21 a 24 de maio. Juntos, o Cine Drive-In Brasília e o Cinesystem Litoral Plaza Drive-In, de Praia Grande (SP), arrecadaram R$ 76,3 mil e atraíram mais de 3.000 telespectadores.

Por mais que essa forma de fazer cinema esteja em alta neste momento, não há certeza de seu futuro. Acredita-se que pós-pandemia ocorra um efeito rebote, no qual todos os serviços que ficaram fechados durante a fase vermelha vão ser consumidos em excesso. Com isso, certamente, os cinemas a céu aberto vão perder espaço para as salas de cinemas convencionais.  

Além disso, apesar de ser a melhor solução em meio ao cenário pandêmico atual, o Cinema Drive-In apresenta algumas características desfavoráveis para sua permanência, como destaca Isabela Aguiar:


 

Tags: