Por quase 40 anos - de 1940 a 1979 - as mulheres foram impedidas de praticar - de maneira oficial - o esporte mais importante do país. Em 1940, foi realizada a primeira partida oficial entre times formados por mulheres. O palco para esse momento histórico foi o Pacaembu, em São Paulo, para um amistoso entre o Sport Clube Brasileiro e o Casino de Realengo, ambos do Rio de Janeiro. A partida ocorreu antes de outro amistoso entre Flamengo e São Paulo, para um público de cerca de 65 mil pessoas que estavam no estádio.
A repercussão da partida gerou descontentamento dos conservadores, que pressionaram para que a prática do esporte fosse proibida entre as mulheres. Com alegações de que o futebol seria um esporte "violento" e que iria contra a natureza biológica feminina de ser mãe. Essa pressão acabou surtindo efeito e o então Presidente Getúlio Vargas acabou assinando o seguinte decreto:
“Às mulheres não se permitirá a prática de desportos incompatíveis com as condições de sua natureza, devendo, para este efeito, o Conselho Nacional de Desportos baixar as necessárias instruções às entidades desportivas do país.”
Porém, mesmo impedidas, as mulheres buscavam se organizar de forma extraoficial para praticar o esporte e após muita luta a revogação da medida veio em 1979. A modalidade passou por um período de organização, para começar a ser regulamentada somente em 1983. Os reflexos dessa proibição não são difíceis de enxergar. Apesar de contarmos com jogadoras extremamente talentosas, a seleção ainda não conquistou nenhuma Copa do Mundo.
Em busca do Topo
A Seleção Brasileira participou de todas as oito edições de Copa do Mundo. Em 2007, nossa seleção feminina passou da fase de grupos com tranquilidade com 3 vitórias em 3 jogos. Nas quartas, venceu a Austrália por 3 a 2 numa partida apertadíssima, e foi para a final depois de superar de forma dominante a seleção dos Estados Unidos em uma goleada por 4 a 0.
Na final contra a Alemanha, as brasileiras conheceram seu primeiro revés, acabando com o sonho canarinho naquela que foi a melhor participação brasileira em Copas do Mundo.
O Brasil sempre foi uma seleção a ser observada nas Copas, principalmente no auge de Marta a seleção carregava o status de favoritas, status esse que nunca foi colocado em campo. Se atribui essa falta de sucesso no trabalho realizado pelos treinadores da seleção que contavam muito com o talento individual das jogadoras e pouca organização tática.
A comandante
Para falar desse ciclo de seleção brasileira precisamos exaltar o trabalho da treinadora sueca Pia Sundhage. Seu impacto vai além da tático ou sua relação de liderança que ela tem com as jogadoras. Pia promoveu uma mudança na estrutura do Futebol Feminino dentro da CBF.
O trabalho da Sueca passa muito além do resultado esportivo, sua missão é criar uma cultura e dar visibilidade para o futebol femino no país. A passagem de Pia pela seleção conta com 32 vitórias em 52 jogos, 130 gols marcados e 38 sofridos.
A treinadora teve um ciclo de altos e baixos. Como por exemplo a eliminação precoce nas Olimpíadas de Tóquio, em 2020, nas oitavas de final para a seleção do Canadá nos pênaltis. Do lado positivo, o Brasil venceu a Copa América sem tomar conhecimento dos seus adversários com uma campanha com seis vitórias em seis jogos.
Essa Copa do Mundo será mais um tijolo na construção da identidade da seleção brasileira e independente do título. A meta do Brasil é passar por mais esse processo necessário para construção de uma seleção dominante. E todo o trabalho passa pela treinadora e na promoção do futebol feminino no país.
Prancheta da Sundhage
O sistema defensivo é o setor com menos questões a se resolver. A seleção apresentou variações em seu esquema tático, porém, o mais utilizado foi o 4-4-2. Depois de inúmeros testes, Sundhage parece ter encontrado sua linha defensiva com Tamires, Rafaelle, Kethelen e Antonia Silva. Esse quarteto ainda pode ter Lauren em uma possível linha de 5 ou entrando no lugar de uma das zagueiras.
Dessa zaga o destaque vai para as laterais que tem um jogo complementar interessante. Antonia Silva, jogadora do Madrid CFF, é uma atleta de marcação, enquanto Tamires, das Brabas do Corinthians, possui características mais ofensivas contribuindo com jogadas pela ala esquerda.
SÍmbolo de Renovação
O processo de renovação da seleção brasileira passa por Ary Borges e Geyse. Ary Borges é aquela meio-campo que domina todos os aspectos do jogo, excelente marcadora e de extrema qualidade com a bola nos pés, a volante brasileira deve ser o pulmão da seleção nessa Copa.
Geyse por sua vez é a grande esperança de gols da seleção. Atacante do Barcelona campeão da Champions feminina desta temporada, se adaptou bem ao DNA do time da Catalunha, e sua inteligência na hora de se movimentar com certeza será uma qualidade explorada por Pia Sundhage.
Rainha em sua última dança
Temos que falar da Rainha Marta, não dá para deixar de lado uma jogadora seis vezes melhor do mundo e maior artilheira das Copas entre homens e mulheres com 17 gols. A alagoana de 37 anos está indo para sua sexta Copa do Mundo, e já não carrega mais a posição de destaque na seleção. Porém, seu papel no vestiário e a experiência que ela carrega já foram exaltadas pela técnica sueca.
Marta terá minutos limitados diante de questões físicas, mas talento não falta para a maior jogadora de todos os tempos, que terá muito para contribuir dentro de campo também.
CONVOCAÇÃO
GOLEIRAS: Letícia Izidoro (Corinthians), Bárbara (Flamengo) e Camila (Santos);
DEFENSORAS: Antônia (Levante), Bruninha (Gotham FC), Kathellen (Real Madrid), Lauren (Madrid CFF), Mônica Hickman (Madrid CFF), Rafaelle (Arsenal) e Tamires (Corinthians);
MEIO-CAMPISTAS: Duda Sampaio (Corinthians), Kerolin (North Carolina Courage), Luana (Corinthians), Adriana (Orlando Pride), Ana Vitória (Benfica) e Ary Borges (Racing Louisville);
ATACANTES: Andressa Alves (Roma), Geyse (Barcelona), Nycole (Benfica), Bia Zaneratto (Palmeiras), Debinha (Kansas City Current), Gabi Nunes (Madri CFF) e Marta (Orlando Pride).
SUPLENTES: Tainara (Bayern de Munique), Aline Gomes (Ferroviária) e Angelina (OL Reign).
Em um grupo com França, Jamaica e Panamá, o Brasil colocará à prova a reconstrução da seleção para além das quatro linhas. Pia Sundhage sabe da importância da Copa do Mundo, mas projeta o Brasil para o próximo mundial. Nesse meio tempo, a torcida tem sim motivos para esperar um bom desempenho das canarinhas na Oceania.