Por Aline Almeida de Freitas
A cultura de origem africana tem como uma das suas características principais servir como forma de resistência. As tranças, tão presentes nessa cultura, não são exceção. Na época da escravidão, esses penteados ancestrais serviam para esconder grãos e até mesmo traçar mapas de fuga para os escravizados. No presente, continuam com esse aspecto, como afirma o professor de história contemporânea da PUC-SP, Amailton Azevedo. “As tranças funcionam como forma de resistência atualmente pois estabelecem uma ruptura com os modelos estabelecidos sobre a estética capilar”, explica.
Tal estética provém de uma cultura majoritariamente branca. Em meio às centenas de imposições, as tranças servem de lembrança da origem e de uma quebra na expectativa do cabelo liso, sem volume e sem frizz. Além de reforçar a identidade e a presença da cultura negra. "Elas fizeram parte do meu processo de reconhecimento como mulher negra, me trouxeram aceitação sobre quem sou", afirma Talita Aia, professora de 22 anos, que já usou o cabelo trançado de diversas maneiras ao longo dos anos.
Ainda nessa narrativa, com cada vez mais frequência, mulheres negras têm usado o penteado para auxiliar na transição capilar. Que é o período entre a realização da última química no cabelo, como a progressiva, até o crescimento do cabelo natural. "Muitas meninas chegam para fazer as tranças comigo com a autoestima muito abalada. A transição mexe muito com a imagem delas mesmas. Quando eu termino, é nítida a diferença na expressão", conta Milene Santos, trancista de 39 anos.
Sobre o assunto, Aia comenta, "quando coloquei, me senti muito bem comigo mesma, me senti bonita, me senti potente, me senti eu". Ela relata que não passou pela transição, pois nunca alisou o cabelo. Mas, viu no estilo, uma maneira de aceitar a própria origem. "Sou uma mulher preta de pele clara e demorei para alcançar a aceitação e conseguir me colocar nos espaços dessa forma", diz. "As tranças foram como uma revelação, uma afirmação de quem sou no mundo", complementa.
Para Santos, além de uma questão de rompimento com os padrões estéticos, serve também como uma forma de resistência financeira. "Perdi o emprego na pandemia, e eu sempre soube trançar. Então, juntei o útil ao agradável e agora é assim que pago as minhas contas", explica.
Apesar de não utilizar a habilidade como forma de renda, Aia também tem conhecimento de como fazer os penteados. "Eu aprendi a trançar na infância, brincava de trançar meus próprios cabelos, da minha mãe, de amigas. Não lembro exatamente o momento que aprendi, mas provavelmente aprendi com minha mãe", relata.