Em um mês, as enchentes no Rio Grande do Sul, um dos principais estados do Brasil, ultrapassaram os marcos de uma histórica tragédia. O Guaíba, lago que banha a capital e diversos outros municípios, passou dos cinco metros e causou a maior catástrofe ambiental já vista no RS. O último evento dessa magnitude havia sido em 1941, quando o nível de água atingiu 4,76 metros e deixou 70 mil pessoas desabrigadas.
O que parecia ser o maior desastre da história do Rio Grande do Sul, já não é mais. Desde o dia 27 de abril de 2024, fortes chuvas atingiram o estado do extremo Sul do país. O fenômeno se agravou no dia 29 de abril e na data seguinte (30) foi registrada a primeira morte. Após 10 dias ininterruptos de chuvas intensas, 6 bacias de rios ficaram sobrecarregadas e passaram a transbordar. Com isso, a água invadiu os municípios e cidades. Essa água se alastrou até o Guaíba, que também ficou sobrecarregado e transbordou. No dia 04 de maio o recorde do nível de água do lago Guaíba foi batido. Em 1941, o lago atingiu 4,76 metros e esse era o maior registro que se tinha no Estado. Entretanto, nesse novo desastre o nível ultrapassou os 5 metros. Os números mostram que no dia seguinte da marca, o nível chegou aos 5,32 metros, o maior já visto na história. Assim, locais que nunca haviam sido afetados em outras enchentes, tiveram sua realidade modificada. A água atingiu lugares que jamais havia atingido.
As estatísticas mostram o tamanho do que acontece no Rio Grande do Sul. Até o momento (01 de junho), cerca de 171 mortes já foram registradas e esse número tende a crescer cada vez mais conforme os corpos são encontrados entre as enchentes e os destroços. Após mais de um mês de tragédia, outro número que impacta é de que existem mais de 600 mil pessoas desabrigadas por todo o Estado. A “Grande Enchente”, como é conhecida a tragédia que marcou o ano de 1941 no Rio Grande do Sul, foi um dos maiores desastres que já ocorreram no país. Por muito tempo, os gaúchos ouviram histórias desse acontecimento, como uma espécie de lenda do Estado. Na época, os temporais começaram no dia 10 de abril e duraram 35 dias. Cidades foram invadidas. Lavouras, estradas e ferrovias foram destruídas. Tudo isso pela água dos rios que transbordaram.
Em entrevista exclusiva, Adriana Teixeira, jornalista e editora executiva da revista GALÁxIA, conta como foi sua experiência quando foi para o Rio Grande do Sul e conheceu a história do Estado. “Eu tenho amigos que moram no Rio Grande do Sul. Tive a oportunidade de visitá-los em algumas ocasiões e ter acesso à história do Estado. A “Grande Enchente”, como eles chamam por lá, é de fato um momento contado de geração em geração, pois, infelizmente, marcou a vida de todos os gaúchos”, diz Teixeira.
De acordo com registros da época, coletados pelo museu Joaquim Felizardo, cerca de 70 mil moradores do Estado ficaram desabrigados. Para se ter noção da magnitude da situação, esse número era equivalente a um quarto de toda a população do Rio Grande do Sul em 1941. Além disso, um terço dos locais comerciais ficaram embaixo d'água e diversas indústrias foram fechadas. Falta de luz e a paralisação do abastecimento de água nas cidades também fizeram parte desse momento trágico.
Após esse evento, diversos especialistas já se voltaram ao tema para alertarem sobre uma possível nova tragédia e avisaram que se nada fosse feito, o caos poderia ser ainda maior. A arquiteta Mima Feltrin, em entrevista à Revista Veja, trata as novas enchentes como fato anunciado. “Estamos falando de, pelo menos, 25 anos de avisos”, diz. Para ela, essa falta de ações diante dos estudos realizados nos anos posteriores ao desastre, ainda é uma estratégia política. “Aqui no Brasil a lógica é inversa. Gastamos cerca de 14 vezes mais com reconstrução do que com a prevenção de tragédias”.
Adriana Teixeira, que também é doutoranda em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP e estuda os impactos da desinformação no cotidiano, afirma que esse fator pode ser muito prejudicial nesse momento de calamidade. A jornalista destaca que “Centros de monitoramento de desinformação alertam para a ampla circulação no ambiente online de mensagens falsas sobre o desastre climático no Rio Grande do Sul”. Além disso, ela acredita que essa “calamidade pública tem sido usada por políticos da extrema direita, influenciadores e empresários para a obtenção de lucro financeiro, engajamento e influência sobre a política nacional e o debate sobre a crise climática”
Entre alguns materiais compartilhados durante a entrevista, Adriana comentou sobre estudos realizados por algumas organizações que buscam compreender as principais narrativas de desinformação e seus impactos no desastre do RS. Ela apresentou dois levantamentos, realizados pela UFRJ e pela NetLabs entre os dias 27 de abril e 10 de maio. Os relatórios expõem que “boa parte do conteúdo desinformante sobre o desastre climático no Rio Grande do Sul tem como objetivo descredibilizar o governo federal e gerar desconfiança em torno de instituições governamentais”.
Para a editora da Revista GALÁxIA, “A imensidão de mensagens fraudulentas também serve para gerar déficit informacional e distrair a audiência sobre as informações que buscam relatar os fatos e que são necessárias para enfrentar a tragédia”. Ela também acredita que “os efeitos dessas mensagens falsas são devastadores”. Por fim, Adriana relata que “a desinformação confunde a população vítima do desastre climático, prejudica a distribuição das doações e dificulta o trabalho de agentes públicos, socorristas e voluntários”.Além disso, de maneira contundente, ela enfatiza que em situações catastróficas como essa, “a desinformação amplifica o ambiente de caos”.
Para o processo de reconstrução do estado é necessário que planos políticos e sociais, que envolvem educação ambiental e cooperação regional e internacional, sejam elaborados. Essas estratégias, quando implementadas de forma integrada e colaborativa, podem ajudar a reerguer não apenas a infraestrutura física, mas também a resiliência do Rio Grande do Sul após uma tragédia ambiental.