Por Laura Paro (texto) e Yasmin Solon (audiovisual)
Montanhas e montanhas de lixo, mais especificamente de materiais recicláveis. Pessoas trabalhando incessantemente, separando cada reciclável com suas próprias mãos e colocando em sacos grandes. Mais oito toneladas de lixo chegam para continuar o trabalho do dia. Essa é a rotina da Associação Vinte e Oito, uma das quase trinta cooperativas de reciclagem habilitadas em São Paulo. Localizada em um galpão atrás de uma viela na Avenida Sapopemba do bairro Jardim Adutora, no extremo da zona leste da capital paulista, a cooperativa surgiu há cerca de 10 anos. O caminho até lá, partindo do centro da capital, é longo: um ônibus, um trajeto de metrô, um trajeto de monotrilho e depois uma viagem de 20 minutos de carro, totalizando aproximadamente uma hora e meia até o destino final. Ao chegar lá, o que se vê primeiro são pilhas de lixo reciclável em um local amplo, quase todo a céu aberto, e pessoas separando manualmente, em sacos grandes, cada variedade de material.
Marlene, a presidente da entidade, lida diariamente com essas montanhas de lixo. Ela conta que a organização surgiu não só para promover melhorias no meio ambiente, mas também para ajudar pessoas necessitadas: a maioria dos funcionários é composta por mulheres que antes estavam desempregadas, com filhos e em situações difíceis. Ela conta que o trabalho na cooperativa funciona a partir da reciclagem e os funcionários, ao receberem mais de oito toneladas de lixo por dia, separam os materiais por categoria (plástico, papel, papelão, metal, entre outros). Depois de passar por muitos outros processos, o material é vendido a várias empresas, que compram por quilo e por um preço absurdamente barato comparado ao trabalho árduo, pesado e braçal que é realizado ali, por pouco mais de 70 pessoas. Quando fundou a cooperativa, o que ela mais queria era ajudar a situação do bairro e empregar as pessoas que necessitavam de ajuda, e foi exatamente isso o que foi feito – essa é a principal função da associação por trás de “somente” separar o lixo. É no sentido de que, por trás de toneladas de papelões e plásticos das mais diversas especificidades e estados, pessoas vulneráveis encontram uma forma de renda para sustentar a família e ainda de poder manter o forte compromisso com o meio ambiente.
A questão é que a invisibilidade de uma atividade importante como essa é a realidade atual da cooperativa e das pessoas que trabalham lá. Ao passarem horas embaixo de um sol escaldante ou na chuva intensa para analisar o que de fato é material reciclável e o que é lixo, dão alguma dignidade merecida para o meio ambiente – uma ação que deveria ser feita juntamente com todos os habitantes do Planeta, mas que na verdade preocupa apenas alguns cidadãos que são os que se propõem a fazer. E mesmo assim, essas pessoas não têm o reconhecimento merecido e digno, algo que faz parte do mínimo para viver bem.
Uma dessas pessoas é Patrícia, de 31 anos, que tem duas filhas pequenas e começou a trabalhar na entidade depois de se sentir na necessidade de ter uma renda mínima para sustentar suas filhas. Ela conta que, em lugares como este, as pessoas não têm valor e são tratadas como lixo; mas que mesmo assim, ela aprecia o que faz. Patrícia encontrou não só uma forma de ajudar financeiramente a família, mas também de ajudar a natureza em que ela e toda a sociedade vivem.
Além disso, ao reforçar ser possuidora de um trabalho digno como qualquer outra pessoa, Patrícia conta que não sabe como seria a vida e o ambiente caso não existissem as cooperativas. Uma atividade que deveria ser feita por todos dentro de suas próprias casas, na realidade, é um trabalho considerado invisível pela sociedade. E é com esse descuido das pessoas que vivem os catadores, com uma vida difícil e muitas vezes mínima. Patrícia diz que eles cuidam de algo que, na verdade, deveria ter sido cuidado por todas as pessoas em todos esses anos de vida; não é somente sobre as oito toneladas que a associação recebe por dia, mas sim, sobre o acúmulo de lixo e descuido que tem transformado o ambiente em um lugar quase que inabitável.
Na verdade, aqueles que lidam com o que a maioria pensa ser um problema do governo, sequer são assistidos por este. Marlene contou e Patrícia criticou o corte na distribuição das cestas básicas que contribuem para a renda e subsistência de famílias que eram fornecidas pela prefeitura. Além disso, a presidente relata que o problema principal reside nas condições que os recicladores se encontram, devido ao baixo retorno financeiro da associação, que até final do ano passado era melhor. Este ano, o preço dos materiais baixou muito e, consequentemente, a renda mensal dos trabalhadores sofreu uma grande queda. Isso tudo porque a cooperativa se mantém de forma independente, não possuindo nenhum auxílio do governo ou qualquer patrocínio, sendo o dinheiro escasso até para comprar materiais de trabalho (como luvas que seriam usadas no manuseio do lixo) ou para comprar as cestas básicas aos trabalhadores, que atualmente estão suspensas.
Marlene conta que, mesmo sendo difícil e mesmo sem o amparo necessário do governo, a entidade se mantém funcionando. De acordo com a presidente e a Patrícia, a atividade de reciclagem é feita por amor e força de vontade, pois financeiramente a entidade não obtém muito retorno. A associação tem dificuldades em manter os seus compromissos financeiros e, segundo Marlene, a situação fica ainda mais complicada com os funcionários, que precisam desse dinheiro para sobreviver.
A reciclagem deveria ser reconhecida por todas as pessoas de uma sociedade e praticada individualmente e diariamente por todos. As cooperativas, que se envolvem na pauta ambiental e executam esse trabalho indispensável ao ecossistema, não possuem o apoio e o reconhecimento que deveriam ter. É um trabalho árduo em prol de um ambiente mais saudável, mas os envolvidos não possuem sequer uma vida digna. É nesse sentido em que, infelizmente, com uma pauta tão importante e necessária como essa, se perpetua a negligência por parte do governo, o que é também uma forma de desprezar os trabalhadores envolvidos que são considerados invisíveis.