Times femininos lideram descentralização no futebol

Equipes distantes dos grandes centros hegemônicos se destacam e investem, com sucesso, em times de jogadoras, o que era proibido até 1979
por
Lucas Farias Oliveira
Lucas de Lima Leal Holanda
|
25/06/2025 - 12h

 

Durante décadas, o futebol brasileiro concentrou sua atenção nas grandes capitais, especialmente nos clubes do eixo Rio-São Paulo. No entanto, o futebol feminino tem mostrado uma rota alternativa: times do interior e de regiões historicamente marginalizadas vêm liderando um processo de descentralização da modalidade. 

Apesar de muitos times se concentrarem nas capitais do sul e sudeste devido a maior potência financeira dos times, é notável como o interior e até outras regiões fora do eixo tem uma força na modalidade. Hoje na primeira divisão se encontra a Ferroviária, do interior de São Paulo; Real Brasília, do Distrito Federal, e o 3B da Amazônia, da cidade de Manaus, além de outras duas equipes do nordeste: Bahia e Sport. Exemplos que lutam por espaços em um cenário extremamente dominado por equipes do “eixo”. 

O futebol feminino vem em crescente nos últimos anos no país. Segundo Sponsorlink, o interesse pela modalidade cresceu 34% nos últimos cinco anos em pesquisa feita em 2023. Isso se deve aos altos investimentos em infraestrutura dos clubes e em visibilidade na grande mídia, resultando em campeonatos e jogos de mais alto nível no país do futebol.  

A Ferroviária é destaque quando se trata de uma potência do interior, as Guerreiras Grenás, como são chamadas, já conquistaram duas vezes a CONMEBOL Libertadores Feminina (2015,2020), dois campeonatos brasileiros série A1 (2014,2019), uma Copa do Brasil (2014) e quatros campeonatos paulistas série A1 (2002, 2004, 2005 e 2013). Fundado em 1950, o time masculino da Ferroviária nunca teve expressão além da regional, chegou a levantar algumas taças em divisões de acesso do campeonato paulista e foi vice-campeã da série C nacional em 1994. O feminino acumula mais glórias em menos tempo.

Jogadoras da Ferroviária comemoram o bicampeonato da Libertadores da América
Clube da cidade de Araraquara levanta troféu da CONMEBOL Libertadores, em 2021  Foto: JUAN IGNACIO RONCORONI / Pool via REUTERS

Em entrevista ao Jornal O Globo, Aline Pellegrino, coordenadora de competições femininas da Confederação Brasileira de Futebol diz “A Ferroviária tem um projeto de longo prazo que continuou mesmo quando não teve resultados. Investe no futebol feminino há duas décadas, ou seja, metade do período que a gente tem com a modalidade regulamentada”.

Outra equipe que emergiu no interior paulista foi o São José. No começo da década de 2010 ganhou três CONMEBOL Libertadores Feminina (2011, 2013 e 2014), duas Copa do Brasil (2012 e 2013), e três campeonatos paulistas série A1 (2012, 2014 e 2015). Em 2014 ganhou seu principal título, o Torneio Internacional de Clubes, considerado o "mundial" da época, vencendo o Arsenal da Inglaterra na final. Desde 2017, o time vive uma má fase e atualmente se encontra na série A2 do campeonato brasileiro.

Atletas da equipe feminina do São José comemoram histórico título mundial
Atletas e comissão técnica do São José comemoram vitória sobre o Arsenal e título mundial (Foto: Mengo do Japão/ Divulgação)

Na maior competição internacional, a CONMEBOL Libertadores é notável o domínio do Brasil em relação a outros países, com 13 conquistas. Nesse cenário de desigualdade, o Club Sportivo Limpeño da pequena cidade de Limpio no Paraguai, conquista a glória eterna em 2016 de maneira invicta e dominante. Em 2018, foi a vez do Atlético Huila, da cidade ao sul da Colômbia, Neiva, vencer o Santos nos pênaltis na final. Nesta edição, o Iranduba, clube de Manaus que foi eliminado pelo Atlético ficou com o heroico terceiro lugar na competição.  

Mesmo com orçamentos limitados, sem grandes patrocínios ou centros de treinamento modernos, clubes fora do eixo continuam acumulando resultados que muitas equipes milionárias ainda perseguem. Esses times, mantidos por trabalho coletivo, incentivo dos governos municipais e lideranças femininas determinadas, mostram que a falta de investimento não impede a construção de elencos competitivos e vencedores. 

O futebol feminino, que já foi proibido no país em 1941 por regulamentação do governo Vargas, foi somente liberado em 1979, nos anos finais da ditadura militar. Após cinco anos, um clube do ABC paulista foi um dos primeiros times a abrir portas para mulheres jogarem futebol, o Saad Esporte Clube, de São Caetano do Sul. A iniciativa pioneira reflete a mesma determinação que ainda hoje move projetos pelo país, muitos deles afastados dos holofotes mas fundamentais para o avanço da modalidade. 

Recentemente o interior foi palco de um dos jogos da seleção feminina nesta última data FIFA, na partida contra o Japão no Estádio Municipal Cícero de Souza Marques, em Bragança Paulista. Com mais de 8 mil torcedores, praticamente lotou a casa do Red Bull Bragantino, onde ganhou da seleção japonesa por 2x1. O local da partida gerou repercussões positivas — Vamos trazer mais amistosos para o Brasil, não vai ser só em grandes capitais — afirmou uma dirigente da CBF em entrevista para o jornal Lance. 

 

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