Terras Indígenas funcionam como escudo contra desmatamento

Guaranis Neusa Poty e Mirindju reforçam a importância da demarcação de seus territórios para a preservação do meio ambiente
por
Cecília Mayrink e Juliana Mello
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11/11/2021 - 12h

Segundo o artigo intitulado “Povos tradicionais e biodiversidade no Brasil – Contribuições dos povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais para a biodiversidade, políticas e ameaças” de junho de 2021, apenas 2% das florestas das Terras Indígenas foram perdidas na área total do país. A partir da coleta de dados e análises feitos no estudo, foi comprovado que esses territórios realizam um papel de escudo contra o desmatamento do meio ambiente, o que reforça a necessidade de maior urgência na criação e fortalecimento de políticas públicas para a demarcação e proteção dessas terras. 

De acordo com o artigo de autoria dos pesquisadores Antônio Oviedo (Instituto Socioambiental) e Juan Doblas (Instituto Nacional de Pesquisas Especiais), a contribuição de povos indígenas para a preservação do meio ambiente no Brasil e em outros países é inegável. Isso pode ser observado em pelo menos 25% da área de todo o planeta, que são também os locais onde se encontram 35% dos ecossistemas mais protegidos do mundo. Segundo o artista Mirindju, morador da terra indígena Mbya Guarani, no Jaraguá, São Paulo, todos os indígenas, desde pequenos, são ensinados a amar e cuidar da natureza: “Temos a tarefa de plantar árvores nativas para ajudar no reflorestamento. Os mais velhos se encarregam da limpeza local. Temos muito cuidado com o que entra de fora da aldeia, como o plástico.”

Área correspondente à Terra Indígena Jaraguá (Reprodução: Evan Carvalho - Jornalismo Júnior - ECA-USP)
Área correspondente à Terra Indígena Jaraguá (Reprodução: Evan Carvalho - Jornalismo Júnior - ECA-USP)

Apesar da Constituição ser mais inclusiva com os povos indígenas, mesmo 33 anos depois, eles continuam recebendo ameaças. A mais recente, realizada pelo governo de Jair Bolsonaro, diz respeito à responsabilidade pelas Terras Indígenas (TIs). Com a MP n.º 870/2019, o Presidente transfere para o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento a identificação, reconhecimento e demarcação desses territórios, afetando a Fundação Nacional do Índio (Funai). Segundo Mirindju, os povos indígenas são constantemente atacados por pessoas de fora e a comunidade sente o impacto das políticas que prejudicam a eles e ao meio ambiente: “Muitos dos não indígenas não entendem o quão preocupante é o avanço do desmatamento. Hoje, vemos muita poluição com envenenamento das águas dos rios e com as queimadas das florestas. Eles precisam começar a refletir sobre isso, pois sem a natureza, a gente não vive.”

Indígenas Mbya Guarani construindo casas para quem precisa (Reprodução: Arquivo Pessoal)
Indígenas Mbya Guarani construindo casas para quem precisa (Reprodução: Arquivo Pessoal) 

 

         Quanto mais o governo demora para demarcar uma área, mais ela fica vulnerável à invasão de terceiros. É o que acontece, por exemplo, com a TI Karipuna, em Rondônia, que apesar de ter sido homologada em 1998, está com mais de 10 mil hectares de floresta destruídos, em consequência da exploração ilegal de madeira e de grilagem. 

Ainda segundo o artigo, na região referente à Floresta Amazônica brasileira, foi constatado que 90% da área que está conservada do bioma corresponde às TIs e Unidades de Conservação, que utilizam métodos sustentáveis para a manutenção da vegetação natural. Tais dados provam que esses territórios desempenham um papel determinante na contenção do desmatamento e das mudanças climáticas. 

De acordo com o Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite (PRODES), entre os anos de 2004 e 2014, houve a redução em 80% do desflorestamento da área, devido principalmente à criação de áreas protegidas e a ações de controle e repressão ao crime coordenadas pelo Ibama. Segundo Neusa Poty, moradora da terra indígena Guarani do Jaraguá, a manutenção dessas florestas se deve em grande parte à presença dos povos indígenas: “Acho que no nosso caso, na terra Guarani, se não fosse por nós, não teria mais todo o verde que nos rodeia. Damos muita importância para árvores específicas por questões medicinais. São delas que fazemos nossos remédios. A natureza nos protege, e nós a protegemos, é um equilíbrio.”

Neusa Poty na aldeia Guarani (Reprodução: Arquivo Pessoal)
Neusa Poty na aldeia Guarani (Reprodução: Arquivo Pessoal)

        Assim, a demarcação de TIs é fundamental para a reprodução física e cultural desses grupos e para a manutenção de seus modos de vida tradicionais, as quais fazem parte do patrimônio cultural brasileiro - o que caracteriza um dever da União, conforme disposto no Art. 24, Inciso VII da Constituição. Para Poty, se existissem políticas públicas mais fortes e frequentes que visassem marcar e proteger as terras indígenas, o meio ambiente estaria melhor preservado: “Hoje, poderíamos estar recuperando a maior parte do que já foi perdido. Sem a natureza, nem sei como estaríamos, por isso sempre preservaremos a nossa cultura.” A integridade dessas terras ainda garante a proteção do meio ambiente e da biodiversidade, o que também é um direito constitucional prescrito pelo art. 225 da Constituição.