Por Maria Luiza Abreu
Em casa, Arthur se coloca em frente às telas assim que chega da escola. Apesar da pouca idade, já apresenta sinais físicos do uso excessivo, como a famosa corcunda decorrente da má postura. Filho de millennials, Arthur tem um celular desde os 8 anos, e seu primeiro tablet chegou ainda mais cedo, aos 4 anos de idade. Em casa, a TV da sala é uma smart TV, possibilitando acesso on demand aos principais serviços de streaming, e nela o PlayStation 4, presente de aniversário de 6 anos, fica conectado quase que em tempo integral. A situação é motivo de reclamação da avó materna, de 74 anos, que cuida do garoto enquanto a mãe trabalha, e precisa recorrer à televisão de outro cômodo caso queira assistir novela ou noticiário.
Ele tem 11 anos e é aluno do quinto ano do ensino fundamental. Filho de pais separados e mora com a mãe e a avó em um apartamento de aproximadamente 40 m². Ele é um retrato da atualidade, em que as crianças praticamente já nascem familiarizadas com as telas. No colégio particular em que estuda, segue estritamente as rígidas regras da instituição quanto ao uso do celular. Ele relembra que, na escola pública anterior, o uso do aparelho era comum, a ponto de muitos colegas passarem horas no banheiro com o celular, que era praticamente uma extensão dos alunos.
Como uma típica criança da geração Alfa, a tecnologia sempre fez parte da vida de Arthur, a ponto de ele não lembrar de seu primeiro contato com ela. No entanto, ele admite que sua vida poderia ser mais saudável sem o celular: Ele mesmo acha que fica muito preso pelas redes, e diz isso após alguns segundos de distração com um vídeo de dois irmãos estrangeiros competindo para ver quem completava primeiro o álbum de figurinhas da Copa, exibido no YouTube, conectado à TV pelo videogame.
O Manual de Orientações da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) sugere um limite diário de 2 horas de exposição a telas para crianças de 6 a 10 anos e de 3 a 4 horas para adolescentes de 11 a 18 anos, enfatizando a importância de regras claras para o uso de dispositivos eletrônicos. O documento também alerta para problemas físicos, como má postura e prejuízos à visão. O uso excessivo pode ainda levar a questões psicológicas, como a chamada “distração passiva” — quando os dispositivos digitais são usados para manter as crianças quietas, principalmente em locais públicos — prejudicando o brincar ativo, fundamental para o desenvolvimento infantil.
Para Arthur, o celular transforma a vontade de brincar com amigos em uma busca por distrações eletrônicas, deixando de lado atividades que gostava, como jogar bola, bater figurinhas ou andar de bicicleta. Na sua escola atual, o uso do celular é restrito a atividades educativas, como pesquisas rápidas por imagens no Google e a busca pelo significado de palavras desconhecidas. Durante os intervalos, o celular é proibido. Recentemente, ao ficar sem o aparelho devido a um problema técnico, Arthur notou uma melhora em sua concentração e desempenho nas tarefas de casa. No entanto, ele admitiu ter se sentido “agoniado” por não poder se comunicar com amigos no WhatsApp, especialmente porque, naquele período, estava responsável por organizar o interclasse. Em menos de uma semana, um novo aparelho já havia sido comprado.
Os computadores da sua escola são utilizados somente nas aulas de robótica, para a criação de programas e protótipos. Embora o celular auxilie em pesquisas, Arthur gostaria de poder usá-lo também enquanto aguarda os pais na saída. Em casa, sua mãe estabeleceu um limite de 3 horas diárias de tela, aumentando para 5 horas nos finais de semana. Entretanto, esse limite é raramente seguido, como revela a aba de “bem-estar digital” do aparelho: em uma segunda-feira, o garoto passou 12 horas usando o celular, sendo 6 horas assistindo séries na Netflix e 2 horas no aplicativo de mensagens WhatsApp — que, assim como a maioria das redes sociais, informa como idade mínima permitida 13 anos, mas cuja restrição é facilmente burlada com a alteração da idade.
A mãe do garoto utiliza um aplicativo de monitoramento para controlar os conteúdos acessados. Ela conta que é mais difícil verificar se o limite de uso está sendo seguido, pois, com a guarda compartilhada, nos fins de semana Arthur fica com o pai e, durante a semana, com a avó, que não tem um perfil rígido e adota o estereótipo de “vó que mima”, muitas vezes contradizendo as orientações passadas pela mãe. Quando as notas caem, o celular é retirado como forma de punição. Arthur entende essa decisão, afirmando que sabe que é para o seu bem, mas não lida bem com a restrição, já que os eletrônicos estão tão inseridos em sua rotina. Ao acordar, o celular vem antes mesmo do café da manhã, que muitas vezes é substituído por uma partida de Fortnite — jogo de battle royale em que os jogadores são colocados em um mapa e competem entre si — em ligação com os colegas de sala, e frequentemente causa atrasos para descer para o transporte escolar. Na escola, com a companhia dos colegas e a falta da opção digital para se entreter, ele não sente tanta falta do aparelho. No entanto, ao chegar em casa, até o horário de dormir é preenchido com diversas alternativas de entretenimento digital: jogos, aplicativos de streaming, redes sociais de vídeo e outras opções disponíveis no universo das telas.
Um dos principais questionamentos é sobre os efeitos psicológicos e sociais com a crescente presença dos dispositivos digitais. No episódio em que ficou sem acesso devido ao problema técnico, Arthur demonstrou uma certa irritabilidade, semelhante à abstinência, incomum para um menino conhecido por ser tranquilo e carinhoso. É possível que esse fator tenha pressionado os pais a adquirirem um novo celular tão rapidamente. Esses efeitos não são exclusivos de Arthur; na verdade, eles representam um novo problema geracional pelo qual muitas crianças passam, provocando debates e decisões acerca dessa questão.
Recentemente, o Ministério da Educação do Brasil (MEC) divulgou a intenção de propor uma legislação para limitar o uso de celulares em escolas públicas e privadas, medida alinhada com a recomendação da Unesco no Relatório de Monitoramento Global da Educação. A intenção é criar um ambiente de aprendizado menos suscetível às distrações digitais e reforçar a “visão centrada no ser humano”. Para a agência da ONU, a tecnologia digital deve ser usada como um recurso complementar, e não para substituir as interações humanas.
Em fevereiro deste ano, a prefeitura do Rio de Janeiro foi pioneira no banimento do uso de celulares e eletrônicos em escolas públicas municipais, dentro e fora da sala de aula, por meio de um decreto publicado no Diário Oficial. Enquanto medidas de nível nacional ainda não foram implementadas, a discussão sobre o papel das telas na educação está longe de ser resolvida para uma melhor formação de crianças e adolescentes.