Por Julia Sena
No bairro da Vila dos Remédios, na zona oeste de São Paulo, seu Francisco, de 68 anos, já se acostumou com o barulho de galhos batendo contra os fios de energia nos dias de vento forte. Diz que na rua, quando chove, já sabe que vai faltar luz. Ele já fez inúmeros pedidos de poda à prefeitura, mas as respostas, quando vêm, demoram meses. A cena se repete em muitos bairros da cidade, árvores plantadas há décadas, sem planejamento e monitoramento. Além de crescidas demais, raízes que invadem calçadas, rompem fios e danificam tubulações. A falta de gestão eficiente da arborização urbana torna-se ao mesmo tempo um problema de segurança e um desafio ambiental. Foi diante desse cenário que um grupo de pesquisadores da Universidade de São Paulo desenvolveu o projeto Poda, uma iniciativa que usa inteligência artificial e softwares de modelagem ecológica para apoiar o poder público na tomada de decisões sobre o manejo de árvores nas cidades.
A iniciativa nasceu dentro do Instituto de Biociências da USP, sob coordenação do professor Marcos Buckeridge, especialista em fisiologia vegetal e diretor do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia do Bioetanol (INCT Bioetanol). A ideia surgiu de uma pergunta simples sobre se seria possível usar dados científicos para prever quais árvores precisam de poda antes que se tornem um risco. Para ele, o manejo das árvores urbanas ainda é muito reativo, a poda acontece depois que o problema aparece. O que se pretende é criar um sistema preventivo, capaz de indicar quando e onde agir, usando informações sobre o crescimento das espécies, o clima e as condições do solo.
O sistema desenvolvido pela equipe combina imagens de satélite, modelos de crescimento vegetal e dados climáticos locais. A partir disso, os pesquisadores conseguem estimar o ritmo de desenvolvimento das árvores e identificar áreas de risco, como regiões onde há alta densidade de copas próximas à rede elétrica.
Um dos diferenciais do projeto é a criação de modelos preditivos que consideram o impacto das mudanças climáticas no comportamento das árvores. Com o aumento das temperaturas e das chuvas intensas, algumas espécies têm crescido mais rápido e de forma desordenada, o que aumenta a chance de quedas e rompimentos. O software já permite prever o comportamento das árvores ao longo do tempo. Isso ajuda o poder público a planejar melhor as podas e reduzir custos com emergências.
A proposta da Poda é tornar a arborização urbana mais sustentável e integrada à rotina das prefeituras. O sistema já foi testado em áreas piloto de São Paulo e pode, futuramente, ser adaptado a outras cidades brasileiras. E o objetivo não é apenas tecnológico, mas também social,. pois o que está em jogo quando se pensa em árvores é preciso considerar sombras, em conforto térmico, em qualidade do ar. Mas se não houver manejo, esses benefícios se perdem.
De volta à Vila dos Remédios, seu Francisco ouve falar do projeto com esperança. Ele considera que se tiver um jeito de a Prefeitura saber antes que a árvore vai cair, já ajuda muito, porque esperar cair em cima do carro ninguém quer.
A equipe da USP também trabalha em uma interface pública, que permitirá aos cidadãos acompanhar o mapeamento das árvores de suas regiões e reportar problemas diretamente pelo sistema. Assim, o ciclo se completa: da denúncia à prevenção, com base em dados e participação popular. “Cuidar das árvores é cuidar das pessoas”, resume Buckeridge. E agora, com a ajuda da ciência é possível fazer isso de maneira mais inteligente.