Teatro musical se abate com mudanças na Lei de Incentivo

por
Victória Marques
|
07/11/2019 - 12h

Com a abrupta redução de 98% do teto de captação da Lei Rouanet, o atual governo praticamente inviabiliza a montagem de títulos internacionais renomados e preocupa os profissionais e admiradores de teatro musical no país. Diante da ameaça iminente, produtores solicitaram à Fundação Getúlio Vargas (FGV) um estudo completo da movimentação financeira gerada pelos espetáculos na cidade de São Paulo, onde há a maior quantidade de peças do circuito.

Calculando os valores que as produções e os espectadores de teatro musical fizeram circular na cidade no ano passado, a conta passa de R$ 1 bilhão, segundo o estudo da FGV. Ou seja, uma indústria extremamente lucrativa para a cidade.

Muito além do que se vê em cena, as grandes montagens envolvem um espectro abrangente de profissionais que extrapolam as atividades artísticas propriamente ditas. Do setor administrativo, que envolve a parte jurídica e contábil, até as camareiras do teatro, quase 13 mil postos de trabalho foram gerados do início ao final de 2018 na capital paulista em decorrência dos espetáculos, o que corresponde a R$ 196 milhões em movimentação financeira.

Fora isso, o gênero também alimenta o turismo da cidade, pois cerca de 38% do público vem de outros estados. A soma de gastos com alimentação, hospedagem, lazer e transporte chega a R$ 813 milhões, o que significa que 80% da movimentação econômica é gerada justamente por despesas extras dos espectadores. Indo mais a fundo nesse ponto, o Estado, por possuir um sistema tributário em que quase metade do que é coletado vem dos impostos sobre bens e serviços, é beneficiado pela indústria. O estudo da FGV aponta que, para cada R$ 1 investido, o retorno em tributos é de R$ 1,92, quase o dobro.

Essa movimentação financeira é o retorno de um investimento também grandioso que há por trás de cada montagem. A Lei Federal de Incentivo à Cultura, inclusive, existe por causa disso. Os títulos que mais atraem público são geralmente os mais custosos. Lucas Melo, que é produtor, explica: "O custo se eleva muito por conta dos direitos autorais, até porque se paga em dólar, e também pela dimensão do espetáculo". Para trazer um musical nos  moldes de "Wicked", por exemplo, existe um contrato que exige cenários e figurinos fiéis aos da Broadway, para que o espetáculo não seja descaracterizado.

A primeira adaptação da Broadway realizada no Brasil foi “My Fair Lady”, na década de 1960, mas o gênero só se estabeleceu de fato quando a empresa Time for Fun (T4F) comprou os direitos de "Os Miseráveis". Em cartaz durante o ano de 2001, o público alcançado na época foi de 300 mil pessoas. No ano seguinte, com a montagem de "A Bela e a Fera", o número de espectadores dobrou e o mercado dos musicais passou por um processo de consolidação que já dura mais de 15 anos. Os profissionais e as empresas produtoras se especializaram e se multiplicaram durante esse período.

Importar peças dessa dimensão só foi possível pois o teto de captação da Lei Rouanet permitia que um projeto arrecadasse até R$ 60 milhões. O atual governo reduziu para  R$ 1 milhão esse valor. Só "O Fantasma da Ópera", que atualmente está em cartaz no Teatro Renault, arrecadou pela Rouanet R$ 24 milhões para realizar essa temporada. Fernando Alterio, dono da T4F, empresa que está à frente da produção, declarou recentemente ter cancelado a negociação do título que pretendia trazer para o próximo ano.

Apesar das dificuldades, profissionais da área não acreditam que o gênero estará extinto devido às mudanças na Lei de Incentivo, pois um dos legados do crescimento do mercado foi justamente a expansão do teatro musical nacional.  Muitas peças de grande valor artístico são produzidas atualmente. Entretanto, do ponto de vista mercadológico, não são espetáculos que costumam atrair público da mesma forma que peças internacionais, logo a lucratividade não será a mesma.

Melo, que trouxe a produção de "Os Últimos Cinco Anos" em 2019, não está muito otimista com o ano que vem. "Para o meu próximo espetáculo, com R$ 1 milhão, 60% do orçamento é só para pagar os direitos. Já tive que reduzir a temporada para um período muito menor e é isso. O que vier de fora, se é que virá algo, vai ser assim, um ou dois meses em cartaz, com ensaios mínimos e as pessoas recebendo quase nada."