Chegaram ao país em 1871. Aos montes. Nove anos depois, já estavam em São Paulo. Bem no Centro, nos arredores da rua 25 de Março. Levantaram casas, comércios, como se fossem bandeiras. Somaram as suas às demais árabes que já estavam hasteadas quando vieram.
Enxergaram na demanda comercial a oportunidade que o trabalho nas terras não oferecia. Vieram por conta própria e trabalhavam da mesma forma. Suas veias culturais pulsaram as heranças até a zona sul. Não é difícil encontrá-los. Estão em toda parte, do Brás ao Paraíso. E não fecharam as portas.
Principalmente no século XX, a comunidade árabe encontrou na capital paulista os tecidos que remendariam suas vidas. Costuraram-se oficialmente na 25 de Março: nas placas das ruas ao seu redor, na data. Conforme avançavam as décadas, a presença sírio-libanesa contribuiu para além do comércio, com influências culturais sobre a indústria, a política, as artes, o Direito, a educação, a gastronomia, dentre outras vertentes da identidade brasileira.
A Bachir é uma sorveteria que te transporta ao Líbano. Com filas quilométricas, seus sabores típicos e tradicionais são um grande atrativo à comunidade sírio-libanesa no bairro de Moema, na zona sul de São Paulo. A aveludez do creme Ashta com a textura do pistache iraniano reforça a lembrança dos imigrantes e fortalece o vínculo com as raízes árabes através do paladar.
Segundo a mestre em Estudos Árabes pela Universidade de São Paulo (USP), Juliana Mouawad Khouri, a Bachir é um lugar de memória. "É um local que, para aqueles distantes das suas raízes, lembram dos seus avós”, explica. “As pessoas gostam de manter esses espaços como contato das suas origens".
A localização da sorveteria em Moema é estratégica. É um dos bairros de maior concentração da comunidade sírio-libanesa. Após adquirirem maior poder aquisitivo por meio do comércio, alguns descendentes se estabeleceram em bairros mais elitizados, como Paraíso, Vila Mariana e Planalto Paulista. “Temos a Igreja Maronita, tem também a Catedral Melquita no Paraíso”, aponta Khouri. “Além de restaurantes, clubes como o Club Homs, no Jardins".
A comunidade árabe foi fundamental no primeiro contato que os imigrantes tiveram com o país. O fato de falarem a mesma língua e de terem jornais escritos nela fizeram com que se sentissem acolhidos. As decisões políticas também eram discutidas nesse âmbito, o que motivou o ingresso, principalmente de libaneses, no setor e sucedeu ao êxito de ocupar cargos de alto escalão no governo brasileiro, como é o caso das famílias Temer, Haddad, Maluf, dentre outras com destaque no cenário nacional.
A concepção que os comerciantes tinham era que seus filhos precisavam seguir no comércio, no Direito ou na Medicina, um fator que explica a expressividade de libaneses e seus descendentes nessas áreas.
O diretor-geral do Centro de Oncologia do Hospital Oswaldo Cruz, Dr. Riad Naim Younes, imigrou para o Brasil quando tinha dezesseis anos, por efeito da guerra civil no Líbano (1975-1990). Apesar das dificuldades com o idioma e a preocupação com as notícias de seu país-natal, o apoio da comunidade foi decisivo para que se sentisse acolhido. “Como qualquer árabe que acaba de chegar [ao Brasil], todos falavam bem o árabe e mal o português, então você consegue conversar e entende o que está acontecendo no Líbano”, compartilha. “Foi onde a parte social da minha vida ficou mais intensa”.
Nesse âmbito, nota-se que os centros culturais foram de extrema importância para a inserção dos imigrantes árabes. Ao sediar e promover atividades religiosas, como a celebração do fim do Ramadã e o “Dia do Sacrifício”, há maior integração entre os membros da comunidade e reforça-se o sentimento de familiaridade com suas raízes. “Essa parte cultural não é confinada à comunidade muçulmana”, destaca Younes. “A gente vai lá [nos centros culturais] assistir a palestras, cursos sobre a literatura, ciência e história dos países árabes e do Brasil”.
Diante disso, a Câmara de Comércio Árabe-Brasileira está envolvida em projetos para manter viva a cultura e a história dos imigrantes libaneses. Younes, que também é vice-presidente da instituição, relata que existe uma parceria com universidades libanesas para documentar esse processo migratório. Até o momento, a iniciativa já catalogou 150 mil documentações entre os dois países.