Somos breves demais

A morte inesperada nos mostra a fragilidade humana.Marília Mendonça nos deixou nesta sexta-feira, 05/10, mas a sua arte não a deixará morrer.
por
Luan Leão
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06/11/2021 - 12h

A morte inesperada nos mostra a fragilidade humana. Não que seja desconhecida, pelo contrário, todos sabem o quanto o ser humano é frágil e efêmero. Talvez a única certeza da vida seja a morte, e apesar de saber disso, não temos preparo para vivenciar esse processo. 

Um artista não morre, porque sua obra não o deixa morrer. Artistas são eternos na memória cultural. Marília Mendonça nos deixou nesta sexta-feira (05), mas a sua arte não a deixará morrer. Marília foi um fenômeno da música brasileira, uma artista completa. Instrumentista, cantora, compositora, é quase impossível que alguém nunca a tenha escutado no Brasil. Às vezes escutou sem querer, pelo som alto do carro que passou na rua tocando: “apaixonadinha, você me deixou, apaixonadinha, você me deixou”. O Brasil se rendeu ao talento de Marília, estava encantado. Encantado não, apaixonadinho.

A goiana de 26 anos de idade era presença certa na trilha sonora das festas de muitas famílias. Rainha da sofrência, Marília nos fazia sofrer como ninguém. Aliás, sofrer pela voz de Marília não era sofrer. Até quem não tem motivo para sofrer, coloca a mão no peito e balança de um lado para o outro cantarolando: “Tá espalhando por aí que eu esfriei, que eu 'tô' mal, que eu 'tô' sem sal, realmente eu 'tô', sem saudade de você, eu já fiz foi te esquecer”. Obviamente, alguém que canta isso nas condições já ditas, não esqueceu, e sente muita saudade. Mas sofrer com Marília não é sofrer, virou quase um hobby. 

Um dos principais nomes do cenário sertanejo atual, Marília empoderou mulheres, fazia da dor de um coração partido poesia, e com isso um afago nos sofredores. 

Quando nos deparamos com uma situação assim, constatamos o que já é do conhecimento de todos: somos breves! Todos sentem, porque se foi uma mãe, uma filha, uma neta, um alguém que faz parte da memória afetiva do país. Esses fatores aproximam ainda mais todos da dor da perda, do sentimento de que precisamos cada vez mais valorizar o agora. A perda súbita deixa as lacunas do que não aconteceu, do que não vai acontecer, afinal, já foi.

Não existe manual de como lidar com o luto, cada um o vive à sua maneira. Idas repentinas nos deixam mais frágeis, porque passamos a refletir sobre como estamos vivendo. É doloroso quando vemos alguém deixar os seus sem ao menos se despedir, sem um último abraço, um último “eu te amo”. E dói porque estamos tão suscetíveis quanto. A incerteza amedronta, e tudo é incerto.

É incerto que viveremos o que planejamos. É incerto que teremos tempo de deixar para depois aquela conversa, aquele beijo, aquele abraço. É incerto. O escritor José Saramago escreveu que quando pudermos olhar, temos que ver. Quando pudermos ver, temos que reparar. Ao reparar, humanizamos o próximo, deixamos de ver de forma insensível o que acontece à nossa volta. 

Somos breves demais para deixar para depois. O “depois” é um tempo que não temos controle, e nem sabemos se chegará. Breves demais para não aproveitar o agora. 

Marília deixa filho, familiares, amigos e uma multidão de fãs e admiradores da sua música, do ser humano Marília Dias Mendonça. 

É Marília, vai doer demais escutar o seu “bye, bye”.