A sociedade mora em uma grande bolha

Por trás de algoritmos racionais, a criatividade e a perda do senso crítico se tornam a mira de big techs
por
Luiza Zequim
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17/11/2025 - 12h

Por Luiza Zequim

 

A sensação de que o celular está lendo mentes tornou-se cada vez mais presente nas novas gerações, mas, para o sociólogo Alexandre Simões, não há mágica nisso. É o trabalho de um mecanismo complexo: o algoritmo. A inundação de anúncios de tênis ou destinos de viagem logo após uma conversa casual é a ponta visível de um problema profundo. Para o especialista, esses códigos invisíveis e onipresentes são hoje os principais agentes do imaginário coletivo. Projetados para conseguir engajamento a todo custo, eles têm um efeito colateral que, na análise de Simões, molda ativamente como a sociedade consome, se comporta e prefere determinados temas. O que começa como uma simples personalização de conteúdo, mostrando mais vídeos de culinária ou notícias de futebol, evolui rapidamente para um complexo sistema de filtragem ideológica.

Para entender a ferramenta por trás disso, Antonio Pereira, estudante de Tecnologia da Informação da UFF (Universidade Federal Fluminense), oferece uma visão prática. Ele explica que o algoritmo não é uma entidade mística, mas sim um conjunto de regras lógicas, como uma receita de bolo extremamente detalhada. 

Na cozinha, a receita diz quando adicionar a farinha, na Internet, o algoritmo diz ao sistema como agir e o que responder à interação do usuário. Nas redes sociais, Pereira detalha que essa "receita" é alimentada em tempo real. Cada clique, cada segundo que o olho se detém em uma foto, cada like e até mesmo as hesitações do usuário são ingredientes. O objetivo dessa metodologia é prever o que o consumidor quer ver no próximo segundo.  Antônio explica que o sistema realiza testes constantes, em milissegundos, para ver qual variação de conteúdo — qual cor de botão, qual manchete, qual vídeo — segura a atenção por mais uma fração de segundo. É um processo de otimização que não visa o bem-estar do usuário ou a veracidade da informação, mas apenas a métrica de "tempo de tela".

Enquanto Pereira foca no "como" técnico, o sociólogo Alexandre foca no "porquê" social. Para Simões, o objetivo dessa "receita" é mais profundo: decidir o que você vê e com que frequência. O sociólogo adverte que este é um ciclo vicioso. A problematização central é que ao nos tornarmos peritos em apenas consumir o que gostamos, o algoritmo para de nos mostrar o que não estamos interessados, ou simplesmente o que é diferente. É a entrada no que o sociólogo define como “Bolha de Filtro”, um processo algorítmico e passivo. Os aplicativos, como TikTok e Instagram, aprendem os padrões do consumidor digital e, com base nessa coleta de dados, começam a "protegê-lo" de conteúdo que possa repeli-lo do programa. Simões alerta que o resultado desse sistema complexo é a eliminação de visões de mundo opostas e discussões aprofundadas.

Como consequência, entramos na Câmara de Eco, um processo que o especialista descreve como ativo e social. É neste ambiente digital que pequenos grupos escolhem se reunir e reforçar mutuamente suas crenças nichadas. O espaço não só valida a informação que a bolha de filtro selecionou, como também reforça e blinda aquele público específico.

A bolha não apenas nos isola do "outro", mas também congela a nossa própria identidade. O crescimento pessoal e a empatia nascem da dissonância cognitiva, do desafio e do pensamento crítico. Ao eliminar esse atrito, a internet cria indivíduos mais rígidos, menos criativos e nada tolerantes. 

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Manchetes políticas que ilustram o resultado de uma sociedade dividida em bolhas sociais intolerantes. Foto: Google/CartaCapital/InfoMoney

 

Além disso, as bolhas são as incubadoras ideais para a desinformação proliferar, seja na saúde ou na política. O mecanismo funciona através da erosão da confiança. Dentro desses grupos, o usuário é alimentado com um fluxo constante de informações que confirmam suas suspeitas pré-existentes. Quando uma fake news surge, ela não choca. A nota é recebida como a "peça que faltava" no quebra-cabeça, confirmando o que as pessoas já acreditavam.

Na raiz de tudo, Simões identifica uma lógica econômica implacável. O produto vendido não é realmente o conteúdo, mas a atenção do usuário. Similar ao processo de valorização de uma garrafa de água, o preço equivale ao material do plástico que envolve a bebida, e não ao líquido por si só. O modelo de negócios da "economia da atenção" exige que as plataformas maximizem o tempo de tela a qualquer custo. Isso significa que os algoritmos são incentivados a explorar fraquezas psicológicas e transformá-las em consumo monetário. 

Diante desse cenário, não há uma solução fácil, mas um caminho duplo. Por um lado, temos a responsabilidade das próprias plataformas, que não devem ser isentadas. Por outro, entender que o feed não é uma janela para o mundo, mas um espelho distorcido e curado para prender a atenção, é a noção essencial para que o indivíduo consiga ter consciência de qual sistema está inserido e como deve, de vez em quando, furar sua película de proteção.